Situação de terra arrasada
Bolsonaro não apenas desmontou as políticas sociais criadas por Lula e Dilma. Destruiu o orçamento e permitiu-se usar recursos para disputar reeleição, incorrendo em crime eleitoral e improbidade administrativa. Agora, falta dinheiro na saúde, educação e outras áreas. Lula diz que, apesar disso, o país voltará a crescer
Desde que a transição de governo começou, as equipes que estão no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, a 3 km do Palácio do Planalto, são surpreendidas pelo estado de putrefação da máquina pública. Em cada área, há um esqueleto de um programa a assombrar o novo governo. O risco é de um shutdown, o apagão dos serviços públicos.
Não há recursos para a moradia popular, por exemplo, para o ano que vem. Nem dinheiro para o Ligue 180 em 2023, que recebe denúncias de crimes contra as mulheres. Falta dinheiro para programas como o Farmácia Popular. Como se não bastasse isso, o governo Bolsonaro bloqueou R$ 244 milhões em verbas das universidades federais a um mês de acabar a administração. Não há dinheiro para pagar a conta de luz.
Apesar de tudo isso, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva está otimista e reafirmou o compromisso de fazer o país voltar a crescer. “Nós temos o compromisso de gerar empregos, de trabalhar para reduzir a inflação, de aumentar a produção de alimentos, principalmente dos alimentos básicos”, disse na sexta-feira, 2. “Vamos consertar este país. Eu vim com essa missão, e nós vamos cumprir essa missão”, afirmou.
“Com muito jeito, vamos mudar o país, aprovar a PEC, começar a governar do jeito que estamos acostumados”, declarou. Ele diz que está recebendo as informações e, a partir delas, começar a fazer o governo. Ele diz que vai desmontar todas as bombas armadas pelo atual governo. “Não vamos deixar explodir”, adiantou.
O quadro de descalabro encontrado pela transição é confirmado por algumas instituições, que já vinham alertando para a política irresponsável conduzida pelo presidente Jair Bolsonaro. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) denunciou que o corte nas universidades e instituições federais faz parte de um bloqueio total de R$ 1,6 bilhão no Ministério da Educação.
“Como é de conhecimento público, em vista dos sucessivos cortes ocorridos nos últimos tempos, todo o sistema de universidades federais já vinha passando por imensas dificuldades para honrar os compromissos com as suas despesas mais básicas”, destaca a entidade, em nota à imprensa.
O quadro de destruição deixado por Bolsonaro em função dos profundos cortes em diversos programas essenciais exige que a PEC do Bolsa Família seja aprovada com urgência. O apelo é do economista e assessor parlamentar Bruno Moretti. Ele dá detalhes da “herança maldita” de Bolsonaro e explica como a PEC irá abrir espaço no orçamento para a reconstrução das políticas aniquiladas pelo governo atual.
“A PEC parte do pressuposto de que a herança do governo Bolsonaro é um cenário de terra arrasada”, aponta o economista. “Vou dar alguns exemplos: temos R$ 25 mil – não são milhões – para obras de prevenção de desastres naturais, R$ 425 mil para compra de transporte escolar, R$ 2,5 milhões para construção de creches, R$ 34 milhões para garantir a habitação popular, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), conta com R$ 48 milhões, isso praticamente paralisa os serviços nos Centros de Referência”, explica.
“É uma situação gravíssima”, adverte. “A PEC propõe uma recomposição desses orçamentos em áreas como saúde, educação, habitação, investimentos públicos e defesa civil”. Ele argumenta que a aprovação da PEC não implicará em desequilíbrio fiscal e que os R$ 175 bilhões que irão custear o Bolsa Família terão impacto “neutro” sobre as despesas, proporcionalmente, ao PIB, mantendo-se em torno de 19%.
“Além disso, temos um cenário para 2023 em que as receitas estão subestimadas”, justificou. “Há indícios de que a arrecadação no ano que vem será muito melhor do que o que foi previsto para o orçamento”. Portanto, argumenta o economista, “a proposta, do ponto de vista fiscal, é equilibrada, porque implica em uma despesa neutra como proporção do PIB e o impacto fiscal seria mitigado pela melhoria da arrecadação”.
A presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), que está na coordenação política do grupo de transição, denuncia que o desmonte promovido por Bolsonaro é uma tragédia sem precedentes na história.
“O trabalho do governo de transição vem provando o que denunciamos ao longo desses anos, a ruína do Estado”, relata. “Não é só um corte de verbas atrás do outro, o caixa do governo está zerado e Bolsonaro desestruturou as políticas públicas profundamente. Vamos ter que reconstruir tudo”.
Gleisi se mostra estarrecida, porque neste ano o governo promoveu a maior gastança no processo histórico recente da nossa democracia. “Houve muito gasto, muito dinheiro executado. E muito mal gasto, muito mal executado”, revela. “Essa gente foi muito irresponsável. O que fizeram com o Estado brasileiro é criminoso.”
Um exemplo é o orçamento praticamente zerado pelo governo federal, para ações de prevenção e combate a desastres naturais. Para 2023, Bolsonaro reduziu 95% de recursos para obras em encostas. A verba proposta Ministério do Desenvolvimento Regional para o próximo ano é de apenas R$ 2,7 milhões, a menor para esse tipo de obra desde a criação da rubrica, em 2012.
Naquele ano, o governo Dilma destinou R$ 997 milhões, corrigidos para junho de 2022 pelo IPCA, considerada a inflação oficial, para as obras de prevenção e combate aos desastres provocados pelas chuvas. Neste ano, Bolsonaro deixou R$ 53,9 milhões no orçamento, o que representa um corte de 94,9%.
A falta de dinheiro é praticamente generalizada. Na última semana, os integrantes do grupo técnico da Previdência Social na transição encontraram 5 milhões de processos que estão há mais de 45 dias aguardando análise do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). A situação é caótica.
Enquanto isso, os bloqueios orçamentários promovidos pelo ministro Paulo Guedes este ano, já totalizam R$ 15,3 bilhões. O último, de R$ 5,7 bilhões, anunciado há duas semanas, atinge principalmente os ministérios do Desenvolvimento Regional (R$ 3,943 bilhões), Saúde (R$ 3,780 bilhões) e Educação (R$ 2,368 bilhões). É um absurdo. •