Em setembro de 1962, Jango assinava o projeto que tramitava desde o governo Getúlio Vargas no Congresso. Medida incomodou os ricos e piorou a relação do Brasil com os EUA. Um ano e meio depois, veio o golpe que o tirou do poder

Memória: em 1962, Jango sancionava a lei da remessa de lucros
DESAFORO – Ao sancionar a lei, Jango colocou seu governo na mira dos EUA

O Congresso decreta e o presidente João Goulart sanciona a Lei 4.131/1962, em 3 de setembro de 1962, que disciplina a aplicação do capital estrangeiro e as remessas de valores para o exterior. O projeto de lei havia sido enviado ao Legislativo ainda no governo Vargas. Depois de abrandado pelo Senado, voltara à votação na Câmara por causa da atuação das bancadas de esquerda e nacionalista.

A Lei da Remessa de Lucros, como ficaria conhecida, além de limitar o envio anual das empresas estrangeiras para o exterior, a título de lucro — no máximo 10% do capital trazido para o Brasil como investimento —, impediria que os reinvestimentos fossem incorporados a essa base de cálculo.

Pauta antiga do trabalhismo e das esquerdas, a limitação da parcela de lucros que as empresas estrangeiras instaladas no Brasil poderiam enviar à matriz tinha um apelo que agradava às esquerdas nacionalistas. A lei estabelecia que, caso uma empresa transferisse lucros acima desse limite, o valor transferido seria considerado retorno de capital — proibido por lei —, permitindo ao governo multá-la. Já os lucros em excesso não remetidos ao exterior no tempo apropriado, por sua vez, seriam considerados capital complementar, o que excluía a possibilidade de remessa futura referente a esse período.

Com a Lei de Remessa de Lucros, que desfavorecia as empresas estrangeiras instaladas no país, e a crescente instabilidade política, o volume de investimentos externos no Brasil despencaria 40% em um ano — de US$ 150 milhões, média anual desde 1956, para menos de US$ 90 milhões em 1963.

A aprovação da lei aconteceu num momento delicado nas relações do presidente João Goulart com os EUA. A visita oficial aos Estados Unidos, em abril, não reduzira a desconfiança de John Kennedy em relação ao governo brasileiro. E essa desconfiança viraria hostilidade a partir de janeiro do ano seguinte, depois que Jango tivesse restituídos os seus poderes presidenciais.

A remessa de lucros era um tema sensível, o país estava em crise e Jango ainda tentaria algumas cartadas para obter ajuda norte-americana. O presidente optaria, então, por adiar a regulamentação da nova lei, o que só viria a acontecer no início de 1964.

A expectativa era que a lei pudesse conter a fuga de capitais e reduzir os efeitos de bloqueio financeiro de Washington, que suspendera todas as negociações com o governo federal e passara a tratar diretamente com os governadores que lhe eram simpáticos. 

O embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, pressionaria intensamente o governo brasileiro para impedir a regulamentação — em vão.

A iniciativa deterioraria ainda mais as relações bilaterais e fortaleceria o alinhamento dos Estados Unidos com as forças que desencadeariam o golpe de 1964.•