O ódio bolsonarista
Atordoado, o país assiste à escalada violenta dos partidários do presidente Jair Bolsonaro. Em plena festa de aniversário, o tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, Marcelo Arruda, é assassinado a tiros por um agente penitenciário federal. O “cidadão de bem” Jorge Guaranho gritou “mito” e “aqui é Bolsonaro” ao invadir o encontro familiar do petista portando uma arma. A polícia descarta crime por motivação política, mas dirigentes do PT insistem em federalizar as investigações. E a campanha nem começou…
No Brasil de Jair Bolsonaro, ninguém está a salvo. Quando não é a política econômica que amplia a desigualdade, promove o desemprego em massa e espalha a fome, é o ódio bolsonarista que deixa suas marcas furiosas na democracia. E mata. Na madrugada de domingo, 9, o guarda municipal Marcelo Arruda comemorava seu aniversário de 50 anos com familiares na cidade de Foz do Iguaçu (PT). Dirigente do PT, ele brindava a passagem dos anos com uma festa em homenagem ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No bolo, nas bandeirolas, na toalha petista, tudo brindava a campanha presidencial de Lula.
A festa terminou em tragédia. O agente penitenciário federal Jorge José da Rocha Guaranho apareceu sem ser convidado no sábado à noite na festa de Marcelo Arruda e disparou contra o aniversariante, matando-o. Testemunhas disseram que Guaranho atirou em Arruda depois de gritar: “mito” e “aqui é Bolsonaro”. Ferido, Marcelo Arruda revidou e feriu o agressor, que agora está internado, em estado grave.
O incidente chocou o Brasil, enquanto políticos se preocupam com os riscos de violência envolvendo apoiadores de Bolsonaro contra petistas e militantes de esquerda que apoiam o ex-presidente da República, líder em todas as pesquisas de opinião. Lula lamentou o episódio, pregou paz e tolerância, mas não deixou de denunciar que Bolsonaro semeia ódio e rancor em sua pregação política, seja contra mulheres, gays, estudantes, militantes de esquerda ou negros.
“Estão tentando fazer das campanhas eleitorais uma guerra. Estão tentando colocar medo na sociedade brasileira. Estão querendo dizer que tem uma polarização criminosa. E é interessante, porque o PT polariza nas campanhas para presidente desde 1994, e você não tinha sinal de violência”, discursou Lula, durante sua passagem por Brasília na terça-feira, 12.
Lula diz que a hora é de calma e tranquilidade, mas que a tentativa de intimidação precisa ser rechaçada imediatamente. “Nós não precisamos brigar”, disse. “A nossa arma é nossa tranquilidade, a nossa arma é o amor que temos dentro nós, nossa arma é a sede que temos de melhorar a vida do povo brasileiro”. Segundo o ex-presidente, não se pode aceitar provocação. “É essa lição de moral que nós temos que dar”, pediu, sugerindo que as pessoas passem a andar com um livro. “É a resposta que a gente vai dar ao presidente que está incentivando as pessoas a comprar armas”.
Ainda na segunda-feira, 11, os partidos que integram o movimento Vamos Juntos pelo Brasil decidiram entrar, com uma representação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pedir a federalização da investigação sobre o assassinato de Marcelo Arruda. “Um crime político não pode ser tratado como briga de vizinhos”, disse a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann.
Os presidentes dos partidos repudiaram a violência política e defenderam ampla mobilização de instituições e partidos comprometidos com a democracia. A preocupação é com a a escalada da violência que precisa ser contida de forma a garantir uma disputa civilizada na campanha política. Os dirigentes também fizeram um minuto de silêncio em memória de Marcelo.
Bolsonaro tem um histórico de truculência e seus apoiadores estão por trás de uma série de ataques recentes que culminaram no último fim de semana com o assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu. O ataque ocorreu apenas dois dias depois que outro apoiador de Bolsonaro jogou um dispositivo caseiro grosseiro contendo fezes na multidão em um comício de campanha de Lula no Rio de Janeiro.
Em outro incidente no estado de Minas Gerais, três semanas antes, um drone derrubou o que foi relatado como esgoto bruto em uma reunião pró-Lula. Em março de 2018, antes de ser preso injustamente por ordem de Sergio Moro, Lula foi vítima de um ataque no Paraná. A caravana do ex-presidente foi alvo de um atentado em 27 de março. Dois dos três ônibus da comitiva foram atingidos por disparos de armas de fogo, entre Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, no Paraná. Lula estava no terceiro ônibus, que não foi alvejado. Um dos ônibus, onde estavam jornalistas brasileiros e estrangeiros, foi atingido por dois disparos de armas de baixo calibre. O outro veículo, alvo de um disparo, transportava convidados do PT. Não houve feridos.
Os ataques estão de acordo com uma polarização na política brasileira que ganhou velocidade em 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff, e a prisão de Lula dois anos depois por crimes de corrupção – condenações anuladas em 2019 após a os promotores foram encontrados para ter conspirado com o juiz que depois se tornaria ministro da Justiça de Bolsonaro.
“Esse grupo de extrema-direita, muitos dos quais, incluindo o presidente, têm ideias fascistas, não quer reconhecer as instituições e as regras do jogo estabelecidas”, denuncia Darci Frigo, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos do Brasil. “Bolsonaro tomou a decisão de eliminar a esquerda e permitiu que seus apoiadores usem a violência para fazer isso, dividir e odiar. O que aconteceu em Foz do Iguaçu não é um caso isolado, foi incentivado pela retórica do presidente”.
Bolsonaro está atrás de Lula por dois dígitos na maioria das pesquisas e a perspectiva de derrota está por trás de grande parte de sua linguagem inflamatória, disseram especialistas. A beligerância é antiga. Ela já defendeu posições criminosas para a eliminação ou incitação à violência contra gays, mulheres e afro-brasileiros e, na maioria das vezes, contra a esquerda. Em 2018, em plena campanha eleitoral, fingia atirar e disse a uma multidão no estado do Acre que queria “metralhar” os esquerdistas e “expulsá-los” do estado.
Sua retórica não abrandou no cargo e seus números decepcionantes nas pesquisas estão levando-o a adotar posições cada vez mais extremas, destinadas a energizar sua base dura e assustar ativistas da oposição nas ruas. A avaliação de é Felipe Borba, coordenador de um think tank sobre violência política da Unirio, em entrevista ao jornal inglês The Guardian.
“O uso da violência contra rivais é estimulado como parte de uma estratégia eleitoral… especialmente pelo presidente Jair Bolsonaro contra os apoiadores do ex-presidente Lula”, diz Borba. “Ele também está fazendo isso para desviar o foco dos problemas reais do país”, listando o aumento da miséria, da fome, da pobreza e das mazelas sociais. Borba disse que o aumento da violência ocorre no início do que se espera que sejam alguns meses tensos de campanha, não apenas para o presidente, mas também para o Congresso e os 27 governos estaduais. •