Professor da Unicamp e integrante do grupo de economia da equipe de transição, Guilherme Mello diz que a situação do governo é trágica. Ele diz que faltam recursos para programas básicos nas áreas de saúde, educação e assistência social, e que a PEC do Bolsa Família é fundamental para reorganizar o Estado. “Houve o desmonte de programas sociais e os recursos foram cortados severamente pelo governo Bolsonaro”, denuncia

Guilherme Mello: “Lula tem capacidade para transformar a situação do Brasil”
TRANSIÇÃO: Economista explica o trabalho realizado pelo Gabinete de Transição até o momento

O gabinete de transição, coordenado por Geraldo Alckmin, Aloizio Mercadante e Gleisi Hoffmann, tem se deparado com situações preocupantes em todas as áreas do governo. Falta verba no orçamento público para praticamente todos os programas sociais, serviços públicos e instituições governamentais. Por isso, o economista Guilherme Mello argumenta que o estouro do Teto de Gastos não é uma escolha do governo eleito e muito menos uma expansão fiscal. O que acontece é que o governo Bolsonaro fez do Orçamento de 2023 uma verdadeira “peça de ficção”. A lei do orçamento não é capaz de custear o Estado brasileiro.

Integrante do grupo de trabalho da Economia, Guilherme considera que as preocupações que têm gerado solavancos no mercado sejam movimentos de especulação que não levam em consideração as declarações de Paulo Guedes. O ministro da Economia já tinha apontado que seria necessário furar o teto de gastos em 2023. Algo que ele mesmo fez em todos os anos em que esteve à frente do Ministério da Economia. Mas não é só isso. “Esse ente abstrato que chamamos de mercado” também desconsidera o que foram os governos Lula e os de Alckmin “do ponto de vista da responsabilidade fiscal”.

Nesta entrevista à Focus Brasil, Guilherme aborda ainda o momento delicado que o mundo deve atravessar no início de 2023 e da “capacidade e experiência” que Lula e pode fazer com que o Brasil aproveite oportunidades importantes e saia da atual crise.

Focus Brasil — Como tem sido o trabalho na transição? A gente realmente vai ter uma herança maldita?

Guilherme Mello — Os grupos de trabalho de transição, são mais de 30, têm funções bem definidas pela coordenação. Tanto a coordenação técnica que é do Aloizio Mercadante, quanto a coordenação-geral do vice-presidente Geraldo Alckmin. O primeiro passo é fazer um diagnóstico de cada área, os potenciais desafios imediatos que elas apresentam, os problemas que podem vir a apresentar nos primeiros meses de governo, e também entender, evidentemente, o modo de funcionamento, organização, e a própria institucionalidade de cada área. Houve muitas mudanças na organização dos ministérios e da máquina pública nos últimos anos. Em muitos casos, isso pode ter gerado problemas, tirado protagonismo de áreas e setores que nós entendemos como importantes. Então, dadas as tarefas iniciais, estamos trabalhando, fazendo reuniões, recebido sugestões, muitos pedidos de reunião. Temos feito alguns pedidos de informação para o governo que vão nos ajudar a montar os relatórios que nos cabem. É um período muito curto. E temos que montar o diagnóstico mais profundo possível, mais transparente, que revele todos os desafios de cada área e, também, eventualmente, fazer sugestões de mudanças organizacionais, de revisões legais, normativas.

Na economia, isso também passa por pensarmos alguns dos temas que estão presentes no debate público, como a questão do ordenamento fiscal. E aí não estou falando só do ordenamento com relação às despesas, as regras ou o chamado “arcabouço fiscal” que envolve também a forma de construção do orçamento, mas também o lado das receitas, a famosa reforma tributária. Então, existem esses dois aspectos. Por um lado, é um diagnóstico para identificar desafios, fragilidades, dificuldades, problemas que possam estar no horizonte de curto prazo da gestão pública. Uma avaliação sobre a organização do Estado em cada área e, eventualmente, sugestões para temas que a gente considera que possam colaborar com o novo governo.

— A gente tem visto através da mídia uma grande preocupação com relação à questão da saúde, da educação… A herança que vamos receber, que o gabinete de transição está conseguindo levantar sobre as contas. Como está esse rombo? Isso vai criar dificuldade para a retomada dos programas fundamentais nessas e em outras áreas?

— O que nos chama muito a atenção não é só o desmonte que foi feito nos últimos anos em vários setores, políticas, a redução de recursos aportados para programas sociais — saúde, educação, agricultura familiar e tantos outros. O que chama atenção, principalmente, são os desafios que estão no projeto de Lei Orçamentária de 2023, que não prevê recursos suficientes para demandas e programas sociais, como Farmácia Popular, merenda escolar, cirurgias no SUS, tratamento do câncer e tantos outros, além do próprio Auxílio de R$ 600. Ele não está presente no Orçamento enviado pelo Bolsonaro ao Congresso. Então, estamos fazendo um levantamento da trajetória do financiamento de cada programa na sua área, mas também uma coisa um pouco mais prospectiva. Quer dizer, qual é o orçamento previsto para o ano que vem e como isso vai afetar o próprio funcionamento e existência de vários programas. Obviamente, a partir daí, faremos as sugestões de recomposição, fortalecimento do orçamento desses programas. Essas sugestões vão ser levadas em consideração não só pelo gabinete de transição, como pelos novos ministros e, principalmente, na discussão sobre a abertura de um espaço fiscal para a reconstrução do orçamento federal. Você vai ter que recompor e reconstrui-lo porque aquilo é uma peça de ficção.

— Há receio do mercado com relação a qualquer possibilidade de aumento da dívida pública. Há razões para esse desespero?

— A primeira coisa que é importante lembrar é que eu não acredito que nenhum governo gostaria de ter que negociar uma PEC antes mesmo de iniciar o seu mandato, de tomar posse. Nenhum governo gostaria desse cenário. Porém, é necessário porque quem deixou o estouro não foi o novo governo, foi o atual ao enviar uma Proposta de Lei Orçamentária ao Congresso que prevê uma contração fiscal, ou seja, uma queda nas despesas públicas de algo próximo a 1,5% do PIB, 1,4% do PIB em grandes números. Veja, uma contração fiscal que não garante recursos para uma série de programas sociais fundamentais para a garantia de cidadania e de vida digna para milhões de brasileiros. E, ao mesmo tempo, num momento de desaceleração econômica. A gente sabe que o crescimento do país tem desacelerado e tende a desacelerar bastante no último trimestre de 2022. Ou seja, você vai reduzir investimento, reduzir gastos sociais, reduzir a transferência de renda num momento em que a economia está desacelerando, não faz o menor sentido. Mas é isso que está no PLOA enviado pelo governo Bolsonaro. Então, essa PEC é uma necessidade do país, não do governo Lula e é uma decorrência, em primeiro lugar, do teto de gastos, que já acabou na prática, mas segue gerando esse tipo de problema recorrentemente, obrigando o governo a pedir PEC atrás de PEC. Só no governo Bolsonaro foram três ou quatro, se não me engano.

O que estamos discutindo agora no Congresso é uma forma de garantir que os programas sociais continuem funcionando, operando numa capacidade necessária para atender a população. E, ao mesmo tempo, evitar uma forte contração fiscal em um momento de desaceleração econômica que qualquer macroeconomista sabe que tende a ser muito contraproducente. Mesmo os defensores da tese da contração fiscal expansionista teriam, digamos assim, reticências ou dúvidas em relação a essa estratégia no cenário brasileiro atual, de desaceleração e de pobreza e fome. Estamos fazendo um esforço político inédito. Não me lembro de nenhum governo recém-eleito ter que aprovar uma PEC no Parlamento, será a primeira vez, se não me engano, desde a redemocratização. E estamos fazendo esse esforço para garantir a continuidade dos programas, o bem estar da população e para qualificar o orçamento e o debate sobre regras fiscais e leis orçamentárias. Não é viável que a gente continue de PEC em PEC.

— O primeiro e o segundo governos Lula fizeram superávit primário, começaram a montar esse “colchão” que são as reservas cambiais. Lula sempre disse que “ninguém pode falar em responsabilidade fiscal comigo porque eu, na prática, fui o governo que primou pela responsabilidade fiscal”. Por outro lado, qualquer declaração que o Lula dê o “mercado” reage com esses soluços. Isso é o capital especulativo? Porque não tem nenhum fundamento que leve a essa alta do dólar, a essa baixa da bolsa. Parece uma reação artificial, organizada para criar instabilidade no mercado…

— Esse debate sobre a necessidade que haveria de se aprovar um espaço para além do teto de gastos e garantir os programas sociais estava colocado desde antes das eleições. Inclusive, o próprio [Paulo] Guedes falou que se Bolsonaro ganhasse, faria isso. Mas não só isso. Ele fez isso por várias vezes ao longo do mandato de Bolsonaro. Em todos os anos, o governo Bolsonaro furou o teto. Ao todo, foram mais de R$ 800 bilhões gastos acima do teto, sendo R$ 170 bilhões em um ano eleitoral, algo inédito na história. Então, essa realidade já era conhecida. Está havendo agora muita especulação sobre os significados ocultos que o mercado tenta sondar, “quem vai ser o ministro”, “qual vai ser o tamanho da PEC”… Esse processo também revela uma diferença entre o tempo da política e o tempo dos mercados.

Nos mercados, as oscilações podem fazer alguém ganhar ou perder muito dinheiro em questão de horas, minutos. Já o tempo da política é diferente. O tempo da política é o tempo do diálogo, da construção dos consensos. É o tempo da negociação sobre temas decisivos. Enquanto o processo de negociação, de formulação, de debate ocorre, o “mercado” que é esse ente abstrato que a gente chama de mercado, mas que na verdade são milhares de pessoas tentando adivinhar qual é a direção do novo governo, vão especulando; “eu acho que vai para lá”, “você acha que vai pra cá”. Cada um faz uma aposta numa direção e vão tentando. E a própria imprensa se envolve nesse processo ao tentar todo dia especular quem serão os ministros. Nomes já foram cogitados para umas cinco pastas diferentes.

É um processo que a gente tem que compreender. Obviamente é desejável que se minimizem as incertezas. A comunicação, a explicação das medidas é importante. Mas volto ao que você disse: também seria prudente que aqueles que estão especulando sobre os rumos do governo, que olhassem para o que foram os governos Lula e Alckmin do ponto de vista da responsabilidade fiscal. De fato, não conhecemos o futuro, mas o passado pode ser um bom guia para entender o que vai acontecer. Ele não é um guia perfeito porque as circunstâncias mudam, mas nos ajudam a ter uma leitura de como cada ator, cada personagem, se comporta. Se você olhar os governos Lula, vai ver que o comportamento do ponto de vista fiscal é inabalável, inatacável, porque reduziu a dívida líquida quase que pela metade, acumulou mais de US$ 350 bilhões de reservas, pagou o FMI e conseguiu produzir superávit primário todos os anos. É evidente que, dada a herança que a gente recebeu, a trajetória da economia não será igual a de 2003 até 2010.

Muito provavelmente você vai começar no próximo ano com um resultado primário deficitário. Agora, o resultado final, ao longo dos anos, depende muito da capacidade do governo de reconstruir as condições de crescimento econômico, aprovar as reformas necessárias, por exemplo, a tributária, fazer os investimentos, atrair estrangeiros. Então, realmente acredito que se os atores olharem para trás e olharem para o que o presidente Lula e o vice-presidente Alckmin estão falando para frente, poderia reduzir esses ruídos que estão muito ligados, como falei, a movimentos especulativos acerca de temas que às vezes nem estão sendo discutidos ou que não estão definidos ainda, como por exemplo, o nome do ministro da Fazenda.

— Esse momento também é inédito por causa de um consenso que parece existir sobre a necessidade de se concentrar esforços nos gastos sociais. No entanto, os economistas ligados ao mercado financeiro se mostram pouco receptivos a uma atuação do Estado. Então, existe a diferença do tempo do mercado e do tempo da política que você mencionou, mas me parece também existir uma diferença de concepção sobre o papel do Estado…

— Essa diferença de concepção sobre o papel do Estado e o papel da moeda numa economia de mercado, ou como alguns preferem chamar de economia capitalista, é exatamente o que diferencia e explica 90% ou 80% das diferenças de visões das escolas econômicas. Então, ela sempre vai estar presente. Agora, como você diz, me parece que os consensos não se dão entre economistas, é a sociedade que faz as escolhas. E, no caso de sociedades democráticas, fazem no processo eleitoral. E quando a sociedade escolhe eleger pela terceira vez um presidente que tem como sua marca o combate à pobreza, à fome, a garantia de acesso à educação, o investimento social e o papel do Estado como indutor do investimento produtivo, isso é um recado claro sobre o rumo que a sociedade decidiu. É tão claro que, por exemplo, hoje pouca gente questiona a necessidade de um programa robusto de transferência de renda. Quando o Bolsa Família foi criado, com valor muito menor, era alvo de profundos questionamentos. Hoje, pouca gente o questiona porque foi bem sucedido e conseguiu acabar com a fome. Mas não foi só o Bolsa Família que acabou com a fome, foi um conjunto de políticas sociais e econômicas que permitiram a inclusão de milhões de brasileiros no que nós chamamos de mercado de consumo e nas garantias de cidadania.

Então, quem é o mediador entre essas visões? “Ah, eu gosto de um Estado mais ativo ou de Estado menos ativo”. O mediador é a política, é o processo eleitoral. Elegemos um governo que tem esse compromisso e avisou durante toda a eleição que teria esse compromisso, que garantiria os R$ 600, e daria um extra por criança até 6 anos, e voltaria a investir em educação. Então, também é preciso se entender que esses compromissos assumidos não são muito diferente dos assumidos pelos países desenvolvidos com as suas populações, e precisam ser viabilizados do ponto de vista orçamentário. Claro, não se vai resolver todos os problemas em um ano, em dois anos, nem em quatro anos. Mas temos que caminhar na direção escolhida pela população e, para isso, é necessário recompor esses programas, refinanciá-los, sempre tendo em consideração que esse financiamento não vai levar a uma trajetória insustentável das finanças públicas, nem vai gerar grandes impactos inflacionários. Um dado importante para esse debate é sobre a participação da despesa no PIB. Hoje, pelos últimos dados que a gente tem, está em torno de 19% do PIB.

Quando você propõe algo entre R$ 150 bilhões, R$ 160 bilhões ou R$ 140 bilhões além do teto do ano que vem, estamos falando na verdade em neutralidade fiscal. Está se falando em algo que vai manter a mesma participação das despesas em relação ao PIB. Desse ponto de vista, a PEC é neutra. Neutralidade do impacto desse extra-teto nos gastos em proporção do PIB. Não vejo isso como uma fonte de preocupação permanente porque o que estamos tentando fazer é combinar responsabilidade social, ou seja, a necessária recomposição do orçamento público nos programas sociais estratégicos e no investimento público, que também tem impactos sociais e sobre produtividade importantes, com a necessidade de uma responsabilidade fiscal em propor algo que não vá extrapolar os limites razoáveis para manter a estabilidade macroeconômica, da inflação, do câmbio, e de outra variável. Este é o grande desafio e é isso que a gente está discutindo no Parlamento.

— Paulo Guedes tinha colocado 17,5% dos gastos e a transição descobriu uma folga de 19%. O que significam no orçamento público?

— A gente está falando de gasto primário do governo federal. Não tem a conta de juros. Se incluir juros, claro que é muito maior porque nossas taxas estão muito elevadas. Aí vai ter mais 6%, 7%, 8% do PIB em juros já incluindo as perdas com swap cambial que o Banco Central fez. Desse ponto de vista, um dos temas para discutir é como recompor o orçamento dos programas, garantir cidadania e dignidade sem gerar desvalorização do câmbio, aumento da inflação, etc. E é isso que a gente está propondo, mas ao mesmo tempo também, como, a partir do momento que estabilizar a inflação e começar a reduzi-la, será preciso reduzir a taxa de juros. Porque isso, do ponto de vista fiscal, tem um impacto relevante. E o Banco Central teve que elevá-la durante os últimos tempos como a principal forma de combater as pressões inflacionárias. Outros bancos centrais do mundo também estão em processo de elevação de juros, mas já há uma perspectiva de que a partir de meados do ano que vem, por volta de maio, os países envolvidos e, eventualmente, o Banco Central brasileiro possam começar a reduzir a taxa de juros, o que também dá uma ajuda, do ponto de vista fiscal, para todos.

— A nova âncora fiscal vai ser construída num processo mais ou menos parecido como esse da PEC, com a participação do Congresso, ou o governo já vai enviar uma proposta fechada?

— A gente deveria, já que vai ter que aprovar a PEC, que não é algo trivial, aproveitar a oportunidade e retomar uma possibilidade que estava presente na proposta original do teto de gastos que é rever a regra por meio de projeto de lei complementar. Acho que essa possibilidade está colocada, vai depender das negociações no parlamento. Caso a gente avance por esse caminho, isso abre a perspectiva de, a partir do ano que vem, com um novo Congresso, com o presidente empossado, ministro indicado, abrir um processo de diálogo com a sociedade e o parlamento para discutir um novo regime fiscal, uma nova regra que se coadune com o que está se fazendo hoje no mundo e as necessidades do Brasil. Até por isso, é importante que a PEC tenha um prazo maior do que um ano. Por quê? Porque você pode falar, “pô, mas aí você vai ter um ano para aprovar”, na verdade, não. O projeto da LDO, da Lei de Diretrizes Orçamentárias, tem que ser enviado ao Congresso em meados de abril.

Isso cria um calendário muito apertado para uma discussão tão importante quanto essa. Então, é importante que se tenha um prazo mais dilatado para fazer uma discussão séria, robusta e democrática sobre o arcabouço fiscal. E, uma vez aprovado, que sirva de referência para a LDO e para a PLOA dos próximos anos. É importante que isso ocorra. E, nesse processo, claro, o Executivo, o novo governo, não deve se furtar a participar, a propor, a dialogar, a colocar as suas posições sobre esse e outros temas, como a reforma tributária e outras mudanças legislativas importantes. É um processo de diálogo e negociação. Não é só a vontade de um economista ou outro. É, na verdade, fruto de um diálogo com a sociedade, com o parlamento, para construirmos um arcabouço fiscal que tenha credibilidade, durabilidade e que coadune responsabilidade social com responsabilidade fiscal, que é o que todos nós desejamos.

— Qual é o cenário considerado para 2023? Muitos analistas falam que vai ser um ano difícil por causa da desaceleração global…

— O ano de 2023 traz uma série de desafios. O primeiro é o de reconstruir o orçamento. O segundo é lidar com o cenário internacional, que, pelo menos no primeiro semestre, tende a ser difícil mesmo. Por um motivo muito simples, os Estados Unidos estão desacelerando, a China está às voltas com uma onda de Covid e também tem uma perspectiva de desaceleração, a Europa segue sofrendo as consequências da Guerra da Ucrânia, que obviamente tem impacto em preços de combustíveis, de energia, impacta o próprio crescimento europeu. A Alemanha, por exemplo, tem sofrido muito com o preço do gás. Então, o cenário no primeiro semestre, em particular, exige habilidade. Não é que os ventos vão estar necessariamente a favor do Brasil. O país está desacelerando já agora, no final do ano. É um processo de que vai ser conjugado com o do resto do mundo que também já está ocorrendo e vai vir mais forte no primeiro semestre. Agora, isso não quer dizer que o país não tenha oportunidades que possa aproveitar para muito rapidamente superar essas dificuldades e retomar o caminho do desenvolvimento.

Vou citar apenas algumas aqui, por exemplo, no âmbito ambiental. A quantidade de investidores dispostos a voltar a colocar dinheiro no Brasil graças à mudança de postura do governo é algo muito importante. O próprio Fundo Amazônia. Já foi anunciado que, com o novo governo, Alemanha e Noruega vão desbloquear bilhões de reais em investimentos. Mas não é só na área ambiental. Energias renováveis, novas tecnologias. Temos muitas carências que revelam também demandas da sociedade e, se o governo souber se coordenar para atender essas demandas sociais, pode também atrair investimentos e empresas. Há muitas oportunidades colocadas pela frente. Isso não quer dizer que as tendências se revertam em questão de dias, meses. Mas o presidente Lula tem toda a experiência e capacidade para construir as condições de reverter esse momento inicial de dificuldade e recolocar o país no caminho do desenvolvimento e é o que eu acredito que vai acontecer.

— E quais reformas são prioridades?

— Primeiro, a reforma do arcabouço fiscal, que já está presente na discussão da PEC. Não a reforma em si, mas a possibilidade de aprovar um novo arcabouço por lei complementar, que é o que existia no texto original e o Guedes tirou. E a reforma tributária. Acho que a reforma tributária deveria ser uma prioridade do próximo governo porque o nosso sistema tributário é caótico, tira a competitividade da nossa economia e é profundamente injusto. •

Professor da Unicamp e integrante do grupo de economia da equipe de transição, Guilherme Mello diz que a situação do governo é trágica. Ele diz que faltam recursos para programas básicos nas áreas de saúde, educação e assistência social, e que a PEC do Bolsa Família é fundamental para reorganizar o Estado. “Houve o desmonte de programas sociais e os recursos foram cortados severamente pelo governo Bolsonaro”, denuncia