Assembleia Constituinte finaliza o texto da nova constituição, que vai a referendo em setembro e pode enterrar o legado da ditadura de Augusto Pinochet. Boric saúda: “Começamos uma nova etapa”

 

Uma nova etapa da história política do Chile acaba de ser escrita, com a entrega ao presidente Gabriel Boric, da nova Constituição. Ele recebeu na segunda-feira, 3, o novo texto constitucional, que tem 388 artigos e 57 artigos temporários. O documento ainda será submetido a um referendo popular em setembro e, se aprovado pela população, põe fim à atual Carta Magna do país, herança maldita dos 41 anos no governo do ditador Augusto Pinochet.

“Esta proposta nos dá esperança ao nos permitir falar na Constituição da dignidade, inclusão e igualdade”, disse a presidente da Constituinte, María Elisa Quinteros, em ato formal no antigo Congresso, situado em Santiago. Na mesma cerimônia, Boric assinou o decreto que estabelece o dia 4 de setembro para o referendo. “Começamos uma nova etapa”, saudou Boric. “Será novamente o povo que terá a última palavras sobre o seu destino”.

Após a sessão plenária e um ano após sua instalação, a constituinte foi dissolvida. A campanha eleitoral para o referendo começou na terça-feira. A proposta de nova constituição diz em seu primeiro artigo que “o Chile é um estado social e democrático de direito. É multinacional, intercultural e ecológico”, com uma democracia pluripartidária. O texto também reconhece a existência de 11 povos indígenas que representam 12,8% dos 19 milhões de habitantes.

Os chilenos terão duas opções no plebiscito de setembro: votam para “aprovar” o novo texto ou “rejeitar”, mantendo a Constituição imposta pela ditadura militar de 1973. Há incerteza sobre qual opção triunfará no referendo. As pesquisas públicas no início do ano deram uma clara vitória para a aprovação, embora pesquisas de junho tenham mostrado que a nova constituição atingiu nível mais baixo de aprovação entre a população chilena.

“Temos de nos sentir orgulhosos de que no momento da crise mais profunda que nosso país viveu em décadas, nós, chilenos e chilenas, optamos por mais democracia e não menos”, disse Boric, no Congresso em Santiago, após receber o texto redigido pelos 154 membros da Assembleia Constituinte. “Muito teve que acontecer, muitos sacrifícios de vidas, para poder discutir uma Constituição que nasce de um debate democrático”, disse.

Criar um sistema de saúde universal, fortalecer a educação pública, proteger o meio ambiente e a ampliação dos direitos dos povos indígenas são alguns dos principais temas da proposta. A direita chilena não aceita muitas das mudanças aprovadas pela Constituinte, já que era força minoritária entre os eleitos no ano passado.

A direita descreve o processo constitucional como um “fracasso” e “oportunidade perdida” e anunciou que fará campanha pela rejeição da mudança da Constituição, escrita durante a ditadura pinochetista. A redação do novo texto foi a solução política que o Chile encontrou para aplacar os violentos protestos que eclodiram em 18 de outubro de 2019, exigindo maior justiça social em um país muito desigual.

A segunda-feira 4 de julho já é descrita pela mídia chilena como um dia histórico, que começou com uma cerimônia mapuche no morro de Santa Lucía, no centro de Santiago, acompanhada com tambores e trajes típicos por algumas das 17 convenções de povos indígenas que participaram da elaboração da nova Carta Magna. 

Fora da cerimônia, defensores da mudança constitucional hastearam bandeiras chilenas e mapuches, ao som de  “O direito de viver em paz” de Victor Jara, músico e ativista assassinado após o Golpe Militar de 1973, alternado com “Bella Ciao” , hino da resistência italiana durante o regime de Benito Mussolini (1922-1945).

Depois de mais de 40 anos de um modelo econômico ultraliberal, em 2019 houve apoio transversal para a busca de um sistema que garantisse um estado de bem-estar e estabelecesse padrões para povos indígenas, minorias e questões ambientais. O reconhecimento no texto da existência de vários povos dentro da nação chilena, o que confere certa autonomia às instituições indígenas, particularmente em matéria de justiça, expôs uma fratura histórica. •

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