A esquerda dirige a Colômbia

O presidente Gustavo Petro assume o governo em meio a grandes expectativas e enormes desafios, em festa carregada de simbolismo, como desfile com guarda indígena, a presença do Rei da Espanha e de nove chefes de Estado da América Latina

 

O centro de Bogotá estava repleto de símbolos. Havia a presença de familiares de guerrilheiro do M-19 assassinado há 30 anos, uma guarda indígena, o rei de Espanha Felipe VI, nove chefes de governo da América Latina e líderes de toda a esquerda global, inclusive a ex-presidente Dilma Rousseff. Todos foram acompanhar de perto a posse do novo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que chegou ao governo carregando sobre si muitas expectativas e a esperança do país

O grande símbolo que comoveu muitos na festa realizada na capital colombiana foi que o líder de esquerda recebeu a faixa presidencial da senadora María José Pizarro, filha de Carlos Pizarro, ex-guerrilheiro do M-19, assassinado em 1990 quando disputava a Presidência. Depois de empossar a vice-presidente Francia Márquez e receber a espada de Simon Bolívar, Petro foi à praça, parafraseando o final do romance “Cem Anos de Solidão”. E anunciou: “Hoje começa a nossa segunda chance”.

“Petro, amigo, o povo está com você”. Este foi o grito que Petro ouviu em uma praça de Bolívar lotada. A multidão esperava a festa desde o início da manhã, depois de fazer filas e dar início a uma peregrinação à Plaza de Bolívar que foi vivida como uma festa. “Quem não pula é o infiltrado”, cantava um grupo de adolescentes.

Entre as primeiras definições como novo presidente, está a  vontade de cumprir o Acordo de Paz de Havana e abrir um diálogo com os grupos armados para encerrar seis décadas de conflito violento, que horrorizaram a Colombia e fizeram do país um dos mais violentos do mundo nos anos 80. Petro enfatizou que para que a paz seja possível é preciso mudar a política contra os entorpecentes. “A guerra às drogas falhou”, disse o novo presidente. “A guerra às drogas matou 1 milhão de latino-americanos nestes 40 anos e deixou 70 mil norte-americanos mortos por overdose a cada ano. A guerra às drogas levou os estados a cometer crimes e evaporou o horizonte da democracia”.

O novo presidente colombiano prometeu combater a desigualdade e a fome, um dos grandes problemas sociais da Colombia e de boa parte da região latino-americana. “Dez por conto da população colombiana tem 70% da riqueza. Isso é uma imoralidade”, disse. Ele imediatamente falou de dar início a uma reforma tributária. Trata-se de refazer o modelo neoliberal tão profundamente enraizado na Colômbia. O novo governo propõe como primeiras medidas de enfrentamento à pobreza, que atinge mais de 40% da população, uma lei contra a fome e uma renda básica, que constam do programa do Pacto Histórico.

Estas medidas requerem recursos. Para o professor Jairo Estrada Álvarez, do Departamento de Ciência Política da Universidade Nacional da Colômbia, a reforma tributária é fundamental para enfrentar essas iniciativas. “O novo governo encontra-se com um déficit fiscal superior a 7% do PIB, consequentemente, inicia seu mandato com o pote raspado, como se diz em linguagem coloquial. Se pretende realizar medidas redistributivas, exige recursos fiscais que deve ser fornecida pela reforma tributária”, disse ao argentino Página 12.

A reforma pode ter um valor estimado em US$ 12 bilhões, o equivalente a 4 ou 5 pontos do PIB, e precisa redefinir a estrutura tributária que até agora favorecia o grande capital. A ideia de Gustavo Petro é cobrar tributos sobre os bens dos grandes setores da burguesia colombiana, que deve pagar mais impostos. A ideia, contudo, é não punir os setores médios e pobres com impostos mais altos”.

Em seu plano de governo, Petro anunciou que a igualdade de gênero é possível e que as tarefas de cuidado devem ser consideradas, já que as mulheres costumam dedicar três ou quatro vezes mais horas a elas. “É hora de combater essas desigualdades e equilibrar a balança”, disse, anunciando que Francia Márquez vai liderar o Ministério da Igualdade.

Juntamente com Márquez, feminista e ativista ambiental, Petro está disposto a construir um futuro verde, apostando em um modelo sustentável, equilibrando a economia com a natureza. “Estamos prontos para uma economia sem carvão e sem petróleo, mas pouco fazemos para ajudar a humanidade com isso”, disse. “Não somos nós que emitimos gases de efeito estufa. São os ricos do mundo que o fazem. Onde está o fundo mundial para salvar a floresta amazônica?”

Petro propôs trocar a dívida externa por despesas internas em prol da proteção do meio ambiente. “Se o FMI ajudar a trocar dívidas por ações concretas contra a crise climática, teremos uma nova economia próspera”, avalia.

Na presença de uma dezena de chefes de Estado, entre outros, Alberto Fernández (Argentina), Luis Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Xiomara Castro (Honduras), Guillermo Lasso (Equador) instaram Petro a se juntar à América Latina em projetos concretos. “A unidade latino-americana não pode ser mera retórica. Será que conseguimos uma rede de energia elétrica que cobre toda a América? É hora de trabalharmos juntos”. •