A extrema-direita argentina surpreende
Economista radical, que defende a venda de órgãos humanos no mercado, Javier Milei sai na frente nas primárias para a Casa Rosada e assusta por sua agressividade e ideias estapafúrdias, como o negacionismo climático e a extinção do Banco Central
Os argentinos foram às urnas no domingo, 13, em uma eleição primária que é um ensaio para as eleições presidenciais a serem realizadas em 22 de outubro. O vencedor da disputa é um candidato anti-sistema, obcecado por privatizar tudo e que se diz admirador de Donald Trump e Jair Bolsonaro.
“Esta alternativa não só acabará com o kirchnerismo, mas também com a casta política parasitária, tola e inútil deste país”, prometeu Javier Milei. Ele obteve pouco mais de 30% dos votos e se apresenta como “um libertário de direita”.
Milei faz campanha como uma estrela do rock, é histriônico e de gestos teatrais. Vive sozinho com cinco mastins com nomes de famosos economistas liberais e afirma não ter escovado o cabelo desde os 13 anos (ele tem 52 anos). Mas, não se deixem enganar, Milei é um extremista.
Ele promete “dolarizar” a economia e “extinguir” o banco central para evitar que a “casta política” corrupta da Argentina imprima mais pesos. Candidato do Libertad Avanza, ele foi a surpresa e superou todas as previsões nas eleições primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias (Paso) na Argentina. O economista obteve 30,04% dos votos. Ele já anunciou ideias como a permissão geral para a venda de armas e órgãos humanos. “Há 7.500 pessoas sofrendo, esperando por transplantes. Tem alguma coisa que não está funcionando bem. O que proponho é procurar mecanismos de mercado para resolver este problema”, disse. Ele segue outras ideias próximas de Bolsonaro. “No meu governo, não haverá marxismo cultural e não pedirei perdão por ter pênis. Se dependesse de mim, fecharia o Ministério da Mulher”, declarou.
Seu discurso de vitória também foi assustador. “Hoje nos levantamos para dizer basta ao modelo de decadência. Hoje demos o primeiro passo para a reconstrução da Argentina”, disse. “Hoje somos o força com mais votos porque somos a verdadeira oposição, porque uma Argentina diferente é impossível com os mesmos de sempre, com os mesmos que sempre falharam e todos estão no Estado há 40 anos, os de boas maneiras e os de falta de educação”, acrescentou.
Na chapa Juntos por el Cambio, Patrícia Bullrich foi a pré-candidata mais votada (17,01%), superando seu adversário, Horacio Rodríguez Larreta (11,16%). Ela é a candidata do grupo do ex-presidente Maurício Macri, de direita. E no Unión por la Patria, o vencedor foi Sergio Massa (21,22%) que fez a diferença sobre Juan Grabois (5,67%). Massa é o candidato do peronismo, de centro-esquerda.
Desde que a Argentina assinou seu 22º programa de salvação com o FMI em 2022, o país perdeu todas as suas metas de acumulação fiscal, monetária e de reservas. O governo culpa uma queda de US$ 20 bilhões nas exportações por uma seca severa.
Embora reconhecendo o impacto da seca, o FMI argumenta que o governo piorou o quadro e aumentou o tamanho do problema ao impulsionar a economia com generosos subsídios de energia e uma taxa de câmbio oficial supervalorizada que reduziu artificialmente o custo das importações.
Não é à toa que a Argentina está novamente à beira do default, a expressão inglesa que significa calote. O governo espera que o FMI em breve finalmente desembolse US$ 7,5 bilhões. Mas se isso acontecer, o dinheiro não ficará na Argentina. Deve ser usado para pagar empréstimos de curto prazo “in extremis” da China, do Catar e do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF).
Com quase 40% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, a paciência dos argentinos está acabando. Muitos, particularmente entre os jovens, responderam favoravelmente à promessa de Milei de substituir pesos por dólares. Isso não resolve nada, mas gera esperança.
As promessas de Milei assustaram o mercado. No dia seguinte à eleição, os detentores de peso (ainda restam alguns) correram para trocar seus pedaços de papel indignos por dólares. Enquanto isso, o governo desvalorizou o peso em quase 22%, como o FMI havia solicitado.
Se Milei ganhasse em outubro — e ainda é um grande “se” — suas ambições libertárias radicais colidirão com essa triste realidade econômica e social. No entanto, seja qual for o resultado, ele pelo menos conseguiu agitar o debate na Argentina, particularmente sobre as questões de economia e segurança.
Atual ministro das Finanças, Sergio Massa — um peronista pró-mercado que astutamente conseguiu concorrer contra os kirchneristas (ramificação peronista de esquerda que governou o país durante grande parte dos últimos 22 anos) — mostra poucos sinais de aceitar a derrota.
E ele certamente se moverá para fortalecer sua posição sobre segurança entre agora e outubro. Crimes relacionados a drogas e roubos violentos são um problema particular em áreas urbanas pobres que antes eram centros de apoio peronista.
Massa sem dúvida lerá a cartilha peronista e culpará o FMI pela terrível situação econômica. Ele também tentará alarmar seus amigos no governo Biden, retratando Milei como um híbrido aterrorizante do ex-presidente dos EUA Donald Trump e seu homólogo brasileiro Jair Bolsonaro. E, acreditem, Javier Milei é pior do que ambos. •