Bolsonaro estrangula famílias e pequenas e microempresas, que estão asfixiadas por débitos. Solução é renegociação, regulação dos juros dos cartões e aumento do prazo de carência do Pronampe

 

 

É frequente entre economistas liberais uma preocupação excessiva com o tamanho da dívida pública do Brasil, ainda que não haja na literatura um consenso sobre a existência de um limite para a dívida de um país, especialmente quando esta é denominada em moeda nacional, como é o caso da nossa. Por outro lado, não há no debate público a mesma preocupação com o endividamento privado e o papel que deve ser exercido pelo Estado para tentar evitar a insolvência de famílias e empresas, especialmente em momentos de crise econômica como o atual.

De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), 70,9% das famílias brasileiras estavam endividadas em 2021. O índice é a maior média anual da série histórica. Em janeiro de 2022, o total de famílias endividadas já atingia 76,1%.

A pesquisa também aponta que a inadimplência foi de 26,4% das famílias no período. Em relação à modalidade da dívida, a principal é com o cartão de crédito, alcançando 87,1% das famílias penduradas no crediário em janeiro.

O cenário também é preocupante quando analisamos a realidade das empresas, especialmente as micro e pequenas (MPEs). Em 2020, o Congresso Nacional criou o Pronampe, programa voltado para socorrer as MPEs no contexto da pandemia e da inação do governo para mitigar seus impactos econômicos e sociais. 

Em junho de 2020, a taxa de juros do Pronampe era Selic mais 1,25% ao ano, resultando numa taxa total de 3,5%. Um ano depois, quando o programa foi reeditado em caráter permanente, por um fiscalismo injustificável que reduziu artificialmente o fundo garantidor do Pronampe, o custo do financiamento subiu para Selic mais 6% ao ano, com uma taxa anual total de aproximadamente 9,7%, buscando atrair interesse dos bancos.

O problema é que a Selic estava em um ciclo de alta e já era previsto que chegaria a mais de 10%. Atualmente, com a Selic a 10,75%, o custo do Pronampe está em 17,4% e o programa passou de socorro a um problema para o segmento, aumentando o risco de quebra para pequenos negócios, que são responsáveis por 60% dos empregos no Brasil.

Segundo pesquisa realizada em janeiro pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes com empresários do setor, dentre os que contraíram empréstimo por meio do programa, ao menos 20% já têm parcela em atraso. E, destes, 22% disseram que há possibilidade de seus negócios quebrarem por causa do aumento dos juros.

O ciclo de aperto monetário, via aumento da Selic, e a política fiscal contracionista reforçam o risco de uma estagnação da economia em 2022, agravando as restrições experimentadas pelo setor privado. Diante deste quadro, sem pretender esgotar o debate e as possíveis soluções, é necessário adotar medidas emergenciais que mitiguem o atual quadro de endividamento privado, especialmente:

  1. Programa de incentivo para renegociação das dívidas das famílias junto ao sistema bancário, compensando-se as instituições financeiras que aderirem com a liberação de compulsórios não remunerados de forma proporcional ao aumento do prazo ou à redução dos encargos.
  2. Regulamentação do mercado de cartão de crédito, estabelecendo um limite para os juros cobrados nos financiamentos desta modalidade. Em janeiro de 2022, segundo o Banco Central, a taxa média de juros cobrada das pessoas físicas pelo rotativo do cartão de crédito foi de 346,3% ao ano, o que é extorsivo. O próprio BC estabelece limite para os juros cobrados no cheque especial, mas o mesmo não ocorre com o cartão de crédito.
  3. Aumento da carência do Pronampe e restabelecimento de juros compatíveis com a realidade das micro e pequenas empresas, que ainda não retomaram o faturamento pré-pandemia.

Como já mencionado, as medidas propostas são de caráter emergencial, para ajudar na superação da crise. No médio e longo prazo, a melhor medida para a saúde financeira das empresas e das famílias é a geração de emprego e renda, o que requer outra política econômica. •