Diante do aperto em todas as frentes, o ex-presidente se vê em apuros. A imprensa internacional percebeu: Bolsonaro está desaparecendo dos holofotes. Mas precisa pagar pelos seus crimes

O ocaso do capitão

No domingo, 23, a Associated Press distribuiu um despacho sobre o cenário político nacional e o eclipse do líder da extrema-direita: “O ex-presidente brasileiro Bolsonaro desaparece dos holofotes”. E isso é bom sinal. De acordo com a agência de notícias, esse efeito mostra o poder dos tribunais sobre o sistema eleitoral e as deficiências políticas do ex-líder cada vez mais impotente.

“O principal tribunal eleitoral do Brasil decidiu no mês passado que Bolsonaro é inelegível para concorrer a qualquer cargo político até 2030 por abusar de seu poder e lançar dúvidas infundadas sobre o sistema de votação eletrônica do país”, destaca a AP. O texto lembra que Bolsonaro já foi chamado de “Trump dos Trópicos” depois de emergir como um estranho cruzado prometendo agitar o sistema e perseguir uma marca agressiva de política de identidade, incluindo valores conservadores.

Mas ao contrário de Trump, que também lança dúvidas sobre o sistema eleitoral dos EUA e enfrenta problemas, mas continua sendo o favorito para ser indicado pelo Partido Republicano para a Casa Branca, Bolsonaro perdeu poder. “A demonstração clara foi a votação de reforma tributária na câmara baixa do Congresso há algumas semanas. A proposta apoiada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para revisar o sistema tributário notoriamente complicado do Brasil também foi apoiada por legisladores e pelo público em geral.

“Bolsonaro tentou mobilizar a oposição — sua primeira tentativa de fazê-lo — mas a reforma foi aprovada por uma margem maior que 3 para 1. Quase duas dúzias de membros do partido de Bolsonaro desafiaram sua vontade”, aponta a reportagem. O ex-presidente Bolsonaro tem “pouca ou nenhuma influência como um potencial líder da oposição”. Uma charge política no último mês mostra um cientista olhando por microscópio a um Bolsonaro irado e com os punhos apertados. “Fascinante”, diz a legenda. “Ele continua diminuindo”.

A constatação da AP é de que depois que o líder da extrema-direita brasileira perdeu a corrida pela margem mais estreita desde o retorno do Brasil à democracia há mais de três décadas, a presunção de muitos em no PL era de que Bolsonaro lideraria uma oposição feroz contra Lula. Não é o que está acontecendo. “Pouco antes da posse de Lula em 1° de janeiro, Bolsonaro se mudou para a Flórida para uma estadia prolongada. Voltou em março e agora pode até perder o salário mensal que recebe de seu partido – algo como US$ 8.500”, aponta a AP.

Como se não bastasse, a ameaça de prisão também se aproxima em meio a várias investigações criminais sobre as ações do ex-presidente, e a questão de quem poderia liderar um desafio viável ao Partido dos Trabalhadores de Lula em 2026 está sendo abertamente discutida na oposição. “Bolsonaro parece estar a caminho de um fim inevitável de sua carreira”, escreveu o colunista político Merval Pereira, no jornal O Globo.

Alguns zombam da conclusão de que Bolsonaro não tem chance de retornar ao mais alto cargo do país menos de um ano depois de receber 58 milhões de votos contra os 60 milhões de Lula. Mas o cientista político da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Geraldo Tadeu, diz que a ascensão de Bolsonaro ao poder em 2018 poderia ser explicada principalmente por uma confluência de fatores únicos.

O Brasil tinha acabado de sofrer sua pior recessão em quase um século, e a investigação de corrupção da Lava Jato envolveu dezenas de políticos, abrindo espaço para um estranho. Líder das pesquisas em 2018, Lula foi retirado da corrida presidencial por condenações por corrupção e lavagem de dinheiro, numa decisão controversa do então juiz federal Sergio Moro, que largou a magistratura e foi trabalhar no governo Bolsonaro como ministro da Justiça. Lula foi preso, mas suas condenações foram posteriormente anuladas. “As circunstâncias deixaram um vácuo que Bolsonaro preencheu”, disse Tadeu. “A falta de habilidades de liderança e negociação de Bolsonaro e sua incapacidade de manter o apoio político minam suas chances”.

Desde que retornou dos EUA para o Brasil, Bolsonaro foi levado a prestar depoimento à Polícia Federal em várias ocasiões. Eventuais condenações criminais podem estender a proibição de concorrer a um cargo e submetê-lo ainda à prisão. O ex-presidente nega qualquer irregularidade. Mas as evidências são fortes. A situação dele não é confortável e as movimentações de seus aliados também não o ajudam neste momento. •