Em meio ao apagão, e concorrendo com programação paralela,  a 21º edição da festa, que homenageou a escritora  modernista Pagu, exaltou força da literatura escrita por mulheres

Pelo jeito, nem o mês, considerado inadequado por organizadores e público, nem o apagão,nem as polêmicas conseguiram derrubar o discreto charme da Flip, que este ano completou 21 anos. Ao longo dessas duas décadas, a festa não apenas botou a cidade de Paraty no mapa literário do Brasil, como se transformou num dos grandes eventos em torno do livro do ano. 

A Flip hoje em dia tem programação paralela quase tão atraente quanto a oficial, com destaque para a Flipei, Festa Literária de Paraty das Editoras Independentes, espécie de resposta mais democrática (a programação de palestras é de graça) e mais subversiva  à programação oficial. Com isso, durante cinco dias, a jóia colonial do litoral fluminense se enche de escritores, editores, jornalistas e visitantes para celebrar a palavra escrita: este ano,  a cidade recebeu 27 mil visitantes entre 22 e 26 de novembro.

A homenageada desta edição da Flip foi a escritora modernista Patrícia Galvão (1910-1962), a Pagu, autora cuja obra poética e de prosa tem sido redescoberta pela academia e pelo público, tanto pelo seu ativismo político (Pagu foi militante do Partido Comunista Brasileiro nos anos 30 e, mesmo rompida com o PC, seguiu defendendo o socialismo; perseguida pelo Estado Novo, foi presa mais de 20 vezes) como pelas releituras da importância das figuras femininas no modernismo. Com uma homenageada rebelde, revolucionária e feminista do tamanho de Pagu, a Flip 2023 também se manteve nesse tom, com predominância de mesas compostas por mulheres.

Ainda que a ausência de “grandes nomes” tenha sido bastante criticada por quem pagou ingressos de R$ 130,00 na programação oficial, intervenções como a da escritora Conceição Evaristo, ou mesas que reuniram apenas mulheres em algumas das mesas  -duas delas, a que juntou a crítica literária Denise Carrascosa, a arquiteta Joice Berth e a ex-deputada federal Manuela D’Ávila e a que tinha Carla Akotirene, feminista baiana, e Akwaeke Emezi, escritora não binária nigeriana, terminaram com o público aplaudindo de pé. Também foram  destaque as participações da dramaturga e ensaísta Leda Maria Martins (ela rainha de Nossa Senhora das Mercês, no reinado de Nossa Senhora do Rosário do Jatobá, em Belo Horizonte, uma tradição banto), da documentarista índigena  Glicéria Tupinambá (que fez um ritual de dança) e da poeta Luiza Romão (que empolgou a plateia lendo seus poemas e do poeta cubano Marcial Gala em ritmo de slam).

O grande destaque, no entanto, foi a participação de pop star de Conceição Evaristo. A escritora de 77 anos e que só começou a publicar depois dos 40 anos, depois de uma bem-sucedida carreira como professora universitária, atraiu centenas de fãs que formaram filas para ver a escritora nas mesas das quais participou na programação oficial e na paralela ou em busca de autógrafo em seus livros prediletos. A feminista italiana Silvia Federici, referência nos estudos de gênero e estrela da programação da Flipei, também causou frisson entre as leitoras.

Para o ano que vem, a organização do evento deve puxar a data para setembro, uma vez que o calor excessivo, ao lado do apagão que prejudicou muito os dois primeiros dias de programação, foi considerado um dos vilões de uma Flip que foi apelidada de “Flip do apocalipse”. Para as vendas de livros, que costumavam ser um dos atrativos da festa para os livreiros, o mês de novembro também não é dos melhores, por conta da Black Friday. Ainda assim, a livraria oficial da festa, a Livraria da Travessa, vendeu apenas 15% a menos do que a edição do ano passado. Entre os mais vendidos, a escritora cearense Socorro Acioli emplacou dois títulos, “Oração para desaparecer” (2023) terminou o evento com o primeiro lugar e “A cabeça do santo” (Cia. das Letras) ficou em terceiro lugar. De Pagu, a escritora homenageada,  os leitores procuraram a “Autobiografia precoce” e “Parque Industrial” (Cia. das Letras), de Patrícia Galvão (Pagu), além do estudo do poeta concretista Augusto de Campos, “Pagu: vida e obra”. Também “Macabéa: Flor de Mulungu”, obra de Conceição Evaristo lançada este ano, apareceu na lista dos mais vendidos.

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