Um esquema de ouro
Depois das suspeitas de fraudes no Ministério da Saúde, o governo Bolsonaro agora se vê envolvido em mais uma denúncia de corrupção. Dessa vez, na Educação. Pastores evangélicos montaram gabinete paralelo e cobram propina de prefeitos para liberar recursos. Supremo autoriza investigação e ministro Milton Ribeiro é alvo de inquérito. E Bolsonaro, de novo, fica calado
No Ministério da Educação, quem manda não é o ministro Milton Ribeiro. Mas pastores evangélicos amigos do presidente Jair Bolsonaro. E agora surge a denúncia de que um esquema de corrupção e cobrança de propina em troca da liberação de recursos para prefeituras municipais. Este é o mais novo esquema de corrupção envolvendo Bolsonaro e seu governo.
O caso será investigado pela Polícia Federal, que vai apurar suspeitas apontadas em relatório da Controladoria-Geral da União sobre distribuições de verbas do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação. Na quinta-feira, 24, a ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, autorizou que a Procuradoria-Geral da República abra outro inquérito sobre a conduta e o envolvimento do ministro Milton Ribeiro.
Depois da descoberta de um esquema de propinas bilionário no Ministério da Saúde para a compra de vacinas, agora é a educação que está sofrendo a sangria de recursos públicos. Na segunda-feira, 21, veio a público um áudio, publicado pela Folha de S. Paulo, em que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, admite, diante de prefeitos, que um esquema de liberação de verbas, comandado por um pastor sem ligação formal com o MEC, foi montado a pedido do próprio Bolsonaro.
“A minha prioridade é atender, primeiro, os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos que são amigos do pastor Gilmar [Silva dos Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil]. (…) Por que o Gilmar? Porque foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim”, confessou Ribeiro. O ministro ainda acrescenta que, ao terem seus pedidos atendidos, os prefeitos “amigos” do pastor Gilmar teriam que dar uma contrapartida: “O apoio que a gente pede é apoio sobre construção de igrejas”.
A fala do ministro, que também é pastor, é a confissão de um crime. Um pastor evangélico sem ligação formal com o MEC tem o poder de determinar quais prefeitos serão atendidos pela pasta. Em troca, esses prefeitos devem apoiar a construção de templos ligados à igreja desse pastor. E mais: todo esse esquema foi um “pedido especial” de Jair Bolsonaro.
A existência do esquema foi revelada na sexta, 18, pelo Estadão. Segundo o jornal, Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade, lideram um gabinete paralelo que tem o controle da agenda e até o orçamento do MEC. Ambos acompanham Ribeiro em viagens oficiais, usam aviões da FAB e levam prefeitos a Brasília para reuniões no MEC. Nos últimos 15 meses, os dois tiveram 22 agendas oficiais no ministério, sendo 17 delas com participação de Ribeiro.
Em Brasília, a queda do ministro é dada como certa, embora ninguém saiba dizer ou apostar quando ocorrerá. Flagrado na sua franqueza sincera, o próprio Milton Ribeiro cogitou colocar o cargo à disposição do presidente. Teria sido demovido pelo próprio Bolsonaro. Ele acusa a imprensa de “criminalizar” os evangélicos ao tratar como anormal o lobby dos pastores para a liberação de verbas. Disse que não vê “nada demais” na admissão do ministro que só prestigia os pastores para atender ao presidente.
Ninguém saiu em defesa do pastor que comanda o MEC. A bancada evangélica lavou as mãos, líderes religiosos como Silas Malafaia cobraram explicações do ministro e a oposição partiu para cima. O PT colocou seus líderes na Câmara e no Senado na ofensiva, cobrando transparência do governo e pedindo investigação na Procuradoria Geral da República.
Na quinta-feira, 24, a Comissão de Educação aprovou requerimentos dos senadores Jean Paul Prates (PT-RN) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para que Milton Ribeiro compareça ao Senado para prestar esclarecimentos. “O Ministério da Educação é uma pasta estratégica para o desenvolvimento nacional. Durante o governo Bolsonaro, tragicamente, a gestão do MEC vem sendo marcada por descontinuidade, incompetência, ideologização, descompromisso e tudo sugere que também por ilegalidades”, critica Jean Paul.
Ex-ministros da Educação, Aloizio Mercadante e Fernando Haddad se mostraram chocados com a denúncia. “É lamentável constatar que foi instalado um gabinete paralelo no MEC que pediu pagamentos em dinheiro e até em ouro em troca de conseguir a liberação de recursos para construção de escolas e creches”, disse o presidente da Fundação Perseu Abramo.
“É o maior escândalo de corrupção da história do Ministério da Educação”, diz Haddad, na entrevista a Focus Brasil, que está nesta edição. “E é um drama horroroso. Estamos falando de dinheiro de merenda, de ônibus escolar, de livros didáticos… É disso que estamos falando quando nos referimos a emendas parlamentares. Esse ministro não poderia ter sido sequer nomeado”. Além de Milton Ribeiro, que irá depor na quinta, 31, a Comissão de Educação do Senado também aprovou requerimentos para que outros suspeitos de envolvimento no caso prestem esclarecimentos.
Terão de comparecer o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Márcio Lopes da Ponte, além dos pastores Gilmar Silva dos Santos e Arilton Moura. apontados como os responsáveis diretos pelo esquema no gabinete paralelo do MEC.
Outros depoentes são prefeitos do Maranhão que trouxeram o escândalo a público. São os prefeitos Calvet Filho (Rosário-MA), Helder Aragão (Anajatuba-MA), Junior Garimpeiro (Centro Novo-MA) e Gilberto Braga (Luis Domingues-MA), bem como a prefeita de Bom Lugar (MA), Marlene Miranda. As audiências ainda não têm data definida para acontecer. •