Plebiscito em 3 de setembro vai apontar se a nova Constituição será aprovada, substituindo a carta política instituída por Pinochet ainda em 1980. O último entulho da ditadura

 

O Chile se prepara para dar um passo à frente de sua história, enterrando o último legado da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Em 3 de setembro, o povo chileno volta às urnas para participar de um plebiscito popular que ratificará a Constituição que substituirá a carta política de 1980, último entulho autoritário da sangrenta ditadura encabeçada pelo general. O ambiente tem sido tenso, há forte polarização e a aprovação da nova Constituição, escrita por uma Assembleia Constituinte independente e fortemente inspirada pelas forças populares, não é dada como certa.

Nas últimas semanas, as principais avenidas de Santiago foram tomadas por uma centena de “voluntários”, que acenam sem muito entusiasmo, bandeiras de “rejeição” ao novo texto constitucional. A dez minutos do Palácio La Moneda, o histórico edifício sede do governo bombardeado pelos militares em 11 de setembro de 1973, que levaram à deposição e morte do presidente Salvador Allende, vêm sendo distribuídas cópias gratuitas do texto constitucional que deve ser votado. 

Há algumas semanas, o presidente Gabriel Boric autografou exemplares da nova Carta Política a pedido de populares, o que o levou a ser acusado pela direita de intervencionismo. No último fim de semana, foram realizados grandes eventos a favor do “Eu Aprovo”, como o registrado no município de Puente Alto, em Santiago, com 5.000 pessoas.

As pesquisas dão vitória à rejeição do texto constitucional. Uma situação contraditória, mas à qual os chilenos já estão acostumados desde o plebiscito de 1988, quando Pinochet enfrentou o rechaço do “Não”. Desta vez não é exceção. Os meios de comunicação, ligados à direita, pesquisas e líderes de opinião garantem que a rejeição à Constituição vencerá. 

Essa incerteza também se reflete no campanha de TV, lançada há algumas semanas, onde vários grupos tentam convencer o eleitorado de que, devido a mais estudos de audiência e agências de publicidade disponíveis, pouco se sabe. Vozes como a Plataforma Política Mapuche se destacam pela aprovação. Nos poucos segundos disponíveis para transmitir sua mensagem, eles enfatizam que, caso a nova Carta Magna seja aprovada, a água se tornaria um bem comum ao invés de estar nas mãos de particulares como é o caso atualmente, causando seca e sérios problemas ambientais.

A coligação governista Aprovo Dignidade tem aproveitado seu horário na tevê para educar a população sobre mudanças sociais em termos de paridade e vida livre sem violência de gênero, com a participação da atriz popular Paola Volpato. Ela foi um dos poucos rostos da televisão que mostrou-se claramente a favor da nova Constituição.

Os conservadores que criticam o texto constitucional, adotaram a estratégia de gerar medo, com base na desvalorização do trabalho da Constituinte, focando no individualismo e sugerindo que, se a Carta Magna for alterada, o Chile entrará em uma fase de incerteza econômica. 

Curiosamente, não há rostos de políticos de direita na campanha. O grupo mais visível é liderado pelo poeta e apresentador de televisão Cristian Warnken, do grupo Amarelos pelo Chile, supostamente independente. Eles usam uma cor com conotação “neutra” na melhor das hipóteses, mas, no contexto dos protestos, esteve associada a quem não ousa sair às ruas. O lema contraditório de “rejeitar com amor” também foi escolhido em referência explícita à hashtag que circulou: #AprueboConAmor.

Embora o mandato da Controladoria da República proíba o governo de se manifestar por uma opção, foi acionada uma estratégia de sair às ruas para “educar” a população em torno da nova Constituição. Algo que faz sentido considerando as inusitadas fake news e campanhas de desinformação que vêm surgindo, que vão desde a mudança de bandeira até a desapropriação de residências.

Esta foi uma oportunidade para o governo progressista de Gabriel Boric tentar reverter as pesquisas. Mas na política “interna” foram alcançados acordos com a esquerda — especialmente o Partido Socialista, que originalmente não fazia parte da coalizão governante formada pela Frente Ampla e pelo Partido Comunista — para modificar imediatamente no Congresso alguns pontos que parecem aspectos confusos do novo texto constitucional, como o sistema de Justiça.

Na quinta-feira, 19, o presidente deu início a um périplo de trem por cidades do centro-sul com o objetivo de divulgar sua ideia de recuperar o desenvolvimento ferroviário. Embora seja provável que se torne um espaço para falar sobre a Constituição, ele evitou verbalizar apoio ao “eu aprovo”. 

Tudo isso ocorre enquanto o governo se abre — depois de meses negando — à possibilidade de gerar um novo processo Constituinte caso vença a “Rejeição”. Porque em meio a tanta instabilidade, uma coisa está clara: a Constituição de Pinochet é letra morta. •

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