Professor de direito na Unifesp e autor de livros na intersecção dos estudos de gênero, direitos humanos e democracia, avalia o cenário dos Direitos Humanos no Brasil. “É importante que as pessoas tenham liberdade sexual e de gênero, mas é essencial também que se lute pelas dimensões de justiça social, de igualdade e de várias outras transformações na realidade”, diz

Bia Abramo e Guto Alves

Nos últimos quatro anos a população LGBTQIA+ do Brasil viveu na corda bamba, correndo graves riscos com o extermínio de políticas públicas, corte de verbas e a prática do discurso que elimina essas pessoas do debate político e social. Num país em que o discurso fundamentalista das igrejas se alinha à extrema-direita, é preciso abrir alas para o otimismo com o retorno de políticas públicas e um respiro de alívio: o embate agora é de reconstrução e novas iniciativas, não só luta pela sobrevivência.
Renan Quinalha é um otimista cauteloso com o quadriênio que começou em 1º de janeiro de 2023: “O movimento LGBT está muito mais forte, muito mais preparado do que estava no começo dos anos 2000, quando houve outro ciclo dos governos do PT no Brasil”. O advogado e ativista dos direitos humanos conversou com a revista Focus Brasil na semana em que a Parada do Orgulho de São Paulo, além de reunir pelo menos 3 milhões pessoas (a maior do mundo), teve a presença do ministro Silvio Almeida no carro de som que abria o desfile em plena avenida Paulista, e arrematou:. “É inegociável que vocês tenham o direito de existir dignamente e amar como e quem vocês quiserem!”.

Aos 37 anos, Renan Quinalha já reúne um currículo acadêmico e de ativismo político notável. Professor de Direito da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), é também autor de livros na intersecção dos estudos de gênero, direitos humanos e democracia.

É o caso da obra “Contra a moral e os bons costumes: a ditadura e a repressão contra a comunidade LGBT” (Companhia das Letras, 2021). Ele ainda é co-organizador de livros como “História do Movimento LGBT no Brasil” (Alameda, 2018) e o recém-lançado “Novas fronteiras das histórias LBGTI+ no Brasil” (Elefante), coletânea de artigos acadêmicos que mapeiam pesquisas recentes e originais sobre o tema.

Renan também teve experiência como assessor jurídico da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo e consultor da Comissão Nacional da Verdade, o que certamente aguçou seu olhar para os perigos do retrocesso vivido nos anos Bolsonaro. “A gente tem uma dificuldade muito grande de um cenário de terra arrasada mesmo, porque os direitos humanos foram sempre o foco de articulação do bolsonarismo e nunca foram cortina de fumaça”, adverte. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Focus Brasil — Em uma entrevista em dezembro de 2018, no dia em que se comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, você disse: “[O que o bolsonarismo poderia trazer de pior] aos direitos humanos já está feito, que é contaminar o debate público, impedir que essas pautas avancem e que a gente consiga racionalizar esse debate. Qual é o legado do bolsonarismo em relação aos direitos humanos em geral e os direitos LGBTQIA+?
Renan Quinalha — Eu acho que a tragédia anunciada se concretiza. De um lado, a gente teve um desmonte das estruturas de operação dos direitos humanos. A gente teve um ministério que foi completamente desfigurado: o dos Direitos Humanos foi transformado no Ministério da Família, das Mulheres e os direitos humanos viraram a questão mais acessória. Também houve um desinvestimento muito grande nessa linha de liberalismo econômico, a partir do discurso do ajuste fiscal como tentativa de cortar gastos públicos. Os conselhos de participação social, todos os módulos de gestão democrática das políticas públicas de saúde, de monitoramento que a gente tinha foram extintos. Então, de um lado a gente teve isso, que é o aspecto mais estrutural e administrativo. De outro, tem um aspecto ideológico dessa tragédia, que foi efetivamente uma estigmatização ainda maior do discurso dos direitos humanos e uma depreciação no debate público. Eram ataques constantes a essa ideia dos direitos humanos como direitos de bandidos ou como direitos de minorias que queriam privilégios em vez de uma compreensão de direitos humanos mais universal, ampla e igualitária, sempre veiculando esse tipo de compreensão reducionista. O que eu acho que se conseguiu fazer nesses quatro anos, dado que se ocupou a máquina do Estado e governo federal sobretudo, mas também vários outros governos locais, câmaras municipais, assembleias legislativas, foi fazer esse discurso bolsonarista avançar e capilarizar no Brasil inteiro. Isso coloca uma tarefa muito grande de reconstrução nesse momento. Não tem mais como retomar de onde se parou, porque não tem mais esse ponto de retorno até onde as coisas tinham ido. A gente tem tudo por fazer novamente para a sociedade, que é mostrar a importância dos direitos humanos numa compreensão mais ampla. A gente está falando de direitos sociais também, de direitos trabalhistas, previdenciários, de assistência social, de educação, de saúde. Todas essas áreas foram muito atacadas durante o bolsonarismo e numa chave muito perversa. E o legado do bolsonarismo no campo dos direitos humanos, por exemplo, no que se refere à ditadura, foi terrível. Porque se mantiveram funcionando a Comissão de Anistia ou mesmo a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, mas em vez de promover políticas de reparação às violências do Estado, as comissões começaram a perpetuar e veicular uma visão de apologia à ditadura, de desqualificação dos militantes que se opuseram ao regime autoritário de 1964 e assim por diante. Acho que a gente tem um legado bastante perverso aí desse período de quatro anos de destruição e de inversão de sinais de políticas que já eram frágeis. Elas já eram bastante, digamos, precárias do ponto de vista da sua instituição, do seu financiamento, do enraizamento mesmo no Estado; eram muito mais políticas de governo. O bolsonarismo vem para impedir que elas se transformassem em política de Estado. Agora, a gente tem que retomar novamente uma reconstrução, o diálogo com a sociedade que foi cortado nesse período do para reestruturar o campo dessas políticas de maneira ampla nos direitos humanos e especificar nos direitos LGBTQIAPN+.

— Quais são as perspectivas para os próximos quatro anos? O que seria prioridade?
— A gente tem uma dificuldade muito grande por que viemos de um cenário de terra arrasada mesmo. Os direitos humanos foram sempre o foco de articulação do bolsonarismo, nunca foram cortina de fumaça. Essas questões de direitos humanos, especificamente de diversidade racial, de gênero, sexualidade, como muitas vezes se pensou, até no campo mais progressista, que seria uma cortina de fumaça, a gente viu como isso era estrutural ao lado do autoritarismo político e do liberalismo econômico, a agenda conservadora, mesmo moral, era um eixo muito forte de estruturação do bolsonarismo, que segue para além do governo Bolsonaro nesse campo mais conservador, articulado na extrema direita hoje brasileira. Mas me parece que a política também opera muito por contraste. A gente tinha uma situação que era muito terrível no campo dos direitos humanos: ataques diários, mais de um por dia, de notícias, de desmonte de política, de ataque a ativistas, de declarações públicas, de autoridades contra os direitos humanos, ou de posicionamentos do Brasil, da política internacional, contrário também. Ou seja, a gente tinha um cenário que era, de fato, de ameaças e retrocessos. Mas o simples fato de ter um ministro com uma postura do Silvio Almeida, comparando com o que era, já é um salto de qualidade tremendo, que dá uma esperança enorme em ver como é possível ter alguém ocupando uma pasta dessa, se posicionando no sentido correto, dando declarações públicas, dialogando com os movimentos sociais, enfim, assumindo determinadas brigas importantes de serem compradas e tentando implementar políticas. Acho que isso tudo já mostra um salto qualitativo gigantesco que a gente tinha até esquecido como era depois desses quatro anos de tanto desmonte.

— Só a presença do ministro na Parada de São Paulo e nos eventos em torno da já foi um grande contraste…
— Exato. Parece muito pouco, mas não é. A simbologia disso é muito grande, porque é o governo (de Lula) dizendo que não se alinha com uma tradição se filia à ditadura e ao seu legado, mas, ao contrário, ao acerto de contas com a ditadura e o seu legado. A mesma coisa em relação à pasta LGBT: se cria pela primeira vez uma secretaria nacional com esse status, nomeando uma travesti ativista, a presidenta da ABGLT, Simmy Laratt, um dos quadros mais preparados e qualificados do movimento LGBT no Brasil. Já chegando em maio, que é começo de governo ainda nos primeiros cinco meses, que é o mês de combate à LGBTfobia, trazendo diversas entregas, sinalizando várias ideias e propostas que vão ser importantes nesse próximo período. A gente tem uma mudança muito significativa. Sabemos que o orçamento é muito apertado, isso em todas as pastas e considerando o momento fiscal muito difícil da economia brasileira como um todo. Então é evidente que ainda não é possível implementar uma quantidade enorme de políticas ao mesmo tempo, mas só de restaurar o Conselho Nacional de Participação LGBT, por exemplo, é um avanço. A gente vai vendo que tem de fato, agora, gente preparada que está pensando nessas populações, e entendendo que o Estado tem uma obrigação, um dever de cuidado, de reparação, de garantia, de promoção de direitos para essas populações. Isso já é muito visível nesses primeiros meses. Agora, como eu disse, há muito por fazer, sem dúvida. Acho que vão ser quatro anos difíceis. Não acho que esse governo vá conseguir, facilmente, implementar a agenda que queremos que ele implemente.

— Por quê?
— Há um ciclo conservador ainda bastante forte. Tem parcela significativa da sociedade que está no campo conservador. Ganhamos a eleição, mas foi apertado. Muitas dessas lideranças ainda estão no centrão e aliados de última hora que surfaram na onda do orçamento secreto… Ou seja, o campo conservador tem várias outras possibilidades que o bolsonarismo garantiu e assegurou. Acho que a gente vai aos poucos restaurando uma ideia de normalidade institucional, de trilho para conseguir abrir novos caminhos. O movimento LGBT está muito mais forte, muito mais preparado do que estava no começo dos anos 2000, quando houve outro ciclo dos governos do PT no Brasil. Vão ser quatro anos, de um lado, muito difíceis pela situação econômica e política do país, mas por outro lado, também tem essa capacidade de articulação do movimento, que já conquistou uma série de reconhecimentos, de avanços importantes de espaço do Estado. E acho que tudo isso vai ajudar também a fazer avançar essas pautas específicas da população LGBT.

— Essa onda conservadora criou uma série de monstros, da caricata “mamadeira de piroca” à ideia de que existe uma ideologia de gênero a ser combatida. Como tirar esse monte de minhoca da cabeça dos brasileiros?
— É um pouco assustador, chocante, ver como esses discursos colaram e como esse setor conservador tem força no Brasil. Parecia que a gente estava ali, num vetor de progresso, de maior liberalização dos costumes, da moral em si, maior tolerância à diversidade. Enfim, a gente teria várias palavras para descrever esse processo que parecia um tanto linear e progressivo. E aí a gente teve um choque com essa ruptura e com esse retorno a um conservadorismo muito duro, que é passadista mesmo, de defesa da tradição, de defesa dos lugares de gênero, do que é mulher, do que é homem, da família tradicional, patriarcal, heteronormativa, ou seja, todos valores que não são nada novos. Isso é basicamente restaurar o mundo de 200 anos atrás, antes de conquistas civilizacionais importantes que foram obtidas com os movimentos negro, com o movimento feminista, o movimento LGBT etc. Isso, de um lado, choca, porque a gente vê o tamanho do conservadorismo, mas, de outro, acho que também esse pessoal traz uma reação: é vetor de uma reação às conquistas e às mudanças que aconteceram. Prefiro ler essas manifestações não simplesmente como conservadora só, mas como uma reação conservadora. Do ponto de vista ideológico, nós temos aí uma batalha que está no centro da disputa, dentro da política, na sociedade, então a gente vai ter que falar sobre isso. E isso é algo que divide, que polariza e nós temos que apostar, investir e fortalecer essa polarização. Não acho que tem como sair no caminho de uma terceira via. Nesse campo, não tem o que ceder numa lógica de governabilidade, que é algo que já aconteceu em outros momentos. Temos que avançar. E isso já está acontecendo: a gente vê ali desde o início.
Todo mundo falando de “ideologia de gênero” e se coloca uma mulher travesti à frente da secretaria que cuida dessas pessoas e dessa pauta. A disputa está posta na sociedade. Agora, não vai ser fácil ganhar também. Na medida em que a gente se organiza e faz avançar direitos, isso também vai agregando e organizando outro campo, o que provoca uma contra-organização, uma contra-ofensiva desse outro campo. Isso vai polarizando mais, vai tensionando. O que nós temos hoje não é nada novo, é simplesmente uma polarização mais aguçada do que já está instalado na sociedade brasileira. Por ser uma sociedade muito violenta, muito desigual, muito atrasada em vários sentidos, ela sempre foi uma sociedade também muito conservadora, com pouca democratização da informação, do acesso à escola, à educação etc. Como a gente vai fazer? A gente vai ter que fazer isso por uma disputa política. É esse o horizonte que está posto: o do diálogo, que tem de ser negociado, ou de tentar ganhar e fazer passar. Não dá para ficar numa bolha falando com siglas incompreensíveis, com linguagem incompreensível. Nós precisamos aproximar, nós precisamos colar mais perto de setores que a gente sabe que é possível trazer no nosso lado. E tem um outro setor que é de enfrentamento: bater de frente mesmo, porque não tem diálogo possível e conciliação quando a gente está falando de uma pauta que diz respeito à dignidade das pessoas, os modos de ser, de existir, de desejar a coisas que são muito elementares e que não estão postas como uma negociação possível, é algo que tem simplesmente que defender.

— Sobre essa questão da disputa política, é inegável o salto em relação a 2018 nas eleições. Em 2022, foram 18 candidaturas LGBTQIA+ contra dez em 2018. E algumas muito bem votadas, com algumas marcas importantes: a primeira deputada federal trans, a Érika Hilton, a Duda Salabert… Ano passado saiu uma pesquisa do psiquiatra João Carlos Pizzi, da USP-Unesp, que aponta que 12% de adultos brasileiros se declaram não-hétero, mas de expressões de gênero e sexualidade diversos. Como organizar politicamente essas todas essas pessoas?
— À medida que a sociedade vai mudando a mentalidade das pessoas, se abre uma margem para as pessoas se entenderem, se identificarem com perspectivas e identidades que não sejam mais aquelas normatizadas, impostas, de que tal pessoa é um pacote fechado: heterossexual, cisgênero etc. Essas novas possibilidades de expressão vêm jogando um papel importante, como gerações mais novas têm feito com pouca ânsia de pacificação ou entendendo que não são hétero, mas se dizem pansexuais, ou não-binários, ou que não se encaixam nem no masculino e feminino. Ou seja, se amplia uma gama de possibilidades de identidades que eram inimagináveis há pouco tempo. Isso reflete uma cultura mudada, mais ampla também. Agora, não significa que, por essas pessoas estarem nesse lugar de um certo desajuste com a norma de dissidência em relação ao código heteronormativo, ou cisnormativo, que essas pessoas avançaram na direção de uma consciência política, ou uma postura política, de contestação, de transformação da realidade, de engajamento em processos políticos mais efetivos de mudança. Há um desafio muito grande, que é o de politizar essas questões num sentido correto, no sentido mais emancipatório. Porque não basta a gente ter um mundo de pessoas LGBT mais felizes, isso não interessa por si só. É importante que as pessoas tenham liberdade sexual e de gênero, mas é essencial também que se lute pelas dimensões de justiça social, de igualdade e de várias outras transformações na realidade, que é preciso a gente alcançar ainda. Ou seja, temos o desafio de politizar mais essa questão, porque muito desse processo identitário que tem acontecido, acontece numa época também de um certo triunfo do neoliberalismo, ou aquilo de um liberalismo progressista, que é essa ideia do capitalismo do arco-íris, cor-de-rosa, que pode ser uma coisa ultra-individualista. Você vira um empreendedor de você mesmo, que você se agencia, que você se expressa e você pode ser o que você quiser, mas isso fragmenta muito, isso não conecta isso no bom de luta política que é a dimensão coletiva. Temos o desafio de criar uma comunidade, como sempre se tentou fazer historicamente, criar uma comunidade com código compartilhado, com valores, com repertório de ação, com movimento institucional, movimento organizado para expressar com palavras de ordem, com repertório, com bandeiras, enfim, tudo isso que historicamente foi se constituindo, o que não é natural. Isso é uma criação política, cultural, histórica que demanda esforço, investimento de energia, de desejo, de tesão. Entre os desafios, o maior é esse de romper com o um processo de identificação muito individualista, neoliberal ainda.

— Uma coisa que nenhum partido político, nem mesmo no campo progressista, avançou muito foi na identificação das opressões: a luta antirracista é uma, a luta pelos direitos LGBT é outra, a luta feminista, outra. Classicamente, essas lutas não conversam muito ainda. Fico pensando se não temos aí uma tarefa enorme nesse sentido…
— Eu acho. E essa questão não é uma questão assim tão nova pra gente; ou seja, ela vai com a gente. O movimento LGBT, em vários momentos, desde o surgimento do movimento no fim da década de 70, nesse contexto da redemocratização, a gente viu emergir uma série de diálogos e de tensionamentos com a esquerda mais tradicional, a esquerda mais partidária e a esquerda mais ampla. De um lado, uma ala do movimento LGBT dizendo não, a gente vai se manter autônomo na nossa luta, porque nem direita nem esquerda estão com a gente. Ou, aquela história que Sueli Carneiro já disse em relação à questão da raça: “entre esquerda e direita, eu sou negra”; analogamente, no movimento gay tinha esse pensamento. Outra ala do movimento dizia: “não, nós temos que criar pontes, nós temos de ter aliados, a gente é minoria na sociedade precisa de aliados para provocar as transformações, por isso precisamos nos conectar com o setor progressista, porque já sabemos os com os conservadores não dá, eles acham que a gente não pode existir”. Entre os progressistas, tem moralismo ainda, que vem do ranço do stalinismo mesmo, de perspectivas mais atrasadas da esquerda etc., mas tem, pelo menos, mais margem de diálogo. Essa galera defende liberdade de modo mais consequente, tem mais compromisso com igualdade, ou seja, vão nos apoiar em algum grau, ainda que publicamente tenha certos preconceitos íntimos. Essa aliança aconteceu em vários momentos, mas sempre também de modo um tanto conflitivo, mas o fato é que historicamente sempre foi esse campo das esquerdas que acolheu a agenda LGBT, a agenda da diversidade sexual e de gênero, tanto numa perspectiva institucional, quando viraram governos de diferentes níveis federativos, como numa perspectiva de diálogo com movimentos social mesmo, de os partidos terem setorial LGBT… E são os partidos da esquerda brasileira que têm isso desde a sua origem, como o PT. , que é o mais conhecido, mais antigo da esquerda brasileira, mas já tem diálogo com o movimento desde a década de 80. Os partidos de direita vão criar nos anos 2010 em diante setoriais LGBT, muito mais figurativos, decorativos do que efetivamente de compromisso, porque não é uma pauta vista como relevante. E na esquerda teve um processo de mudança de mentalidade, num setor grande das esquerdas, e falo no plural porque é no plural, é um setor grande que se educou, foi educado pelo próprio movimento, pelo movimento negro, pelo movimento feminista, pelo movimento LGBT, pra entender que essas pautas não cabem simplesmente no rótulo do identitarismo, não são questões particulares que fragmentam a luta mais ampla, não são lutas acessórias, como lutas secundárias que viriam depois da luta de classes. Hoje se sabe que tudo isso está no bojo da luta de classes; a classe é composta do ponto de vista do gênero, da raça, da sexualidade, ou seja, tudo isso faz parte da vida da classe trabalhadora. Isso vai ensejar uma política emancipatória articulada também nessa dimensão de uma política da subjetividade. Um setor muito grande, aprendeu, o outro ainda não aprendeu e aí também tem muito embate, dificuldade de conexão. Eu tenho uma leitura um tanto otimista; acho que se avançou de modo muito significativo. E sinal disso é a gente constatar o que é um governo de posicionamento mais progressista, um governo de esquerda, como o governo Lula, que cria uma pasta específica para a política pública, não só reconhece o estatuto de importância da política pública, das pessoas LGBT+, mas cria uma pasta, bota uma travesti para ser secretária, bota um compromisso público, faz declarações etc. Até para subir a rampa do Planalto: o que cria uma imagem de que isso faz parte da ideia de nação, de Brasil, reivindica isso como essa pluralidade, essa diversidade, como algo que nos comporta, que nos forma, nos constitui. De outro lado, o que a gente tinha antes, que era algo a rejeição total da pauta. A pauta não existia ou só existia no sentido inverso, era pra tocar o terror, era pra ser LGBTfóbico etc. Acho que isso mostra como a esquerda, apesar dos pesares, apesar de todos os limites, foi aprendendo, ainda que haja tem muita gente para ser educada nesse campo. •

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