Jovem congolês assassinado a pauladas no Rio mostra o Brasil da vergonha aos olhos do mundo. Imprensa estrangeira cita ‘debate sobre xenofobia’ após a tragédia que resultou na morte de Moïse Kabagambe. A brutalidade assusta, Bolsonaro ignora o crime, enquanto Lula o condena e o PT cobra investigação rigorosa

 

O Brasil da brutalidade, da violência banalizada, do racismo e do horror, cujo retrato mais visível aos olhos do mundo é o governo de Jair Bolsonaro, voltou a chocar o povo e o planeta. A morte de Moïse Kabagambe, congolês de 24 anos que deixou a África para viver com a família no país, a fim de escapar da violência, ganhou as páginas da mídia nacional e estrangeira.

Ele foi espancado até a morte em 24 de janeiro, depois de cobrar o pagamento de duas diárias atrasadas no quiosque em que trabalhava, na praia da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Moïse vivia no país há pouco mais de 10 anos e imaginava que na terra do samba e da alegria, poderia encontrar um futuro. Não escapou da violência. Morreu alvo de pauladas de morenos e negros iguais a ele. As imagens do assassinato correram o mundo.

A morte de Kabagambe causou tristeza e indignação no Brasil, mas também na comunidade internacional. O crime mobilizando sociedade civil, a família do jovem e o movimento negro. Eles realizaram no final de semana, atos em protesto no Rio e outras capitais. A Coalizão Negra anunciou que vai apresentar uma denúncia na ONU e senadores do PT exigem rigorosa apuração do crime. A embaixada do Congo no Brasil cobra explicações sobre o assassinato de Möise Kabagambe.

Diante da brutalidade, o silêncio do Palácio do Planalto e da ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, também chamaram a atenção. Até a sexta-feira, duas semanas após o crime, nenhuma palavra de consolo às famílias ou de promessa de rigor na apuração do caso, partiu do governo federal. Bolsonaro, ignorou solenemente a dor dos refugiados e da comunidade negra brasileira e congolesa. Damares também manteve silêncio sobre o assassinato, apesar da pressão do corpo técnico do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos para que a pasta se posicione sobre o assunto.

A NOSSA BARBÁRIE

Na imprensa internacional, a notícia repercutiu fortemente, acompanhada de reflexões sobre o racismo e a xenofobia brasileira. Reportagens contundentes foram veiculadas na rede americana de televisão CNN, no serviço de rádio da Voice of America, no jornal Washington Post. Na Europa, veículos de mídia também abordaram o episódio, como o diário alemão Sueddeutsche Zeitung, a Radio France Internacional, e o canal de TV France 24, além da Al Jazeera, no Oriente Médio.

O crime levou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a reagir duramente, além de esboçar solidariedade à família de Moïse. Ele diz que a tragédia é sequela de um Brasil governado pelo fascismo, pelo preconceito e pelo ódio, disseminados deliberadamente por Bolsonaro. “O assassinato brutal do jovem Moïse, no Rio de Janeiro, na beira da praia, com um taco de beisebol, não é normal, não é humano”, reagiu. “É resultado de um país que está sendo governado por um fascista e por muitos milicianos”.

Moïse pertencia à etnia Hema e chegou ao Brasil em 2011 fugindo de conflitos em seu país. Ele se mudou do Congo com a mãe e os irmãos, como refugiado político, para fugir da guerra e da fome. Até o fechamento desta edição, na sexta, 4, três homens foram presos pelo crime: Fábio Pirineus da Silva, Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca e Brendon Luz da Silva.

A sociedade civil está indignada. O líder da Coalização Negra por Direitos, Douglas Belchior, ressalta que há indícios de que milicianos tenham envolvimento com o assassinato do jovem congolês. “É a mesma milícia, no contexto amplo e geral, que assassinou Marielle Franco, e que hoje ocupa o poder do Planalto Central, é gestor da política e sobretudo impulsionador de uma lógica violenta e da própria tortura e práticas violentas por parte do Estado”, critica.

No sábado, 5, protestos foram realizados no Rio e em São Paulo. O local escolhido na capital fluminense para a manifestação é em frente ao quiosque onde aconteceu o assassinato, no posto 8 da praia da Barra da Tijuca. Em São Paulo, o ato aconteceu às 10h, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na avenida Paulista. Outros protestos foram realizados em Curitiba, Salvador, Belém e Belo Horizonte.

As centrais sindicais também reforçaram o pedido por justiça, além de organizações como a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Ordem dos Advogados do Brasil. As entidades sindicais se solidarizam com os familiares de Moïse e todos os imigrantes, sobretudo aqueles que buscam segurança e inserção social no Brasil. “Vamos à luta por justiça por Moïse Kabagambe. Basta de racismo, xenofobia e genocídio negro!”, diz comunicado.

Na Câmara, o líder do PT, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), defendeu que o Congresso acompanhe as investigações sobre o assassinato. Na quinta-feira, 3, o parlamentar protocolou um requerimento para a criação de uma comissão externa temporária na Câmara, com objetivo de colaborar com a análise do caso.

No Senado, a bancada do PT acionou a Comissão de Direitos Humanos para acompanhar investigações e punir os assassinos. “O jovem congolês foi espancado até a morte e a tortura foi gravada por câmeras”, destacou o líder Paulo Rocha (PA).

Presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), o senador Humberto Costa (PT-PE) informou que o colegiado vai acompanhar, formalmente, o desenrolar das investigações pelos órgãos responsáveis – Ministério Público e polícia – para assegurar que o crime seja solucionado.

“Amarrado e espancado até a morte, em meio à completa indiferença dos transeuntes. Moïse é mais uma vítima da brutalidade que rotineiramente se vê no Brasil há séculos e que é enganosamente encoberta sob o manto de uma perversa narrativa de paz racial”, enfatizou o senador Fabiano Contarato (PT-ES).

O coordenador do Setorial Nacional de Direitos Humanos do PT, Renato Simões, lembra que o Brasil é um país historicamente acolhedor de imigrantes de várias nacionalidades. Porém, lamenta que exista outro Brasil, que também emerge das sombras do neofascismo, estimulado pelo governo Bolsonaro na promoção da tortura, da prática de racismo, da xenofobia e LGBTfobia.

“É preciso criar mobilização na opinião pública e, com a busca da justiça, criar um novo tipo de comportamento na sociedade brasileira. A coibição desse crime deve ser o início de uma reação importante com repercussão no Congresso Nacional, na imprensa, entidades civis e partidos políticos”, ressalta. •