ENTREVISTA | LEONARDO AVRITZER – “O povo acredita e confia na nossa democracia”
Professor da UFMG que está à frente da pesquisa “A cara da democracia”, o cientista político aposta que Lula vence a eleição, mas não tem dúvidas em apontar que o bolsonarismo veio para ficar. “Bolsonaro conseguiu agregar movimentos conservadores de diferentes matizes e em diferentes lugares do Brasil”, diz. E, por isso, ele será o líder da extrema-direita contra o governo a partir de janeiro de 2023
A pesquisa “A cara da democracia” causou um choque no país em 2018 quando mostrou que a maioria dos brasileiros era favorável à ruptura da democracia em caso de aumento da corrupção e da ocorrência de crimes. Em 2022, os resultados são diferentes: a democracia está mais forte, assim como a recusa a qualquer tipo de ruptura mesmo diante do aumento da corrupção ou da criminalidade.
Um dos coordenadores da pesquisa, o cientista político e professor da UFMG Leonardo Avritzer, entende que a revelação do conluio entre Sergio Moro e os procuradores da Operação Lava Jato é um dos fatores que provocaram essa mudança. Além disso, a queda vertiginosa da confiança nas Forças Armadas também pode ser vista como um ponto fundamental.
“Os militares estão pagando o preço por terem apoiado o bolsonarismo”, explica Avritzer. É público e notório que, desde 2019, com a posse de Jair Bolsonaro. o número de militares em setores da administração federal cresceu vertiginosamente. É maior até do que do que havia no governo de João Figueiredo, o último da ditadura militar.
Essa ocupação do governo pelos militares acabou denunciando a incompetência deles para lidar com áreas como Educação e Saúde. O caso mais evidente é a crise da falta de oxigênio no Amazonas durante o auge da pandemia. Avritzer menciona algumas pesquisas que já estão detectando a preferência por civis e não por militares para a administração pública.
Apesar destas mudanças, são muitos os desafios que estão no caminho. Hoje, o que se vê é um fortalecimento de valores conservadores. Mas, por outro lado, também é possível perceber uma série de contradições nas crenças dos brasileiros. Um exemplo é o apoio à agenda liberal na economia e, ao mesmo tempo, o desejo de que serviços públicos sejam fortalecidos. Um dos balanços possíveis sobre a sociedade brasileira é entender o paradoxo: “conservadora nos costumes e progressista na pauta social”. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Focus Brasil — A pesquisa “A Cara da Democracia” aponta que, finalmente, aumentou a crença dos brasileiros na democracia. Ela está mais fortalecida após todo o processo retrógrado que o país vive desde o Golpe de 2016?
Leonardo Avritzer — A gente faz essa pesquisa, anualmente, desde 2018. Naquele ano, fizemos o levantamento em março e apareceram resultados que, naquele momento, achamos assustadores. Uma maioria de brasileiros, pequena, mas maioria pela primeira vez, era a favor da ruptura com a democracia, de um golpe militar em caso de corrupção ou de aumento da criminalidade. A gente viu em maio daquele ano as manifestações na greve dos caminhoneiros, pedidos de intervenção militar, e a gente viu o resultado. Nós e os brasileiros.
Agora, a gente tem dados melhores. Mais tecnicamente, eu pergunto sobre confiança em democracia, se a democracia é a melhor forma de governo. É uma pergunta normativa que, em geral, recebe uma resposta muito alta. Mas, no entanto, precisa ser contrastada com outras situações. Por isso que é tão importante perguntar sobre aumento de corrupção e criminalidade. E aí, realmente, agora, os brasileiros começam a achar, de forma um pouco mais decisiva, que nada justifica. Não que corrupção ou crime não sejam problemas. Claro que são, mas eles têm que ser resolvidos dentro da ordem democrática.
O nosso problema é justamente isso. De repente, você não sabe exatamente o que é corrupção porque tem um juiz que está em conluio com o Ministério Público e vai atrás de quem não gosta politicamente. É evidente que a Lava Jato criou espaço para isso. E hoje nós estamos recuperando esse espaço e vamos combater a corrupção, no campo democrático, com amplo direito de defesa, justamente o que a Lava Jato não fez. Vimos também que a Lava Jato cometeu crimes. Esperamos que um dia eles sejam punidos por isso.
— Diminuiu o prestígio das Forças Armadas, mas a confiança nas igrejas se manteve e elas continuam sendo as instituições mais respeitadas. Esse resultado é expressão de um conservadorismo do povo brasileiro ou a questão religiosa não interfere?
— Primeiro, vamos falar do Exército, das FFAA. Em 2018, aparecia como uma instituição entre as duas ou três nas quais os brasileiros tinham maior confiança. A confiança nos partidos em 2018 era, mais ou menos, entre 1% e 2%. A confiança no Congresso estava na faixa de 7%. A confiança nas FFAA estava acima de 30%. Isso dos que confiavam muito. Dos que confiavam muito e mais ou menos acho que ficava acima de 50%. É claro que as FFAA vão ter que pagar um preço pela aventura bolsonarista. A gente sabe como foi, digamos, essa entrada. Só para dar um exemplo, tem mais militares em cargos de primeiro e segundo escalão hoje do que no governo João Figueiredo, que foi o último governo militar no Brasil. Bolsonaro militarizou a administração pública e o fez em lugares em que os militares não têm nenhuma capacidade de gestão. Por exemplo, saúde e educação. Nós vimos [Eduardo] Pazuello, especialista em logística, deixando faltar oxigênio na Amazônia em janeiro de 2021. Não é à toa que diminuiu a confiança dos brasileiros nas FFAA. E isso ocorreu porque os militares entraram no governo, assumiram posições e acabaram se desgastando fortemente, especialmente, no Ministério da Saúde, durante a pandemia.
Tem outras perguntas que não fizemos, mas outros institutos estão fazendo: você prefere civil ou militar na educação? E na saúde? Os brasileiros estão começando a achar que os civis são melhores. Graças a Deus. Mas ainda temos esse problema das igrejas. O Brasil é um país de estruturas de confianças muito frágeis. Os brasileiros não confiam em quase nada. Um pesquisador norte-americano, falecido recentemente, chamado Ronald Inglehart, fez uma pesquisa sobre valores mundiais. Ele pesquisou confiança comparativamente em quase 80 países e o resultado do Brasil foi um dos países com pior estrutura de confiança. Brasileiros não confiam em quase nada. Confiam, em geral, na família, nos amigos e nas igrejas, quando a gente coloca agregadamente, como vocês falaram. Mas se a gente perguntar se confia nas igrejas neopentecostais, os católicos não vão confiar. E se for sobre as católicas, os neopentecostais não vão confiar. E aí, o índice cai pela metade. “Confiança em instituições religiosas” é muito amplo.
Vivemos um processo e acho que agora o presidente Lula está tendo um enorme papel em recuperá-lo, que foi o completo colapso da confiança nas instituições políticas. Existe uma recuperação. A maneira como Lula se aproximou de Geraldo Alckmin, a maneira como os dois têm tratado diferentes lideranças dentro do sistema político, criado uma frente interpartidária, tudo isso é extremamente importante para esse processo de recuperação. Por outro lado, a gente vê, da mesma maneira como a confiança nos militares desabou na CPI da Covid, eu acho que em pastores, em denominações neopentecostais, irá desabar se de fato for concretizada a CPI do MEC.
— A pauta de costumes não está fazendo parte deste processo eleitoral, embora o Bolsonaro fique tentando trazer questões. A pesquisa mostra que existem avanços de apoio a valores conservadores, mas também a valores progressistas até surpreendentes. O senhor pode explicar porque valores progressistas e conservadores se misturam tanto na sociedade brasileira até de maneira contraditória?
— A gente hoje identifica um conservadorismo oral forte no Brasil. Quase 80% dos brasileiros são contra o aborto, quase 60% são a favor da redução da maioridade penal. Onde as coisas melhoram um pouco é na adoção de crianças por casais gays e ações afirmativas, que aí já conta com uma maioria de brasileiros a favor. Outras questões também: a própria discussão sobre STF, liberdade de expressão regular o que as pessoas podem dizer no que diz respeito a ataques contra a democracia e instituições democráticas, os brasileiros adotam a posição de Bolsonaro. Tudo isso aponta na direção de que o governo Bolsonaro é um fracasso absoluto sob o ponto de vista das políticas públicas que tentou implementar. Mas Bolsonaro teve um sucesso relativo em tornar o Brasil mais conservador, em colocar as suas pautas, as agendas morais. Ele teve um sucesso relativo com relação a isso. Esse poderia ser até um balanço.
A gente ainda acha algumas posições progressistas dos brasileiros em diferentes setores ou até completamente contraditórias. A gente pode perguntar para as pessoas se elas são ou não a favor de uma agenda liberal e, em geral, elas aparecem como favoráveis à agenda liberal, mas quando você em seguida pergunta se elas são a favor de um sistema público de aposentadoria ou de saúde, também são a favor, o que não é parte da agenda liberal. Então, o brasileiro está dividido entre duas coisas: um discurso conservador, que acabou tendo influência na sociedade de 2016 para cá, mas ele sabe que as instituições estatais dão alguma segurança. Ele quer saúde estatal. Ele é a favor de educação superior pública. É a favor de aposentadoria garantida pelo Estado. Então, existe um trabalho a ser feito de reconstrução de uma pauta mais progressista a partir daquilo que o brasileiro está preocupado. É isso o que está colocado.
— É possível cravar, então, que a maioria dos brasileiros, principalmente em suas camadas populares, é conservadora nos costumes e progressista na pauta social e econômica?
— Acho que sim. Apesar de que se você fizer a pergunta genericamente, por exemplo, e perguntar: “você é a favor da liberalização do preço dos combustíveis?” O brasileiro vai dizer “sim”. “Você acha que o preço da gasolina na bomba deve ser controlado e limitado?” Ele também vai achar que sim. Esse, vamos dizer, é o nosso problema hoje. Mas eu diria que essa é uma descrição. O brasileiro é conservador em valores morais e tornou-se mais conservador do que ele era nos últimos anos. Agora, ele pode favorecer uma pauta progressista. Tem lugares onde tem enormes referências, como o Sistema Único de Saúde. Inclusive, as nossas pesquisas em 2020 e 2021 mostraram isso. A performance do SUS na pandemia foi aprovada pelos brasileiros que achavam que era necessário fortalecer o SUS. O que não foi aprovado foi a performance do ministro, o que é uma coisa muito diferente. Eu acho que, sim, existem instituições estatais que têm a confiança dos brasileiros
— Com relação à reconstrução da pauta progressista, o senhor acredita que esse conservadorismo se deve ao “barulho” ou aos debates da extrema-direita lança nas redes sociais?
— Eu acho que tem dois lugares. Tivemos uma mudança no padrão religioso muito forte no Brasil. Pensa, por exemplo, qual era a estrutura religiosa no Brasil no momento da democratização. Dom Claudio Hummes faleceu agora. Era uma pessoa com enorme importância no processo de democratização, nas greves de São Bernardo e tudo o mais. Então, tínhamos uma Igreja Católica caminhando numa direção fortemente progressista. P próprio Dom Claudio apoiado pelo Dom Paulo Evaristo Arns. Isso era uma constelação de forças. E, depois, a gente tem a reação conservadora da Igreja Católica que não torna o catolicismo brasileiro mais conservador. Na verdade, isso faz com que o catolicismo perca os setores conservadores para o neopentecostalismo. Isso eu acho que é independente das redes sociais. Nem acho que as igrejas neopentecostais estejam tão fortes em termos de redes sociais. Elas são fortes mesmo em termos de tevê aberta, como a Record… Acho que ali se dá a influência delas.
E, nas redes sociais, onde ainda não temos estudos muito bons, a aparecem youtubers conservadores. Mas a gente não sabe exatamente quem os financia, mas quando ouço falar de um, ele já tem mais de 100 mil seguidores. E ali se reforçam agendas morais conservadoras. Bolsonaro faz uma coisa extremamente interessante que a gente ainda não consegue entender direito e que a esquerda ainda não consegue fazer tão bem: ele fala alguma coisa naquela live dele de quinta-feira, ao mesmo tempo isso aparece num conjunto de sites conservadores. Simultaneamente, aparecem vídeos no YouTube reforçando tais posições. Isso é uma coisa muito integrada, muito bem feita. Não sei se foi inventada aqui ou no exterior, mas ajuda essa pauta mais conservadora.
Agora, a pauta conservadora está vivendo a crise do bolsonarismo. Se a gente pensar os últimos 15 dias, tanto aquele episódio do procurador chutando a corregedora na cidade de São Paulo ou quando a gente vê a juíza de Santa Catarina, a maneira como ela atuou. Esses são os primeiros debates morais onde as posições progressistas andaram prevalecendo em muito tempo. Então, tem um limite. E existe também um maior um crescimento forte nas redes sociais da presença de atores e youtubers de esquerda. Então, existe um pouco mais de equilíbrio embora eu continue achando que a direita segue mais forte nas redes sociais e o bolsonarismo também.
— No Brasil, sempre existiram setores reacionários. Este é um país de tradição escravocrata. A Ação Integralista foi um movimento conservador e reacionário muito forte nas décadas de 1930 e 1940 e houve o Golpe em 1964. O senhor acha que os reacionários foram reorganizados pelo governo Bolsonaro e por isso ganha essa densidade quando ele faz lives e entra nesses debates?
— Existem raízes conservadoras e de direita no país, mas eu acho que existe muita renovação também. Existem outros fenômenos. Jacques Lambert escreveu “Os dois Brasis”. Ele já havia percebido isso no início dos anos 1960 quando escreveu o livro. Mas hoje continuam existindo setores conservadores no campo, setores agrários continuam sendo uma parte dos setores mais conservadores à frente do agronegócio no Congresso. Só que esses setores se renovaram. Existem novos atores e existem novas agendas.
No início dos anos 1960 era toda uma discussão sobre reforma agrária. Agora é ocupação da Amazônia de qualquer maneira, com desmatamento, mas também com violência… É o mais moderno junto com o mais atrasado. Um agronegócio extremamente moderno nas suas tecnologias, mas cometendo violências contra o trabalhador do campo. E temos setores novos também que a gente ainda não entende direito, mas são muito importantes.
O livro do Bruno Manso, “A República das Milícias”, mostra muito a formação de uma sociabilidade conservadora de extrema-direita nas favelas e comunidades do Rio de Janeiro, que também é uma coisa que veio depois da democratização. A gente também vê hoje setores muito conservadores na Amazônia. Eu acho que o conservadorismo brasileiro é uma mistura do velho e do novo. Existe um novo aí que tem a ver com processos que a sociedade brasileira passou nas últimas décadas.
— Bolsonaro tem um teto de apoiadores ou de eleitores em função do discurso radical e das posições extremas que apresentou?
— Eu conversava em 2017 e 2018 com algumas pessoas de institutos de pesquisa que diziam para mim com a maior convicção que o Bolsonaro jamais passaria dos 20% de preferência. Todas as pesquisas davam isso. Ainda em 2018, e até hoje, às vezes eu vejo algumas pessoas muito equivocadamente repetindo isso: “Ah, qualquer um menos o Haddad teria ganhado do Bolsonaro”. As pesquisas davam que era maior de 50% a parcela do eleitorado que dizia que não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum. Mas votaram.
Então, o que nós temos nos últimos dois anos é que caiu de fato o apoio ao governo Bolsonaro, ele perdeu apoios que acho muito difícil que recupere. Por exemplo, na classe média mais escolarizada das capitais do Sudeste. Ele perdeu o apoio desses setores, não é que eles se tornaram lulistas, mas alguns deles vão votar no Lula. A questão é que eles já não estão dispostos a votar no Bolsonaro pela maneira como ele lidou com a pandemia, pelos diferentes escândalos, pela maneira como trata as mulheres. Bolsonaro tem um problema com o eleitorado feminino e não parece ser capaz de resolver. Já em 2018 mais homens do que mulheres votaram no Bolsonaro. Mas esse problema se acentuou pela própria maneira como ele se refere às jornalistas mulheres e se posiciona em diferentes debates.
Não gostaria de estabelecer um teto para o Bolsonaro, não. Ele tem problema com diferentes segmentos do eleitorado. Com a população pobre da região Nordeste, com as mulheres, pelo menos da região Sudeste para cima. A região Sul hoje tem padrões mais conservadores e diferenciados. Ele tem problemas com a população negra… Tudo isso significa que o Bolsonaro sai atrás em muito grupos. Ele é capaz de reverter isso? Muito dificilmente. Mas está tentando com as maneiras que ele tem. Por exemplo, o aumento do Auxílio Emergencial… O Bolsonaro agora já tem uma posição, ele é contra assédio sexual em ano eleitoral. Nos outros, a gente não sabe. Pelo menos nunca falou sobre o assunto. Para o governo Bolsonaro, o que aconteceu ali na Caixa Econômica Federal mostra uma mudança de posição. Ele está tentando se aproximar do eleitorado feminino.
— Um novo governo, com políticas bem-sucedidas, poderia diminuir a força da extrema-direita no Brasil?
— Bolsonaro conseguiu agregar um movimento de atores muito diferentes. O garimpeiro que fazia garimpo ilegal na Amazônia, o neopentecostal da região Sul, alguns conservadores de classe média… Não parecia que esses movimentos poderiam estar relacionados entre si. Bolsonaro teve essa capacidade de agregação. A gente tem que reconhecer isso. Ele conseguiu agregar movimentos conservadores de diferentes matizes e em diferentes lugares do Brasil. Isso significa que o Bolsonaro, provavelmente, vai ser derrotado eleitoralmente, mas, provavelmente, ele é o líder da extrema-direita no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2023.
Nesse ponto o Brasil é muito parecido com os EUA. Todo mundo achou que Trump estivesse acabado após deixar o cargo. Não. Olha: 60% dos candidatos que ganharam primárias do Partido Republicano apoiam a posição do Trump sobre 6 de janeiro. E dizem que ele estava certo em questionar o resultado eleitoral. Então, o bolsonarismo vai continuar. Evidentemente, tem muita coisa que vai acontecer a partir daí e que a gente não conhece. A CPI do MEC, o que vai revelar? Se mostrar relações profundas entre a corrupção no MEC e o bolsonarismo, isso vai enfraquecer o bolsonarismo. Pode até mesmo causar uma divisão por causa da atuação dos pastores com a de outros atores. Mas, neste momento, é correto trabalhar com a ideia de que o Bolsonaro vai ser o líder de um movimento de extrema-direita de oposição ao próximo governo.
— A esquerda tem vontade de enfrentar algumas questões consideradas disruptivas, como aborto, descriminalização das drogas, diminuição da maioridade penal… Mas há um temor de que isso possa influenciar no eleitorado, principalmente, de corte popular. São questões problemáticas para os progressistas brasileiros…
— Eu concordo. Aliás, eu tive acesso a uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo com os não polarizados e esse levantamento já mostrava como a questão do aborto era muito sensível não entre os polarizados, mas, exatamente, entre os não polarizados. Discriminalização das drogas é uma questão um pouco complicada, acho que é possível uma discussão mais construtiva. Uma parte grande das democracias mais avançadas descriminalizaram pelo menos a maconha e isso tem sido uma tentativa não só de criar uma nova narrativa, mas de diminuir a população carcerária. É importante para o Brasil ter uma agenda de diminuição da população carcerária, pessoas presas que viram criminosos perigosos dentro dos presídios. O próprio governo Temer estava elaborando uma proposta nessa direção, mas não chegou a concretizá-la.
Mas o melhor mesmo é que a eleição não trate dessas questões e que elas não sejam parte da polarização. A questão central desta eleição é uma ampla frente de reconstrução da democracia, de uma política de direitos humanos, de uma política ambiental que permita ao país a sua reinserção nesses arranjos climáticos internacionais. Além de uma política emergencial de segurança para a população de baixa renda que tanto tem sofrido desde o início da pandemia. Esses são os pontos nos quais o bolsonarismo é vulnerável. São essas as questões que devem ter centralidade na campanha.