Grande parte das análises sobre as manifestações de 7 de Setembro procuraram dar a dimensão do potencial de mobilização do bolsonarismo. Aqui, ampliamos tal perspectiva de análise, compreendendo o dia 7 não como um evento isolado no tempo, mas como um acontecimento dentro de um processo mais amplo.

Estudos qualitativos promovidos pela professora Isabella Kalil, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), realizados desde 2016, identificaram 16 perfis de eleitores bolsonaristas. Ainda que tenham significativas diferenças e motivações para a escolha do voto, todos eram atravessados pela ideia de “cidadão de bem” — amplamente explorada na campanha vitoriosa de Bolsonaro pelo PSL nas eleições de 2018. O “cidadão de bem” repudiaria a corrupção moral e política.

Nas manifestações de 15 de março de 2020, a professora da FESPSP começa a detectar o fortalecimento de um outro tipo de perfil: o patriota — aquele mais radical, capaz de “dar a vida pelo país” em nome da “pátria”, da “liberdade” ou daquele que consideram um “mito”.

A partir deste viés, é possível entender as mobilizações do último final de semana em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro como um ápice destas manifestações mais radicalizadas. E que foram iniciadas ainda em março de 2020. A partir dali, Bolsonaro, continuamente, vem testando e aperfeiçoando nas ruas e nas redes um extremismo anti-democrático, demandado pelos “patriotas”, à medida que se afasta dos segmentos mais moderados, os “cidadão de bem”.

A pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital com manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo, no próprio Dia da Independência, ajuda a traçar um perfil de quem estava nas ruas, assim como suas motivações. A partir do levantamento, coordenado pelos professores Pablo Ortellado e Marcio Moretto Ribeiro, é possível traçar um perfil dos manifestantes: 88% votaram em Bolsonaro no primeiro turno em 2018; 77% se consideram de direita, 65% se intitulam muito conservadores e 30%, pouco conservadores.

Ainda há outros dados: 37% são católicos e 36% evangélicos; 61% são homens, 60% brancos, 42% têm mais que 50 anos, 43% com renda acima de cinco salários mínimos, 38% com renda de 2 a 5 salários mínimos — entre R$ 2,2 mil e R$ 5,5 mil —; 60% têm curso superior completo ou incompleto. Chama a atenção também que 27% afirmaram ser de fora da Região Metropolitana de São Paulo, o que demonstra que houve deslocamento de outras localidades para participação nas manifestações realizadas na capital paulista.

Perguntados sobre qual seria o principal inimigo de Jair Bolsonaro no Brasil, 59% responderam que é o Supremo Tribunal Federal. Para 17%, a esquerda. Outros 15%, a imprensa. E 3%, o Congresso. O levantamento mostra que os principais motivos para a presença na rua, segundo os entrevistados, era o impeachment de ministros do STF (29%), a defesa da liberdade de expressão (28%), autorização para Bolsonaro agir (24%), defesa do voto impresso (13%) e decretação da intervenção militar (5%).

Pesquisas com população em geral caminham num sentido quase oposto às pesquisas entre os manifestantes bolsonaristas. A pesquisa do Instituto Atlas, realizada entre 30 de agosto e 4 de setembro, revela que cerca de 56% da população não considera que as manifestações favoráveis ao governo sejam justificadas, número semelhante aos que afirmaram que com certeza não iriam participar dos atos (58,5%).

As pesquisas são enfáticas em demonstrar que as pautas defendidas pelos bolsonaristas estão deslocadas das necessidades reais e materiais imediatas da população assolada pela crise econômica e sanitária. Entre os principais temas de preocupação da população como um todo não estão o fechamento do STF, nem a utilização ou não de urna eletrônica. Ao contrário. Segundo o Instituto Atlas, por exemplo, 78% da população é contrária à intervenção militar, enquanto 12% são a favor e 11% não sabem responder.

A opinião pública em geral considera como principais problemas do Brasil hoje as questões relacionadas à economia — como desemprego, inflação, má condução econômica do Brasil — e à saúde. Não à toa, o governo é considerado ruim ou péssimo para 61% da população, ótimo ou bom para 24% e regular para 13,5%, segundo a pesquisa Atlas. E 58% dos brasileiros querem o impeachment de Bolsonaro, segundo pesquisa do PoderData realizada em agosto.

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