Em 2022, editoras e jornalistas investiram em grandes apurações que esmiuçam as tragédias e os retrocessos vividos pelo Brasil nos trágicos anos Bolsonaro. Eis a nossa seleção das obras

<strong>O ano do livro-reportagem</strong>

Um ano tão denso como 2022 acabou sendo também um ano em que várias editoras investiram em livros-reportagem. Títulos que abordam os negócios da família Bolsonaro e a permanência dos militares na política brasileira desde o final da ditadura até a aliança com Jair têm em comum a necessidade urgente de registrar a história desses anos em o Brasil foi sofreu retrocessos sociais e políticos importantes, a ponto de ver a democracia em risco.

É como se todos esses autores, jornalistas de diferentes veículos e que puderam se dedicar a reportagens extensas e com muitas fontes, precisassem publicar ainda este ano, uma vez que, se houvesse um Bolsonaro 2, em 2023 estaríamos entrando num novo período de trevas. Focus selecionou alguns livros que se destacaram neste ano. Eis a nossa lista.

  • PODER CAMUFLADO – Os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro. Fabio Victor (Companhia das Letras)
<strong>O ano do livro-reportagem</strong>

O jornalista Fabio Victor dedicou horas de pesquisas e dezenas entrevistas com militares para reconstituir um painel de como os militares, que deveriam ter se apeado do poder depois do fim da ditadura, se mantiveram atuantes politicamente por todos os governos eleitos democraticamente desde 1989 até a montagem do governo de Jair Bolsonaro.

Entre as revelações da extensa reportagem de Fabio Victor, está o fato de que Bolsonaro convidou insistentemente a viúva de Carlos Alberto Brilhante Ustra. Joseíta recusou várias vezes, mas até ficou curiosa: “Marcaram então um almoço no Palácio do Planalto. Joseíta não foi lá para voltar atrás e aceitar o convite, mas para pedir desculpas pessoalmente a Bolsonaro pela desfeita. (…) Embora Joseíta se mantivesse irredutível, seguia com uma pulga atrás da orelha. ‘Tenho dúvida se ele ficou pensando que não aceitei trabalhar com ele porque me chamam ‘a viúva do torturador.’” Bem pesquisado e escrito, o livro de Fabio demonstra como a presença dos militares na política e nas instâncias decisórias de poder é uma questão urgente, sobretudo depois do tsunami de milicos em cargos de poder com Bolsonaro.

  • O NEGÓCIO DE JAIR. A história proibida do clã Bolsonaro. Juliana Dal Piva (Zahar).
<strong>O ano do livro-reportagem</strong>
Lançado ainda antes do primeiro turno, o livro da repórter do UOL Juliana Dal Piva é fruto de uma rigorosa investigação que ela conduz há pelo menos três anos sobre o esquema das rachadinhas, nos gabinetes de Jair e dos filhos, da compra de 51 imóveis em dinheiro vivo e dos grandes esquemas de corrupção organizados pelo clã Bolsonaro desde os anos 1990. A apuração envolveu, além dos filhos e Michelle, duas das ex-mulheres, amigos, familiares, advogados e milicianos. Livro importante para entender de forma definitiva que a família que esteve no poder até outubro deste ano, apesar de se eleger com discurso anticorrupção, armou um esquema. O “Negócio de Jair” fez seu patrimônio entrar na casa dos milhões de reais. Por isso, chegou com sua candidatura autoritária, antidemocrática e corrupta, embalado em um projeto de poder fascista, que felizmente, durou apenas um mandato.
  • O OVO DA SERPENTE. Nova direita e bolsonarismo: seus bastidores, personagens e a chegada ao poder. Consuelo Dieguez (Companhia das Letras)
<strong>O ano do livro-reportagem</strong>
Depois de um livro sobre os personagens da economia brasileira até 2014, Consuelo Dieguez se debruçou sobre a construção da nova direita. Os ativistas que vêm botando sua cara no sol desde as manifestações de 2013 e que chegou ao poder em 2018. Dieguez, jornalista da Piauí, conduziu dezenas de entrevistas com políticos, empresários, militares, religiosos e produtores agrícolas . Tudo para traçar um panorama do conservadorismo político e econômico que assolou o Brasil nos últimos anos. Excelente perfiladora, a jornalista também traz perfis esclarecedores dos seus principais personagens, além de reconstituir com minúcia as alianças e conchavos que permitiram ao deputado do baixo clero e militar com carreira curta e nada brilhante Jair Bolsonaro ser alçado como candidato em 2018. O mais interessante de “O ovo da serpente” é ter, num só volume, um painel dos diferentes grupos ideológicos que formam a neodireita do Brasil. Mesmo derrotada nas eleições de 2022, essa turma seguirá como força política a ser observada de perto.
 
  • CLOROQUINATION.Como o Brasil se tornou o país da cloroquina e de outras falsas curas para a covid-19. Chloé Pinheiro e Fábio Emery (Kotter)
<strong>O ano do livro-reportagem</strong>

O livro da dupla formada pela jornalista Chloé Pinheiro e o farmacêutico Fábio Emery aborda aquela que foi uma das várias tragédias na condução da gestão Bolsonaro diante do coronavírus. Todos vimos o desprezo, os pronunciamentos oficiais que minimizavam a pandemia. E acompanhamos, com angústia a omissão, a irresponsabilidade e o atraso criminoso na compra de vacinas. No centro disso tudo, Jair Bolsonaro, precisando acabar a pandemia quase que por decreto, também se aferrou ao chamado “tratamento precoce”, do qual a cloroquina seria o remédio milagroso. Com a ajuda de médicos igualmente irresponsáveis, um recomendou-se ao povo um coquetel de remédios cuja eficácia contra a Covid-19 era nenhuma. E isso levou Bolsonaro a tornar-se uma espécie de garoto-propaganda da cloroquina. Chloé, repórter especializada em saúde, remonta essa história tenebrosa, que levou milhares de pessoas à morte. Emery contribui como especialista em fármacos, fornecendo a base científica para a denúncia da várias farsas e fake news que constituíram essa página infeliz da nossa história.  •