Democracia sempre, ditadura nunca mais

O espectro do autoritarismo circunda os segmentos do governo que ainda, sem cerimônia, comemoram o infame Golpe de 1964, com os retrocessos gigantescos nos campos social, econômico e de direitos

 

 

Em 31 de março de 1964 o Brasil sofreu um golpe militar que por 21 anos jogou o país nas trevas, com tortura e assassinatos de dissidentes políticos, arbítrio, obscurantismo e a implementação de um modelo econômico antipopular e subalterno aos interesses estrangeiros. Quase seis décadas depois, o momento atual exige reflexão das forças democráticas e progressistas do país sobre aquele triste momento da história brasileira.

O recente episódio da censura decretada contra artistas no festival Lollapalooza pelo ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral, além de flagrantemente inconstitucional, explicitou que há ainda latentes em segmentos da sociedade e do aparelho do Estado resquícios do entulho autoritário da ditadura militar de 1964. 

A decisão do ministro, a partir de pedido do PL, a legenda do ex-capitão Jair Bolsonaro, evoca os tempos sombrios da censura prévia, que se abatia sobre artistas e todos os que se manifestavam pela democracia no Brasil. É inevitável caracterizar a decisão e a ação judicial como manifestações de setores que têm saudades dos anos de chumbo, do regime que fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos, extinguiu partidos e habeas corpus, além de proibir a livre circulação de pessoas.

O espectro do autoritarismo circunda os segmentos que ainda, sem cerimônia, comemoram o infame Golpe de 1964, com os retrocessos gigantescos nos campos social, econômico e dos direitos, como comprova a nota do Ministério da Defesa em alusão ao golpe, valorizando o regime de terror dos militares. Bolsonaro e seus seguidores devem se submeter à Constituição e não têm o poder de desconsiderar os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 1964 como uma ditadura. Não há nada o que comemorar neste 31 de março.

Os dois eventos — a censura de um ministro do TSE e o 31 de março — não podem ser vistos isoladamente, num momento em que o Brasil busca uma travessia e a sociedade brasileira dá sinais que em outubro, nas eleições presidenciais, vai romper com modelo autoritário e neoliberal atual, para retornar à democracia e, assim, acabar também com o desemprego, a miséria, a destruição ambiental e o desalento.

E, no processo democrático, com a soberania do voto popular, sepultar de vez as tentações autoritárias do governo militar presidido por Bolsonaro, o qual é marcado pela aversão aos debates, aos artistas e à própria democracia. O atual governo alimenta-se na ceva do autoritarismo, do obscurantismo e de práticas lesivas à soberania nacional.

A luta pela democracia custou o sacrifício e a vida de 434 dissidentes políticos, parte deles ainda desaparecidos, além de milhares de indígenas. Tudo isso precisa ser relembrado, para manter vivas na memória as consequências nefastas da ditadura militar para milhões de brasileiros. Nessa luta, os artistas tiveram papel importantíssimo no enfrentamento ao arbítrio, expressando-se nos palcos, na música, na literatura e nas ruas. Agora, o episódio do Lollapalooza evidenciou que o direito à liberdade de expressão é um pilar do Estado Democrático de Direito.

Neste momento, que a defesa da liberdade dos artistas se transforme num marco de resistência nestes tempos sombrios em que ainda pairam no ar tentações autoritárias. Ninguém vai calar a voz do povo e amordaçar a democracia. Censura e ditadura nunca mais! •