Ao lado de Dilma na cerimônia de posse de Alexandre de Moraes, o ex-presidente ilumina o ambiente, ganhando respeito e admiração, enquanto Bolsonaro esmaece à sombra do poder

 

Nunca Brasília assistiu à percepção da troca de comando político ou de transferência da faixa presidencial sem que ocorresse uma solenidade de posse na Praça dos Três Poderes. Mas a capital da República viu como a expectativa de poder pode operar antes mesmo das urnas anunciarem o novo ocupante do Palácio do Planalto. Na última quarta-feira, 16, a posse do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, mostrou o esvaziamento simbólico de Jair Bolsonaro e de sua entourage.

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff foram as grandes estrelas da cerimônia em que Moraes fez uma enfática defesa das urnas eletrônicas e da democracia brasileira, deixando o presidente da República visivelmente constrangido e contrariado. “A cerimônia de hoje simboliza o respeito pelas instituições como o único caminho de crescimento e fortalecimento da República, e a força da democracia como único regime político, onde todo o poder emana do povo e que deve ser exercido pelo bem do povo”, disse o novo chefe da Justiça Eleitoral.

Foi uma demonstração inequívoca do isolamento do chefe de Estado, que assistiu ao discurso do novo presidente do TSE, a quem chamou de “canalha” durante o Desfile de Sete de Setembro, no ano passado, e presenciou líderes políticos, advogados e ministros de tribunais superiores voltarem suas atenções para o ex-presidente Lula.

“A vocação pela democracia e a coragem de combater aqueles que são contrários aos ideais constitucionais e aos valores republicanos de respeito à soberania popular permanece nessa Justiça Eleitoral e neste Tribunal Superior Eleitoral, que continuamente vem se aperfeiçoando, principalmente com a implementação e a melhoria das urnas eletrônicas”, discursou Alexandre de Moraes, arrancando aplausos de pé da audiência e dos convidados.

Era a primeira vez que Bolsonaro e Lula se encontravam durante a campanha eleitoral deste ano. Mas o atual presidente não sabia onde colocar a cara — fechada e sem expressão ao longo das duas horas em que durou a cerimônia de posse da nova direção do TSE. Além de Moraes, o ministro Ricardo Lewandowski assumiu a vice-presidência da Corte Eleitoral.

Todo o mundo jurídico que transita nos tribunais superiores em Brasília compareceu em peso ao evento, que contou ainda com a presença de todos os ministros do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal Militar, além do Tribunal Superior do Trabalho. Foi uma solenidade de posse prestigiada ainda pela presença dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Na sala reservada aos convidados, o presidente também permaneceu isolado, antes da cerimônia. Lula passou a ser cercado por autoridades, políticos e governadores e era mais procurado que Bolsonaro para conversas. Ele e Dilma foram o centro das atenções, assediados inclusive por autoridades do governo Bolsonaro, enquanto Bolsonaro permaneceu cercado por ministros e assessores.

Acompanhado da primeira-dama Michelle Bolsonaro, e do filho Carlos, que é alvo de inquérito policial sob a relatoria do presidente do TSE, Bolsonaro não aplaudiu o novo presidente da Corte em nenhum momento. O filho vereador sequer se levantou das cadeiras nos momentos em que os convidados ovacionaram os pontos mais veementes dos discursos de Moraes e Lewandowski.

Os recados de Moraes foram claramente direcionados ao atual ocupante do Palácio do Planalto. “A Constituição federal consagra o binômio liberdade e responsabilidade, não permitindo, de maneira irresponsável, a efetivação do abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado, não permitindo a utilização da liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, violência, infrações penais e toda sorte de atividades ilícitas”, disse o ministro.

“A democracia é uma construção coletiva de todos que acreditam na soberania popular, e mais do que isso, de todos que acreditam e confiam na sabedoria popular, que acreditam que nós, nós todos, autoridades do Poder Judiciário, do Poder Executivo, do Poder Legislativo, somos passageiros, mas que as instituições devem ser fortalecidas, pois são permanentes, imprescindíveis para um Brasil melhor, para um Brasil de sucesso, de progresso, para um Brasil com mais harmonia, com mais justiça social, com mais igualdade e solidariedade, para um Brasil com mais amor e esperança”, continuou Moraes.

Ao final do encontro, enquanto Lula e Dilma eram cercados por convidados, ainda no plenário da corte, Bolsonaro, Michelle e Carlos deixavam a sede do tribunal, acompanhados dos ministros Carlos França (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Todos estavam com o semblante fechado. Ao contrário de Lula e Dilma, que sorriam enquanto posavam para os fotógrafos e convidados. •

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