João Sayad teve uma carreira de fazer inveja a qualquer um. Depois de um doutorado em Yale (EUA), foi professor titular da Faculdade de Economia da USP, a FEA, quando ainda não tinha 40 anos. Também muito jovem, foi secretário da Fazenda do primeiro governo democraticamente eleito no Estado de São Paulo depois do Golpe de 1964, liderado por Franco Montoro, e ministro do Planejamento do primeiro governo civil pós-ditadura (José Sarney). Foi sócio de banco, secretário das Finanças do Município de São Paulo, secretário de estado da Cultura, vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em Washington (EUA), e presidente da TV Cultura. Um currículo de espantar, com sucesso em todos os papéis, como homem público, como empresário, como acadêmico.

Mas nunca se viu nele sombra sequer do orgulho, que bem podia ter, por todos esses feitos, pela trajetória brilhante. Menos ainda qualquer traço da prepotência e da soberba que costuma marcar as pessoas tidas como importantes, economistas em destaque. Não. Sayad era uma pessoa doce, afável, cordata, incapaz de destratar quem quer que fosse, mesmo que a criatura merecesse.

Não se pense, porém, que essa fineza no trato escondia um sujeito calmo, porque indiferente às coisas, ao contrário, ele se atirava de cabeça nos projetos, queria ver as coisas acontecerem, se indignava com as injustiças, era apaixonado por São Paulo e por seu país – que muitas vezes via com desânimo e tristeza, mas isso lhe dava mais forças para tentar novos caminhos. Nos anos 1990, irritado com o pensamento simplista e raso dos recém-chegados PhDs sobre os dilemas de nossa economia, dizia que nenhum gasto público com educação deveria ser cortado, a não ser aquele das bolsas de estudantes brasileiros que iam fazer doutorado em Economia nos EUA. Um pouco mais à frente, não hesitava em dizer que banco devia mesmo era ser estatizado.

O déficit de arrogância não era, contudo, o único traço que o distinguia de seus pares economistas. Sayad tinha uma forma peculiar de entender a economia. De horizonte intelectual amplo, se interessava e lia praticamente todo o tempo, não só artigos e escaramuças econômicas, mas tudo relativo à arte, filosofia e ciências humanas. Sua profissão de fé keynesiana era, por isso, mesclada e enriquecida com um sem-número de outras importantes e muitas vezes decisivas considerações.

O dinheiro, por exemplo, um de seus objetos de estudo mais queridos, era algo que o desafiava: nenhuma das teorias econômicas satisfazia plenamente seu desejo de entendê-lo. Diferentemente do monetarista Milton Friedman, para quem não era necessário saber o que é o dinheiro, Sayad não desistiu até encontrar na antropologia uma pista para essa compreensão. Para ele, o dinheiro é um mito, cuja funcionalidade depende da fé de quem o utiliza. Só quem esteve presente poderá, não sem rir, lembrar as caras de assombro e aversão de uma plateia repleta de economistas e executivos, quando ele disse algo parecido com isso num evento em São Paulo, numa manhã do início dos anos 2000.

Nós tivemos o privilégio de conviver com esse economista tão especial, com esse intelectual tão invulgar, como colegas na Universidade de São Paulo e comandando a Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo. Impossível esquecer que, em meio a tantas atribulações, a tantos esqueletos que íamos encontrando nos armários, em meio às dificuldades para recuperar as combalidas finanças municipais depois do desastre malufista, algumas das vezes em que, atendendo ao chamado do secretário, acorríamos a seu gabinete, a pergunta que vinha era do tipo: o que foi mesmo que Hegel disse sobre o Conceito?

`