Em nome de quem?
A malta bolsonarista encravada nos institutos Sagres e Villas Bôas, criados por generais da reserva linha dura, se assanham em projetar uma Nação distópica para o Brasil em 2035, com cobrança de mensalidade para o uso do SUS e das universidades públicas. Nem a ditadura tinha um projeto político tão anti-popular
A tigrada está ouriçada. Na última semana, um documento elaborado por generais da reserva mais linha dura, discípula de Sylvio Frota, que projeta um país bolsonarista para daqui a 13 anos, assustadoramente entreguista e anti-popular, veio a público.
O documento mostra que no bolsonarismo nem o futuro é bom. O arremedo se chama “Projeto de Nação – o Brasil em 2035”, elaborado pelos institutos General Villas Bôas (IGVB), Sagres e Federalistas, think tanks de caráter militar, claramente inspirados na Guerra Fria e no anticomunismo dos anos 50.
O texto aborda temas como “integração da Amazônia” e prevê a cobrança de mensalidade para universidades públicas e o Sistema Único de Saúde (SUS). No Brasil dos linha-dura da caserna, nada mais seria gratuito. Tudo tem preço. O texto se divide em sete eixos: 1) geopolítica mundial, 2) governança nacional, 3) desenvolvimento nacional, 4) ciência, tecnologia e educação, 5) saúde, 6) segurança e 7) defesa nacional.
O calhamaço de inspiração bolsonarista tenta pintar um país ainda mais autoritário, com colorações quase fascistas ao prever a “neutralização” do “poder político e social das correntes de pensamento radical”, “que dividem a Nação”. A pataquada está na página 32 do documento, sobre o tema “O futuro da democracia no ocidente” e lembra os piores momentos da doutrina ideológica de Washington da primeira metade do século 20. Neutralizar em jargão militar é exterminar adversários.
O termo lembra as referências nada discretas do presidente da República, que antes de ser eleito, anunciou em 2018 que a “petralhada iria parar numa “ponta de praia”, o termo utilizado pela tigrada nos anos de chumbo para execução de opositores e desova de corpos de militantes de esquerda longe dos olhares do Estado e suas instituições.
O documento lembra os piores momentos de Olavo de Carvalho ou Ernesto Araújo, dois próceres do pensamento reacionário do bolsonarismo. Como se estivesse fazendo uma avaliação do cenário do país em 2035 — uma projeção futurista com cores da primeira metade do século 20 —, o documento enaltece o reacionarismo, travestido de patriotismo. “Nas últimas duas décadas, sucessivas manifestações de grande porte tiveram, como ator coletivo, significativa parcela do povo que hoje se identifica como conservador e liberal, pressionando por mudanças estruturais no sistema de educação e no sistema político, em um processo que culminou com o despontar de novas lideranças”, aponta o texto.
Segundo Villas Bôas e os generais do Instituto Sagres, a principal ameaça ao Brasil na política externa em 2035 é o chamado “movimento globalista”. Nos tempos do chanceler reaça, a explicação para o globalismo é simples: o conjunto de forças “cujo objetivo é determinar, dirigir e controlar as relações entre as nações e entre os próprios cidadãos, por meio de posições, atitudes, intervenções e imposições de caráter autoritário, porém disfarçados como socialmente corretos e necessários”.
Substitua a palavra globalismo por marxismo e, voilá, você está na América do senador Joseph McCarthy. Direto nos anos 40 e 50. Na educação, por exemplo, no Brasil dos think tanks do bolsonarismo, o ensino foi desideologizado, assim como a cultura nacional.
O texto não fala, mas imagina-se que neste cenário poderia-se criar os Comandos de Caça aos Globalistas, remetendo ao velho CCC de saudosa memória para a geração dos generais que estão à frente da iniciativa.
A área de educação lembra um capítulo de George Orwell, autor de 1984: “Os currículos foram ‘desideologizados’ e hoje são constituídos por avançados conteúdos teóricos e práticos, inclusive no campo social, reforçando valores morais, éticos e cívicos e contribuindo para o progressivo surgimento de lideranças positivas e transformadoras”. É como se os empresários Luciano Havan e Salim Mattar tivessem conseguido varrer os esquerdistas dos campi universitários e enterrado os professores “vermelhos”.
Isso explicaria e tornaria mais do que natural que o governo federal passaria a cobrar, a partir de 2025, indenizações pelos serviços prestados, exclusivamente das pessoas cuja renda familiar fosse maior do que três salários mínimos. Claro, nem tudo foi fácil. “Essa medida encontrou forte resistência, especialmente a oposição política, mas atualmente comprova-se que não somente trouxe mais recursos para o SUS como também racionalizou atividades e procedimentos — o que contribuiu para o aperfeiçoamento da gestão”. É rir para não chorar.
No item referente à Amazônia, o documento é mais radical do que o de Bolsonaro. Explicita a flexibilização total das legislações referentes à exploração de minérios, bem como a regulamentação da participação do capital estrangeiro nessas atividades — um ensaio mais profundo do que o bolsonarismo vem desenvolvendo com a defesa da exploração total e imediata de áreas indígenas, como propõe o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Augusto Heleno.
O documento diz que é preciso “remover as restrições da legislação indígena e ambiental, que se conclua serem radicais nas áreas atrativas do agronegócio e da mineração”.
O ‘Projeto de Nação’ ainda defende a cobrança de mensalidade nas universidades públicas. “Um marco importante para a melhoria de desempenho das universidades públicas, mas que sofreu forte resistência para vingar, foi a decisão de cobrar mensalidades/ anualidades, segundo critérios que levaram em conta a renda pessoal do aluno e ou de seu responsável, o número de alunos sob o mesmo responsável, a concessão de bolsas a alunos de camadas carentes e para os de elevado nível de desempenho”. Imagine-se que isso também aconteceria nas escolas e academias militares. Mas o texto não menciona tal feito. Lançado no dia 19, com a presença do ex-comandante do Exército general Eduardo Villas Bôas, um dos idealizadores do documento, o projeto foi apresentado ao som da música “Eu Te Amo, Meu Brasil”, a mesma que tocava durante os anos 70 para celebrar a ditadura militar no país, imortalizada pelos Incríveis. “Certamente, aqui está uma parcela importante do pensamento estratégico do Brasil”, disse o ex-comandante do Exército em discurso lido por sua esposa, Maria Aparecida Villas Bôas. Ao lado dos convivas, o vice-presidente Hamilton Mourão se fez presente.
No Brasil de Villas Bôas e dos bolsonaristas mais radicais, o futuro é mais parecido com o passado dos integralistas liderados por Plínio Salgado, do que um episódio dos Jetsons. É uma distopia digna da literatura de George Orwell ou Philip K. Dick. Um Brasil anti-popular, reacionário, conservador, onde os ricos ficarão inacreditavelmente mais ricos, e onde se paga por tudo. Mas os “globalistas” estão à espreita. Procurando encrenca. •