De olho no Guedes
Governo jura que venceu o dragão da inflação, mas o que está acontecendo de fato é que o povo não tem dinheiro para ir às compras. Apesar da deflação de 0,63%, os alimentos subiram em julho nada menos do que 1,3%. Pobres são mais prejudicados
O Palácio do Planalto e os assessores de Paulo Guedes soltaram rojões na semana passando, comemorando que o Brasil estaria vivendo uma queda generalizada de preços, um fenômeno econômico conhecido como deflação. Infelizmente, é mais uma ilusão, uma mentira, vendida pela máquina de fake news do governo Bolsonaro. Não dá para comemorar nada. Na busca desesperada por votos para evitar a inadiável derrota eleitoral para Lula em outubro, Bolsonaro tenta sair das cordas. Mas o fato é que a inflação não está recuando. O milagre vendido é apenas ilusão.
Mas é ruim. Agora, Bolsonaro, Guedes e os Chigago boys da equipe econômica deram para chamar de “deflação” a queda tarifária pontual da gasolina-etanol-energia elétrica que influenciou o recuo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em -0,68% em julho. “Todos os preços precisam cair de forma sistemática para configurar deflação. Índice abaixo de zero em um mês não é considerado deflação”, explica Emerson Marçal, coordenador do curso de Economia da FGV em São Paulo.
O que está acontecendo de fato é que o povo não tem dinheiro para ir às compras, a pobreza continua crescendo e a miséria já deixou 33 milhões de brasileiros sem ter o que comer. A inflação de alimentos continua a se aproximar da marca dos 10% — está em 9,83% até julho — apenas nos últimos sete meses. O percentual é mais do que o dobro da inflação do período medida pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA): 4,77%.
Os dados de julho do IPCA e do aumento dos alimentos foram divulgados na quarta-feira, 10. Embora o país tenha registrado recuo dos preços de 0,68% em julho, os alimentos subiram 1,3% no mesmo período. Só o leite leite longa vida subiu 25,46% em no mês passado, tendo já subido 10,72% no mês anterior. O preço do leite pressionou o custo de derivados: o queijo subiu 5,28% em julho; a manteiga, 5,75%; e o leite condensado, 6,66%. No ano, o mesmo leite já subiu 77,84%. Os derivados subiram 39,58%. Outro destaque do mês foram as frutas, com alta de 4,40%.
“Essa é na verdade a notícia mais importante, porque é a que mais afeta a população mais pobre. Houve um aumento real dos alimentos, o que significa que a cada visita que a família faz ao mercado, ela volta com menos alimentos”, aponta o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
A taxa acumulada do IPCA em 12 meses segue em dois dígitos (10,07%). O indicador oficial da inflação está nesse patamar desde setembro de 2021. Sequência tão longa não ocorria desde o período entre 2002 e 2003. À época, o índice permaneceu acima de 10% por 13 meses consecutivos, de novembro de 2002 a novembro de 2003, quando a equipe econômica do governo Lula domou o legado inflacionário do governo Fernando Henrique Cardoso.
Dessa forma, a queda em curto prazo do IPCA – como ocorrerá no Brasil de Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes – não configura por si um processo deflacionário. Sequer permite-se dizer que a deflação é uma tendência para os próximos meses. Esta pode vir a se confirmar apenas quando a baixa de preços afeta prolongadamente uma grande gama de produtos e serviços. Não é o caso.
Reduções em poucos segmentos, como as atuais – apenas em dois dos nove grupos considerados na pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – não significam deflação. Mas como cada segmento tem um peso diferente na composição do indicador, a queda de preços numa área importante pode puxar a média para baixo, mesmo que a tendência não seja geral.
É o que ocorre agora com a redução temporária e por “canetada presidencial” dos preços de combustíveis e da energia elétrica, que têm forte impacto nas despesas de transportes e habitação, dois grupos com grande peso no cálculo do IPCA. Por isso a queda tarifária puxou o índice para baixo. Mas esse é um evento esporádico, e não ditado pela maioria dos preços.
O índice de difusão, que mede a disseminação da carestia entre produtos e serviços, está em 63%. Então, quase dois terços dos preços que compõem o IPCA, na verdade, continuam subindo. “Do jeito que a deflação aconteceu, ela beneficia principalmente o brasileiro mais rico, que consome gasolina e gasta mais energia. É uma queda que foi mais sentida pelos ricos”, completa Braz. •