Sinal amarelo em Washington
No Senado norte-americano, os democratas cobram da administração Biden uma posição mais dura aos constantes ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral e às instituições brasileiras
As ameaças à democracia feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, com reiterados ataques ao Poder Judiciário, a integrantes de tribunais superiores e às urnas eletrônicas entraram no radar da comunidade internacional. Nas duas últimas semanas, agências internacionais de notícias deram destaque às declarações abusivas do líder da extrema-direita brasileira, questionando o processo eleitoral e cobrando uma auditoria privada das urnas eletrônicas.
A retórica agressiva de Bolsonaro acenderam o sinal amarelo no Senado em Washington, obrigando o governo Joe Biden a simular alguma preocupação com o risco de ruptura no maior país da América Latina. Biden até afrouxou o cerco a Bolsonaro, tentando superar o impasse da diplomacia norte-americana, ameaçada pela perda de influência enquanto se prepara para realizar a Cúpula das Américas, no início de junho. Ele quer Bolsonaro no evento.
Na quarta-feira, 18, a diplomata Elizabeth Bagley, indicada por Biden para a Embaixada dos EUA no Brasil, declarou durante sabatina no Senado: “Eles (brasileiros) têm um sistema eleitoral democrático, têm um judiciário e legislativo independentes, têm liberdade de expressão. Eles têm todas as instituições democráticas de que precisam para ter eleições livres e justas”, disse.
A diplomata foi comedida no uso das palavras, acrescentando que acompanha os processos eleitorais há 30 anos e destacou que as instituições democráticas do Brasil estão funcionando. “Sei que não vai ser um momento fácil, por causa dos muitos comentários dele”, disse, referindo-se às acusações e suspeitas lançadas por Bolsonaro. “O que vamos continuar a fazer é mostrar nossa confiança e nossa expectativa de que eles terão uma eleição livre e justa”, disse.
Os comentários vieram depois que o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, o democrata Bob Menendez, perguntou à diplomata quais medidas ela tomaria para garantir o apoio à integridade das próximas eleições brasileiras em outubro. A ala progressista do Partido Democrata teme que o regime brasileiro venha a sofrer novos recuos a partir da leitura reativa de Bolsonaro do processo eleitoral de outubro. Há o temor no Capitólio de que ele repita Donald Trump e não aceite o resultado, em que provavelmente amargará uma derrota para Luiz Inácio Lula da Silva, líder das pesquisas.
“A relação bilateral com o Brasil exigirá um forte porta-voz (dos Estados Unidos) no Brasil, principalmente enquanto o país se prepara para contenciosas eleições presidenciais em outubro”, afirmou o senador democrata Edward J. Markey, de Massachussets. “Você está indo para um país onde o retrocesso democrático é uma preocupação real. Estamos preocupados com o atual líder do Brasil, que tem tentado minar a essência do processo eleitoral”, reforçou Menendez.
O presidente do Brasil tem alegado repetidamente que o sistema de votação e suas máquinas são passíveis de fraude. As declarações têm sido reiteradas, mesmo sem que Bolsonaro tenha fornecido qualquer evidência e tendo sido ele mesmo eleito em 2018 com as mesmas urnas eletrônicas introduzidas há 26 anos.
As relações entre as duas maiores democracias das Américas esfriaram desde que Biden assumiu a presidência. Admirador do ex-presidente Donald Trump, Bolsonaro demorou a reconhecer a vitória de Biden. No início do ano passado, o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA também cobrou do Itamaraty uma condenação do ataque de Trump ao Capitólio.
Na ocasião, Menendez criticou duramente o então chanceler do Brasil, Ernesto Araújo. “O Brasil está priorizando essencialmente o relacionamento de seu governo com uma facção estreita e radical do espectro político dos Estados Unidos”, condenou. “Este é um erro estratégico significativo que pode ter ramificações para nossas relações diplomáticas no futuro. Tais comentários não são ações de um aliado e podem prejudicar a parceria entre os EUA e Brasil”.
Ainda na quarta-feira passada, um grupo de advogados e juristas solicitou à Organização das Nações Unidas que visitem o Brasil e denunciem os atuais ataques do presidente da República ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior Eleitoral. Eles sustentam que o órgão eleitoral e os tribunais enfrentam uma campanha de desconfiança sem precedentes, lançada por Bolsonaro e seus apoiadores. •