A edição da mais prestigiada revista de rock  dos EUA lista os 50 melhores discos de rock da América Latina e a banda de Rita Lee e dos irmãos Baptista brilha com outros nomes e outras surpresas

É, no mínimo, curiosa a lista dos discos brasileiros incluídos nos 50 melhores álbuns de rock latino, elaborada pela revista norte-americana Rolling Stone. O Brasil comparece com nove discos, perdendo apenas para Argentina e México. O brasileiro mais bem colocado é “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges (1972), na quarta posição. Outro brasileiro, “Mutantes”, estréia da banda em disco de 1968, no auge dos festivais, aparece ainda entre os primeiros dez melhores colocados.

Do período, digamos, mais roqueiro da MPB, os anos 1960 e 1970, temos  a Jovem Guarda batendo ponto com “Roberto Carlos Em Ritmo de Aventura” (1967) na 19ª posição, bem como “Fruto Proibido”, de Rita Lee & Tutti Frutti (1975), na 41ª; e o “Krig-ha Bandolo!”, de Raul Seixas (1973), na 43ª. Dos anos 1980, Paralamas emplacaram no seu híbrido “Selvagem?” (1986) no 34º lugar e, dos 2000, Los Hermanos aparecem com “Ventura” (2003) no 29º. E então um salto para discos que dificilmente entrariam em listas de melhores discos de rock, caso elaboradas por uma revista brasileira: “Karnak”, do projeto homônimo de André Abujamra, em 17º e “Os Tribalistas” de Arnaldo Antunes, Marisa Monte e Carlinhos Brown num surpreendente 21º. 

A lista foi elaborada pelo repórter da revista Rolling Stone dos EUA, o jornalista argentino Ernesto Lecnher. Esta versão 2023 amplia uma lista original de apenas 10 discos e oferece uma variedade maior de países e sonoridades da América Latina. 

Nomes clássicos como Santana, Fito Paéz, Café Tacvba, Charly Garcia, Aterciopelados aparecem no ranking, ao lado de representantes de sonoridades menos associadas ao rock, como a do rei do reggaeton Juanes, o do afrobeat colombiano do Diamante Eléctrico ou o trap do El Mató a Un Policía Motorizado.  

Incoerências e deslizes

Na lista brasileira, não é supreendente que “Clube da Esquina”  tenha ficado entre os cinco melhores. A aventura coletiva de Milton e de Lô Borges da década de 1970 e que vai resultar em neste álbum duplo e ousado, andou atraindo atenções no mundo todo, desde que “descoberto” de uns anos para cá por jornalistas estrangeiros com a obra que dialoga tanto com a tradição como com rock mais psicodélico e conceitual dos anos 1960. 

Da mesma maneira, também é previsível que o grupo que ensinou os tropicalistas a tocar instrumentos eletrificados na era dos festivais, “Os Mutantes”, estivesse na lista. Desde que o inglês Beck se aventurou a entender a Tropicália, no final dos anos 1980, os Mutantes tem sido cultuados como um grupo de art rock de vanguarda por artistas gringos do Hemisfério Norte. 

Da mesma maneira, natural ver na lista a ex-mutante Rita com um disco da excelente fase com o Tutti Frutti e a estreia em disco de Raul Seixas. 

A partir dos anos 1980, a lista parece conter algumas injustiças ou obedecer a critérios não tão claros – do ponto de vista do cenário brasileiro, bem entendido. As presenças de Karnak, Os Tribalistas e Los Hermanos sugere que, talvez, o jornalista não conheça tão a fundo esse período na música brasileira ou, no mínimo, escolheu entre um repertório limitado de discos.

Estranha a ausência, por exemplo, de bandas ou estilos mais significativas dos anos 1990, como o mangue bit de Chico Science & Nação Zumbi ou do Mundo Livre S/A. Curioso, por exemplo, que a voz feminina mais claramente roqueira desse período, Cássia Eller, não tenha sido contemplada. E que dois discos de impacto relativamente pequeno, tanto no sentido de público como de continuidade estilística, o do Karnak e do Los Hermanos, tenham entrado numa seleção tão disputada. No entanto, como é uma lista de um autor só, pode-se relevar esses deslizes ou, melhor dizendo, a obscuridade dos critérios. •

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