Diante do que sugerem as pesquisas de opinião, o país assiste à imprensa corporativa a se colocar, mais uma vez, diante de “uma escolha difícil”. Colunistas de opinião e jornalistas seguem buscando a “terceira via” das maneiras mais canhestras

 

Bia Abramo

 

Em 8 de outubro de 2018, às vésperas do primeiro turno, os editorialistas do Estadão, horrorizados de não haver nenhum candidato de centro com chance de chegar ao segundo turno, cometeram o famoso editorial “Uma escolha muito difícil”. Ter de escolher nas urnas entre Jair Bolsonaro — “o truculento apologista da ditadura militar” — e Fernando Haddad — “o preposto de um presidiário” — estava tirando o sono dos editorialistas do jornalão fundado em 1875.

O título do editorial deve ter sido levado a sério por muitos leitores, que apertaram 17 com força e até com gosto no escurinho da urna. Na esquerda virou piada, meme e colou indelevelmente à jornalista Vera Magalhães.

Em 2022, depois que o governo Bolsonaro se mostrou desastroso em todos os setores, sobretudo na condução genocida da pandemia, que deixou um rastro até agora de 630 mil mortes, a imprensa corporativa tem sido incapaz de defender o presidente, ainda que continue sendo leniente com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e suas previsões mirabolantes.

No entanto, diante do quadro eleitoral que se desenha, com Luiz Inácio Lula da Silva livre, inocentado e elegível à frente, Bolsonaro aferrado a seu núcleo em torno dos 25% e, de novo, uma centro-direita lutando pelo que sobra da soma das duas pré-candidaturas à frente das pesquisas, a aposta conservadora é que emerja o super candidato de centro, capaz de roubar as franjas dos índices de rejeição do ex-presidente e do atual.

Demétrio Magnoli, notório opositor das cotas raciais, em sua coluna de “O Globo”, decretou a morte da terceira via, afirmando que Lula, o terrível demiurgo, já selou o fim dela, uma vez que sua estratégia de campanha, segundo ele, é ocupar o centro. “A democracia unida contra o autoritarismo — eis a mensagem que o candidato procura veicular.”

Tentando fazer jus ao passado esquerdista, Magnoli alfineta: “Reconciliação é o nome de seu jogo”. O alvo é jogar um caminhão de desconfiança nas aproximações entre Geraldo Alckmin e Lula. “José Dirceu, um realista que sabe calcular, já apresentou sua defesa do pacto lulista. Para persuadir a esquerda, sugere que a presença de Alckmin destina-se a evitar uma futura desestabilização do governo Lula pelas maléficas elites. Talvez cole, mas Dirceu sabe que a lógica estratégica é outra”, arrisca.

Também em “O Globo”, ainda esta semana, Merval Pereira, que não tem nenhum passado de esquerda a preservar e aposta todas as fichas em Sergio Moro, ex-ministro de Bolsonaro, afirma com todos os efes e erres que o ex-juiz, apesar do desempenho pífio nas pesquisas, assusta tanto os outros candidatos a ponto de provocar “reações raivosas”. “É ‘canalha’, segundo Lula; ‘ladrão e desonesto’, para Ciro Gomes, e ‘traidor’, para Bolsonaro”. Merval ainda insinua que Lula quer fugir dos debates, só porque o ex-presidente criticou o velho formato. Quem certamente vai fugir dos debates é Moro, que não tem muito a dizer além de repetir a palavra “corrupção”.

Eliane Cantanhede não esconde seu entusiasmo pelo velho PSDB. Em 2010, sua coluna na Folha sobre a convenção que consagrou José Serra candidato a presidente tinha o simpático título: “O partido das massas cheirosas”. Uma observação atribuída em off a algum assessor. É só acionar qualquer mecanismo de busca para achar vídeos com ela dizendo essa frase quase emocionada.

Em 16 de janeiro, no Estadão, ela faz quase um apelo: “Não tem jeito?” Segundo a colunista, desistir da terceira via, “favorece Lula”. Órfã do saudoso PSDB de Serra e FHC, que não emplacou nenhum nome na campanha, ela adverte: “E, por exemplo, se Bolsonaro meteu a mão nos órgãos de investigação (PF, Receita, Coaf…), Lula aparelhou os da grana (BNDES, CEF, agências reguladoras).”

Singelamente, termina, de novo, quase implorando: “Conclusão: vai ter muita lavação de roupa suja e, quando a máquina esquentar, a imagem de hoje pode descongelar. É cedo para jogar a toalha”.

E Vera — “uma escolha difícil” — Magalhães? Agora apresentadora do “Roda Viva”, e comentarista da CNN, ela anda mais discreta, ainda que assine uma coluna no Globo. Vera, cuja carreira na rádio oficiosa do bolsonarismo, a Jovem Pan, não deixa dúvida sobre suas posições antipetistas, comenta a cratera que se abriu esta semana na Marginal Tietê: “Os adversários do governador não deixarão de utilizar o buraco do Metrô da mesma forma”.

Vera não entende, ou finge não entender, que não se trata de mera “retórica”, recurso no qual Doria, um marqueteiro que se disfarça de gestor, é expert. O metrô de São Paulo é tão atrasado e adiado que nenhum paulistano acredita mais nas previsões. E, de fato, ter uma cratera em plena Marginal Tietê não é apenas uma pedra nos sapatos de cromo alemão de BolsoDória, mas um problema grave numa cidade como São Paulo.

E a Folha? Mobiliza dia sim outro também seu exército de liberais para insuflar o antipetismo. Na semana passada, foi a vez de Joel Pinheiro da Fonseca, o “economista” e “mestre em filosofia pela USP” que já defendeu a venda legal de órgãos — de pobres, naturalmente. Em texto publicado no site do Instituto Mises, o think tank da neodireita, ele escreveu: “Há uma demanda consistentemente maior do que a oferta, que é mantida artificialmente baixa, graças à política do preço zero. Permita que os preços subam, que doadores sejam recompensados pelo valor que ofertam e mais vidas serão salvas”.

Morista de primeira hora, Fonseca ajuda a manter o antipetismo atávico da Folha. Na coluna “Que Lula é Esse?”, afirma: “O apoio a ditaduras e proto-ditaduras de esquerda no continente também casa mal com o ‘Lula paz e amor’. (…) indica um risco mais concreto: se a degradação e o aparelhamento institucionais de líderes populistas de esquerda acabou com a democracia e com a economia em vizinhos nossos, o que não garante que o líder brasileiro que elogia e se alinha a esses regimes não tentará fazer o mesmo por aqui?”. Tivessem substituído a coluna por qualquer meme “E a Venezuela, hein?”, o jornalão da Barão de Limeira economizaria dinheiro e vergonha alheia.

E ainda estamos apenas em fevereiro… •