Entrevista James Green - “Os militares se acham representantes do Poder Moderador”

Historiador e ativista LGBTQIA+, James Green continua atento à cena política brasileira, mesmo lecionando fora do país. Ele alerta que um futuro presidente democrático deverá explicitar o verdadeiro papel das Forças Armadas na condução da vida brasileira. E diz que sente orgulho de sua militância no PT

 

 

James Green é um historiador estadunidense, professor e pesquisador da Brown University, nos Estados Unidos. Green é especialista em América Latina e Brasil. Ele coordena o mais importante e mais reconhecido centro de estudos sobre a história do Brasil fora do país. O historiador morou no Brasil entre 1976 e 1982, época em que colaborou para a formação do movimento LGBT e também participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Nos últimos anos, ele acompanhou de perto o processo do Golpe em 2016 e criou nos EUA uma rede de defesa da democracia brasileira.

A ditadura militar brasileira é um dos temas sobre os quais James Green se aprofundou. Na entrevista à Focus Brasil, ele fala sobre a nova tensão entre os militares e o Poder Judiciário, aparentemente, uma reedição do que ocorreu em 2018, quando o comandante do Exército pressionou o STF a não permitir que o ex-presidente Lula fosse solto. Além disso, o professor fez análises sobre a crise política e social que o Brasil vem enfrentando desde 2014. A seguir, leia a íntegra da entrevista:

 

– Como o senhor enxerga essa tradição dos militares brasileiros de se sentirem no direito de atuar como moderadores da política e do comportamento do país?

– Essa característica está nas origens da fundação do Brasil. Em 1824, na Constituição que D. Pedro assinou, o Poder Moderador já estava embutido na estrutura executiva do país como essa quarta instância do governo. Com a fundação da República ficou estabelecido que o presidente não teria esse poder extra do D. Pedro II, mas já existia uma tradição muito forte nesse sentido. E quem assumiu esse papel foram as Forças Armadas, quer dizer, aqueles que derrubaram D. Pedro II e assumiram a República. Foi um golpe. E depois foram nove intervenções diretas na política brasileira a partir de 1889. É uma tradição muito profunda. As Forças Armadas se acham o representante do Poder Moderador entre as outras instituições. O mais grave foi em 1964, quando com um discurso democrático, eles fizeram uma ditadura de 21 anos. [Isso aconteceu] dentro do contexto da Guerra Fria com o apoio dos americanos.

Mesmo com a transição democrática sendo uma coisa lenta, moderada, conciliada, as Forças Armadas nunca foram punidas pelos abusos contra direitos humanos ou contra a democracia com os Atos Institucionais. Eles voltaram para as casernas, mas nunca houve esse processo de avaliação, e por isso eles se sentem com todo o direito de, mais uma vez, fazer uma intervenção na política atual.

 

– E o que poderia ser feito para alterar essa cultura, na sua perspectiva?

– Não vai dar pra gente corrigir os erros do passado como a Lei de Anistia, que foi interpretada de maneira que ela também devesse absorver as pessoas que cometeram crimes de Estado torturando cidadãos. Mas eu acho que houve, com a Nova República, a tentativa de manter um civil no Ministério da Defesa. Só que isso também foi violado. Existem militares que acham que têm todo o direito de dirigir as Forças Armadas. Em outras democracias, a direção é de um civil e do presidente que, teoricamente, é o comandante das Forças Armadas. Na maioria das democracias também costuma ser um civil. O problema com o Bolsonaro é que ele vem com uma tradição militar e acha que representa uma visão das Forças Armadas, essa foi a sua função dentro do Congresso durante 28 anos. Quando o presidente Lula comentou que é fundamental não depender das Forças Armadas para administrar o governo, ele tem toda a razão. São mais de oito mil militares que estão em funções administrativas, o que não é o papel deles.

O papel das Forças Armadas de um país é defendê-lo contra inimigos externos e o Brasil não tem nenhum inimigo, nenhum vizinho ou outro país que esteja interessado em invadi-lo. As Forças Armadas são frustradas e querem assumir outros papéis como o de Poder Moderador. Eu acho que a primeira tarefa é indicar um civil para ser ministro da Defesa e que o novo presidente seja muito claro sobre a função das Forças Armadas, que é proteger as fronteiras e, eventualmente, atuar em caso de desastres naturais ou coisas do tipo, mas não para intervir na sociedade civil.

 

– Certo. Mas e esse saudosismo da ditadura militar que existe em uma parcela considerável da sociedade, algo que ajudou a eleger o Jair Bolsonaro, qual é a sua perspectiva sobre isso?

– [Isso existe] Exatamente porque não houve esse debate nos anos 1970 e 1980 sobre o que foi a ditadura. E, claro, professores universitários produziram livros, documentários, cineastas fizeram filmes, mas não alcançaram a sociedade como um todo. Não houve uma discussão nacional. Recentemente, eu estive na Alemanha e o que me chama muito a atenção é que nos primeiros anos depois do nazismo houve um silenciamento da participação do povo alemão na colaboração com os nazistas. Mas nos anos 1970 e 1980 ocorreu uma discussão profunda na sociedade e o povo alemão tem uma consciência muito grande das suas culpas, como nação, pelos crimes do passado. Eles são profundamente conscientes do papel que seus avós e bisavós cumpriram naquela época. É parte do legado da história do país. Isso não aconteceu no Brasil.

As novas gerações não necessariamente tiveram informações amplas sobre o passado. É absurdo que depois da declaração da Miriam Leitão sobre a tortura sofrida por ela, ocorra um debate se realmente houve tortura. Esse questionamento não existe na área acadêmica entre quem estuda o período, mas ainda é um debate porque forças utilizam a falta de informação de setores do país para reciclar essas mentiras sobre o passado.

Tem outro elemento, como a ditadura era uma coisa muito contraditória em vários sentidos, houve uma expansão econômica num determinado momento, o crescimento da indústria automobilística na qual o Lula e outros trabalhadores conseguiram melhorar de vida trabalhando em fábricas e ganhando um salário decente. Isso também criou uma contradição no imaginário das pessoas por causa dos momentos positivos na economia. Embora nós saibamos que tenha sido uma expansão parcial e desigual, existe essa fantasia do passado de que era um tempo de ordem, em que a criminalidade era menor assim como a violência. Tudo isso teria surgido depois, então aparece a ideia de que se o país voltar a ter um Estado mais autoritário esses problemas “posteriores” seriam eliminados, a sociedade melhoraria e também a economia. Nós sabemos que isso não aconteceu nos últimos três anos e meio, mas continua sendo parte desse discurso que lembra um passado que nunca existiu.

 

– Esse crescimento do neofascismo, desse autoritarismo, é mundial. Esse reacionarismo internacional tem a ver com uma articulação do capital financeiro para deter o neokeynesianismo, novamente? Para deter a social-democracia? 

– Eu acho que é mais complexo do que isso. Por exemplo, ocorreu uma restruturação do capital nos países industrializados. Eles procuraram países que tivessem mão de obra mais barata e onde não existissem sindicatos fortes, por isso, em certo momento houve um grande investimento no Brasil. Durante a ditadura, até 1975, 76, realmente não tinha nenhuma proteção para os trabalhadores, era proibido fazer greves. Então, o capital, grandes indústrias, multinacionais procuraram países onde eles conseguiriam produzir mais lucro em função de os trabalhadores não terem proteção sindical contra essa “superexploração”. Isso cria nos países da Europa e nos EUA uma desindustrialização e camadas das classes trabalhadoras, no caso dos americanos, muitos brancos, começaram a ficar ressentidas porque foram perdendo padrão de vida ao longo dos anos. Existe esse ressentimento e eles procuram um bode expiatório. Ao invés de criticar as empresas que levaram suas fábricas para outros países, eles culpam os trabalhadores mexicanos e centro-americanos que procuram nos EUA melhores condições de vida mesmo trabalhando em empregos precários e com salários menores. Portanto, é um racismo anti-imigrantes que não tem nada a ver com a razão do problema.

Isso tudo se combina com o fato de que a partir dos anos 1960, e nos EUA dos anos 1950, houve transformações sociais fundamentais sobre a forma como a sociedade estava estruturada. Movimentos sociais questionaram as hierarquias sociais que existiam. Isso causava muita ansiedade entre os setores sociais que se sentiam ameaçados com essa reorganização do imaginário da sociedade ou pela maneira como as mulheres passaram a ter um papel mais importante na economia e na sociedade. Isso criou outra reação. O Bolsonaro no Brasil, para mim, é uma resposta, em parte, aos novos movimentos sociais reivindicando uma plena democracia, o que gera preocupação em outros setores que se sentem ameaçados com essa mudança.

E a questão da religião entra nisso porque as religiões são redes de apoio das pessoas marginalizadas. Por exemplo, as igrejas evangélicas no Brasil são lugares importantes para muitas pessoas pobres ou trabalhadoras que enfrentam diversos problemas. É um apoio espiritual e emocional, mas também é uma rede econômica que ajuda as pessoas a sobreviver. Então, eles respondem a uma instabilidade da economia capitalista e ainda aderem a essas ideias reacionárias porque elas criam uma noção de conforto. Esse conforto vem da ideia de uma família estável na qual o marido não bebe, todo mundo trabalha, os filhos respeitam os pais e onde não havia comportamentos vistos como alternativos ou diferentes. São muitos elementos. Não se trata apenas de uma explicação pelo viés econômico, que não dá conta da complexidade do que nós estamos vivendo.

 

– E nessa complexidade ainda existem “ferramentas do ódio” que são as redes sociais online. A forma como elas afetam as pessoas é um acontecimento na história do mundo.

– Com certeza. [As redes sociais] Reforça[m] tudo isso porque hoje em dia, primeiro, há uma pluralidade de informação e isso cria uma situação de bolhas onde as pessoas só recebem informações que fazem parte das suas próprias bolhas. Isso pode criar uma repetição de mentiras, de informações falsas. As mídias sociais são uma carência social. As pessoas procuram através dessas redes sociais uma comunidade, uma comunicação com as pessoas. Mas também cria essa possibilidade da circulação de informação totalmente falsa e imediata, sem mediação de instituições que poderiam apontar o que é ou não verdadeiro. É claro que como a grande imprensa, no caso do Brasil, é em geral muito conservadora, eles repetiram muitas mentiras globais sobre a realidade brasileira. Mas havia uma certa noção de liberdade de imprensa, de questionamento desses discursos conservadores e isso não existe dentro das redes sociais online. Trata-se de algo totalmente descontrolado. Nesse sentido, quando se fala da necessidade de controlar a mídia, não é de censurar a mídia, mas de criar condições para que não haja circulação de mentira e coisas que são obviamente falsas. Um exemplo é as pessoas terem acreditado que cloroquina podia curar alguém da covid-19, foi muito amplificado pelo presidente, mas também pelas redes sociais. Isso foi criminoso. Pessoas morreram por causa dessa orientação falsa.

 

– Qual foi o papel da imprensa brasileira no processo político e social pelo qual o Brasil vem passando desde 2014? Agora, apesar de o Sergio Moro ter sido considerado suspeito pelo STF e agora pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, parte considerável da grande imprensa ainda trata o ex-presidente Lula como se ele fosse suspeito.

– Perfeito. Primeiro, a grande mídia brasileira é totalmente conservadora. Existem colunas de pessoas progressistas na Folha [de S. Paulo] e em outros veículos, o que dá uma aparência de neutralidade, mas a linha editorial, a maneira como as notícias são dirigidas é pela ideologia conservadora. Por exemplo, todo o espaço que abrem para a terceira via que não existe. É absurdo. E insistem em falar da terceira via quando os nomes que ocupariam essa posição têm 1% ou 2% [das intenções de voto]. A Vera Lúcia, candidata do PSTU, tem 1%. Ela é trotskista, tem uma posição bastante radical. E o João Doria (PSDB) tem 2%. No passado, a imprensa jamais teria dado atenção a esse patamar de intenção de voto. Depois, a imprensa também insiste numa chamada “polarização” na sociedade. É verdade que a sociedade está dividida. Mas a divisão é em três partes: as pessoas que vão apoiar o Bolsonaro; pessoas que vão apoiar o Lula e o setor que está muito cético, muito cínico e muito contaminado pelas campanhas que foram feitas pela grande mídia sobre o Lula.

Como eu não moro no Brasil, não tenho família brasileira, mas tenho muito amigos e eles compartilham das minhas ideias, uma das minhas fontes de informação são os motoristas de Uber. Eu sempre entro no carro perguntando “sou americano, vai ter eleição, sei que tem vários candidatos. Quem vai ser o próximo presidente?”, e assim começamos a conversar. Eu tento dirigir a discussão para ter uma noção do que eles estão pensando. Como é uma faixa que em geral apoia o Bolsonaro – é uma indicação não científica da realidade –, me chama muita atenção a infiltração das mentiras e das más informações sobre o presidente Lula. As pessoas acreditam nessas histórias contra o Lula. Infelizmente, nem a declaração da ONU vai eliminar essa contaminação que milhões de pessoas receberam por influência da mídia ao longo os anos.

Se compararmos as chamadas “pedaladas” da presidenta Dilma que nunca ocorreram da forma como eles apresentaram, com tudo o que esse governo tem feito agora, o Bolsonaro teria que ser alvo de impeachment 10 mil vezes porque ele cometeu inúmeras irregularidades, mas nada “pega” porque o Centrão controla o processo. É uma situação da mídia combinada com um Congresso muito conservador. Acaba fazendo com que muitas pessoas se tornem cínicas sobre o processo político. Isso deve fazer com que muitos anulem seus votos.

 

– Nos entrevistamos aqui a Eleonora de Lucena e ela mencionou que em 2010 ou 2011 a então presidenta da Associação Nacional de Jornais (ANJ) fez uma fala dizendo que o Brasil não tinha oposição e que a imprensa precisaria atuar como oposição.

– Esse é um dado interessante porque, na verdade, a grande imprensa brasileira cria as condições para a eleição do Bolsonaro. Não somente eles porque era uma série de fatores, mas foram um elemento importante. E eles só entraram em conflito com o Bolsonaro quando ele começou a atacar a própria imprensa e a ameaçar de retirar recursos estatais dessas empresas. Nos EUA, durante o governo do Trump, o New York Times e o Washington Post foram fundamentais para revelar todos os erros e os problemas do governo Trump. Graças a esses jornais houve uma circulação de ideias alternativas sobre o governo. Se ficasse na dependência da Fox News que é uma grande emissora e apoiadora do Trump, seria impossível. Essa foi a realidade brasileira. Durante o governo da Dilma Rousseff e mesmo depois, com o Temer, a grande mídia passou todo o tempo apoiando medidas para destruir a esquerda brasileira. Existem veículos de imprensa alternativos, mas não têm o mesmo alcance nacional da grande mídia. E hoje em dia é quase impossível alguém fundar um novo grande jornal. A esquerda brasileira tem uma situação muito difícil e depende muito da mídia alternativa para divulgar as suas ideias e, em certo sentido, é um pouco precária essa maneira de circular informação.

 

– Como o senhor enxerga a política do Joe Biden para a América Latina? É semelhante ao período do Donald Trump, difere do que veio antes?

– Essa também é uma questão muito complexa porque existe uma tradição americana, desde 1846, quando invadiram parte do México e roubaram parte do território mexicano, de que os americanos têm o direito de ocupar toda a parte Norte do continente. A partir do final do século 19, surge a ideia de que a América Latina era o quintal dos EUA, onde ele teria o direito de ter grande influência. Os EUA expandiram essa influência diante de fraquezas do império inglês que dominava a América Latina. Isso se reforçou durante a 2ª Guerra Mundial quando EUA e Brasil foram aliados e durante a Guerra Fria que cria toda uma situação de dominação, de influência norte-americana na América Latina. Existem, dentro do próprio Partido Democrata quanto no Partido Republicano, grandes setores que acham que o interesse americano, em qualquer momento, justifica qualquer coisa. E esses interesses são de grandes companhias que têm investimentos mundiais. Ou seja, não são interesses de qualquer cidadão americano. Eu acho que eles influenciam o governo do Biden e estão interessados em manter essa influência. Porém, existe outra experiência nos EUA que foi a do Trump e o trauma que nós vivemos durante os quatro anos de um governo semifascista com um “cara” autoritário.

Nesse sentido, eu acho que quando começamos a organizar o movimento nos EUA, defendendo a democracia no Brasil em 2016, fazendo críticas ao Sérgio Moro, às medidas do impeachment da Dilma, às medidas do governo do Temer e à eleição de Bolsonaro, as pessoas entenderam mais facilmente o Brasil, em termos gerais. Eles podiam fazer uma analogia entre o Trump e o Bolsonaro. Tanto que um jornalista chamou o Bolsonaro de “Trump dos trópicos”. Quando nós falávamos com a mídia americana, eles tinham certa compreensão sobre a realidade. Parcial. Porque sempre o Norte conhece muito mal o Sul. Tem uma série de estereótipos e imagens sobre o Brasil que são totalmente parciais. Porém, existe o fato de que houve setores do governo Biden que tiveram receio de manter relações abertas com o governo Bolsonaro. Tem o fato de 64 deputados do Congresso americano terem assinado recentemente uma carta dirigida ao Biden dizendo que era melhor não manter relações normais com o Brasil na medida em que os direitos humanos estavam sendo violados e o meio ambiente estava sendo violado. Isso cria uma tendência de que o governo Biden seja mais cauteloso com os interesses históricos americanos no Brasil e na América Latina.

Isso não quer dizer que em outros momentos também recentes, o governo americano não tenha feito coisas que eu considero totalmente nefastas e criticáveis. Mas, por exemplo, nas eleições todas as pesquisas indicam que Lula vai ser eleito. Bolsonaro está, como o Trump fez, já dando sinais de que não vai aceitar os resultados, o que pode mobilizar as Forças Armadas, ou pode fazer algo alegando que a urna eletrônica é inválida como o Trump fez nos EUA contra o sistema eleitoral americano. Nesse sentido, se tiver uma eleição democrática, e eu acredito que vai ter, vai ser fundamental, algo que é tradição desde 1989, o governo americano reconhecer, imediatamente, o resultado das eleições. Essa é uma preocupação de um setor progressista tanto do Congresso como da sociedade civil americana mobilizada para defender a democracia e garantir que se o povo brasileiro decidir que é o Lula que tem que ser o presidente, que o reconhecimento seja imediato.

 

– O senhor morou aqui no Brasil há algumas décadas e foi um dos precursores da luta LGBTQIA+. O Brasil continua sendo o país que mais mata homossexuais, travestis, transexuais. O senhor vê avanços com relação aos direitos dessa comunidade no Brasil?

– Eu estava em São Bernardo no lançamento da pré-candidatura da Symmy Larrat que é candidata a deputada federal pelo PT. Eu chorei nessa cerimônia porque foi realizada na sede do PT de São Bernardo, tinha representantes da prefeitura, vereadores, deputados estaduais e federais apoiando uma trans candidata pelo PT. Eu tenho muito orgulho de dizer que quando eu morei no Brasil, o PT permitia a participação de estrangeiros no partido e eu fui um dos fundadores do PT, militava no [bairro] Bela Vista com a Clara Ant. E eu vi muitas mudanças na sociedade e na própria esquerda que, realmente, teve uma revolução em termos de compreensão da questão LGBT. Eu tenho orgulho de dizer que fui a pessoa que mais iniciou esse diálogo aqui no Brasil em 1979, 80, 81. Tiveram as greves gerais em 78, 79 e 80. Durante a terceira, o Lula estava preso e o sindicato estava sob intervenção. Nós levamos 50 gays e lésbicas para o 1º de Maio de 1980 com duas grandes faixas. Uma, contra a intervenção no sindicato dos Metalúrgicos do ABC e outra, contra a discriminação de trabalhadores homossexuais.

Hoje em dia, eu vejo que os sindicatos, o MST e a sociedade civil compreendem as nossas reivindicações. Ainda é parcial, existe muita homofobia mesmo dentro da esquerda. Isso é normal se você tem três, quatro mil anos de homofobia na sociedade. É difícil eliminar esse mal em 40 anos, mas eu vejo muitos avanços. E tem o fato de que a visibilidade também atrai, ironicamente, a violência na medida em que as pessoas conquistam os espaços. Outros ficam muito ansiosos com relação a essa conquista dos espaços e respondem com violência. Mas eu acho que existem avanços extraordinários.

É importante lembrar, no congresso da fundação do PT, em 1980, o Lula deixou muito claro que dentro do partido – eu não vou poder citar exatamente, mas isso saiu na Folha de S. Paulo – “tem espaço para pessoas homossexuais e que vão ser parte do nosso partido”. Eu tenho o prazer de ter acompanhado esse processo desde o começo. Me emociona muito quando penso nisso. •