Depois de atacar as instituições e afrontar a Suprema Corte, além de sequestrar o Dia da Independência para atentar contra a democracia, o presidente da República se desmoraliza. Isolado, recorre a Michel Temer, o eterno golpista, para costurar um acordo que permita livrar os filhos da prisão e impedir o impeachment

 

A estratégia bolsonarista de ataques sucessivos às instituições da República e à democracia brasileira permanece ostensiva, apesar do aparente recuo tático promovido pelo presidente Jair Bolsonaro na última semana. Isolado politicamente, o desmoralizado Chefe de Estado e líder da extrema-direita nacional teve de recorrer a outro golpista para tentar construir um cessar-fogo com as autoridades do Supremo Tribunal Federal e do parlamento.

Em menos de 72 horas, depois de bater no peito e ameaçar com um golpe o Judiciário, Bolsonaro recebeu a mão amiga de Michel Temer para costurar uma “Declaração à Nação” que o desmoraliza politicamente e acabou revertendo o apoio que tinha entre sua própria base radical nas redes sociais. Chamado de “frouxo” pelos caminhoneiros, que ocuparam durante 48 horas as estradas brasileiras e se deslocaram pela capital do país e de outros 15 estados à espera da decretação de um “estado de sítio”, o Mito capitulou, diante do fiasco do ataque.

Depois de partir para cima do ministro Alexandre de Moraes, da Suprema Corte — chamou-o de “canalha” a uma massa de celerados que ocupavam a Avenida Paulista no 7 de Setembro, bater no peito e anunciar que não irá mais cumprir decisões judiciais — o boquirroto colocou o rabo entre as pernas. Humilhado depois das reações do presidente do STF, Luiz Fux, disse que não queria ofender e alegou que havia falado “no calor do momento”.

“O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões”, avisou Fux, no dia 8. “Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos [oderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional”, lembrou. “Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas próprias instituições. Todos sabemos que quem promove o discurso do ‘nós contra eles’ não propaga democracia, mas a política do caos”.

As palavras duras calaram o genocida. Na quinta-feira, 9, preocupado com o tom usado pelo presidente da Suprema Corte do outro lado da Praca dos Três Poderes, Bolsonaro mandou um avião buscar em São Paulo, o ex-residente do Alvorada Michel Temer. O vice-presidente que tramou contra Dilma Rousseff e liderou o Golpe de 2016 veio prontamente com a ideia de colocar panos quentes na crise. Teve a ideia de redigir uma carta de rendição do outro golpista, buscando em troca, reocupar espaço na arena da política nacional.

“Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos poderes”, diz a carta. “A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”, continua. Em seguida, a capitulação: “Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”.

É a segunda vez na história que Temer ajuda Bolsonaro. Em 1999, quando era deputado federal pelo PP e o golpista de 2016 ocupava a Presidência da Câmara, o ex-capitão defendeu o fechamento do Congresso Nacional e o fuzilamento do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

O então presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), bateu duro e defendeu a cassação do mandato do parlamentar. “Não tenho porque tomar conhecimento das loucuras de alguém que, evidentemente, está perdendo o senso. Se ele prega isso, a Câmara deveria cassar o mandato dele”, defendeu. A oposição liderada pelo PT, na época, também defendeu a medida e abertura de processo contra Bolsonaro pelo Conselho de Ética da Câmara. Mas Temer passou pano e poupou Bolsonaro.

Mais uma vez, o esforço de colocar panos quentes na crise prevalece entre as autoridades. Ao contrário de ACM, que não poupou o extremista, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) também voltou às protocolares declarações pregando “harmonia e convívio respeitoso entre poderes”. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sentado sobre 130 pedidos de impeachment, fez que não viu nada demais e também recorreu às palavras com mais do mesmo. Só a oposição permanece atenta e alerta que Bolsonaro não vai parar até conseguir seu intento de permanecer no poder a qualquer custo, mesmo que seja passando por cima da democracia, desrespeitando a vontade da maioria dos eleitores.

“Ninguém estressa instituições e ameaça a democracia só pelo ‘calor do momento’”, adverte a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), presidenta nacional do PT. Ele diz que as palavras de “harmonia” de Bolsonaro não convencem. E assegura, enquanto o ex-capitão estiver na Presidência, o Brasil e sua democracia estarão sob ameaça. “A natureza de Bolsonaro é golpista, antidemocrática. Bom que diga que recuou, mas seus ditos e desditos não inspiram a menor confiança. Temos de manter a defesa permanente da democracia diante do risco que ele é”.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas preferência para as eleições presidenciais de 2022, foi na mesma linha. “Nunca na história do Brasil um presidente teve tantas razões para ser impichado como Bolsonaro”, disse, destacando os ataques às instituições e à democracia, o envolvimento do ex-capitão com as rachadinhas e as milícias, o gabinete do ódio e das fake news e as sabotagens que promoveu no combate ao coronavírus.

“Já existem mais de 100 pedidos e nenhum foi votado porque pararam na Presidência da Câmara”, lamentou. “Os partidos políticos devem cobrar a abertura do processo de impeachment. O povo brasileiro não merece e não pode seguir sofrendo neste governo de destruição”, completou Lula.

O mesmo tom de advertência partiu do ex-ministro e ex-prefeito Fernando Haddad. “A obrigação de todo partido progressista é lutar pelo impeachment de Bolsonaro”, disse. “Ele é um risco real à vida das pessoas, aos empregos, à economia, ao meio ambiente, à imagem do Brasil no exterior”. Adversário de Bolsonaro nas eleições de 2018, vítima dos ataques e fake news espalhados pelo líder da extrema-direita com apoio e financiamento da direita internacional, Haddad cobrou posição clara dos parlamentares, especialmente agora que partidos da direita começam a falar que apoiarão um processo para retirar o presidente do Planalto.

“O que nós temos de saber hoje é quais são os deputados que ainda mantêm o Bolsonaro no poder apesar dos inúmeros crimes de responsabilidade que ele comete semanalmente. Então, se estão falando agora que são a favor do impeachment, então vamos ver quais são os deputados que são a favor do impeachment. Temos de tirar do armário esses caras que ficaram em cima do muro este ano e meio”, defendeu. “Temos que parar de fazer cena e contar votos. Se não contar voto, estamos falando de uma abstração. Impeachment é voto no Congresso, não tem outra coisa”.