Um inimigo na Petrobrás

Bolsonaro indica Adriano Pires, lobista que atuou como consultor de petroleiras americanas e que defende abertamente a venda da maior empresa brasileira. Ele substitui o general Luna e Silva, e PT diz que Planalto não mexe na política de preços

 

O governo mais entreguista da história do Brasil, enfim, conseguiu colocar à frente da direção da Petrobrás — a maior empresa do Brasil — um inimigo da estatal. Diante da queda de popularidade e da responsabilidade pela explosão de preços das tarifas de combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro anunciou no início da semana o novo presidente da Petrobrás. Sai o general da reserva Joaquim Silva e Luna e entra o economista Adriano Pires.

A troca é de seis por meia dúzia, mas o burocrata é pior do que o militar. Consultor privado e inimigo da Petrobrás, o novo presidente da estatal faz a defesa da venda da empresa desde os anos 90. Em outubro passado, antes do impacto da guerra na Ucrânia, com o país já vivendo a alta da gasolina e do gás de cozinha, Adriano Pires defendeu a entrega da empresa. “A solução final para os preços dos combustíveis é privatizar a Petrobrás”, escreveu.

O governo faz a mudança na terça-feira, 29, mesmo dia que o Datafolha trouxe o grau de descontentamento da população com a condução do governo por Bolsonaro. O levantamento mostra que 75% dos brasileiros consideram Bolsonaro o responsável direto pela alta dos preços dos combustíveis, entre os itens que mais pesam no cálculo da inflação medida pelo IPCA. A gasolina subiu 46% nos postos de abastecimento do país em 2021. O diesel 25%. E o gás de cozinha teve alta de 35,16%. Os três índices estão muito acima do IPCA, que acumula alta de 10,54%.

A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), criticou duramente a substituição no comando da maior empresa de energia do Brasil. “Adriano Pires sempre defendeu entrega do pré-sal e indicação mostra viés antipovo do governo Bolsonaro”, resume a parlamentar. “Chega de intermediários. A Petrobrás agora é deles. Que triste”, lamentou.

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) denunciou a irresponsabilidade do governo. “Bolsonaro decide demitir o presidente da Petrobras, general Silva e Luna, mas não apresenta qualquer inciativa para reduzir o preço dos combustíveis”, destacou. “A solução é Lula para abrasileirar os preços”. Rogério ressalta que a Petrobrás é uma empresa pública que mexe com um insumo estratégico que movimenta toda a economia. “Isso é uma questão de segurança nacional”, aponta.

Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Petrobrás, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) também criticou o Planalto. “Em fim de governo, o Bolsonaro não se emenda. Ele não resolve os problemas do país, não assume suas responsabilidades e erros e demite o presidente da Petrobrás”, disse. “Isso não vai resolver os preços dos combustíveis, mas vai dar a Bolsonaro desculpa para continuar enrolando os brasileiros”.

Em 2014, durante a campanha eleitoral, Adriano Pires teve o seu nome ventilado para a presidência da Petrobrás, caso o então senador Aécio Neves (PSDB-MG) vencesse. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante do Instituto Milenium, think tank da direita ultraliberal brasileira, financiada pela Rede Globo, Editora Abril, Estadão e outros veículos de mídia, como a Folha de S.Paulo, Adriano sempre se posicionou contra o regime de partilha do pré-sal e a favor da venda da empresa.

Quando surgiram as primeiras reações ao descontrole da Petrobrás, que tem aumentado os preços dos combustíveis ao calor dos ventos do mercado internacional, e a mídia começou a alertar contra o “populismo” no preço dos combustíveis, Pires defendeu como solução a venda das refinarias.

Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), uma consultoria que atende ao mercado, Pires é amplamente favorável a venda de ativos. “A privatização vai ajudar a Petrobrás a não sofrer o risco de intervenção, porque a empresa passa a concorrer com investidores privados, apesar de as refinarias ficarem distantes umas das outras”, disse.

Pires pode ser visto agora como a raposa que vai tomar conta do galinheiro. Ele fundou e dirige uma empresa de consultoria conhecida por atender grandes empresas de petróleo de outros países, mas não deixar claro quem são, exatamente, seus clientes. A lista dos da CBIE não é informada em nenhum endereço público. Ao ser questionado, o lobista e a sua empresa se recusam a dar qualquer informação, usando como pretexto o fato de Pires estar “em período de silêncio”.

A preocupação em agir nas sombras é tanta que, em 2019, quando Michel Temer indicou Pires para um assento no Conselho Nacional de Política Energética, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, o novo presidente da Petrobras preferiu renunciar ao cargo do que se explicar ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, que via possíveis conflitos de interesse na indicação.

O desmonte criminoso da Petrobrás tem sido feito a toque de caixa pelo desgoverno Bolsonaro sem o consentimento do maior interessado no assunto, o povo brasileiro. Apenas no mandato de Bolsonaro, foram privatizados nada menos do que 62 ativos da empresa, cerca de 67% de um total de 93 empresas ou operações vendidas nos últimos anos.

As informações são do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, em associação com a Federação Única dos Petroleiros (FUP). De acordo com a pesquisa, a entrega do patrimônio nacional no governo atual chegou a US$ 33,9 bilhões, em um montante de US$ 59,8 bilhões. Outros 34 ativos estão à venda, incluindo metade do parque de refino da estatal. •