ELEIÇÕES 2022 – Rede de mentiras de Bolsonaro avança
Nas últimas duas semanas, o presidente Jair Bolsonaro deu mostras de que as máquinas de disseminação de fake news e de desinformação deverão funcionar a todo o vapor nas próximas eleições presidenciais, a exemplo do que aconteceu em 2018. O tema representa um grave ameaça à democracia brasileira, tanto que o Supremo Tribunal Federal instaurou inquérito sobre fake news, no qual Bolsonaro é investigado. Além disso, a chapa Bolsonaro-Mourão responde a quatro ações por abuso econômico e uso indevido de redes sociais nas últimas eleições presidenciais junto ao Tribunal Superior Eleitoral.
A primeira medida de Bolsonaro em favor da disseminação de fake news foi o veto ao artigo que previa até cinco anos de reclusão para crimes de comunicação enganosa de massa na nova Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. No texto aprovado pelo Congresso, esses crimes foram definidos como “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
Para o relator da matéria no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE), esse veto será derrubado. Ele também avalia que Bolsonaro se utilizou do instrumento do veto para se proteger dos próprios crimes. “A comunicação enganosa em massa produziu nesta pandemia a desinformação e levou milhares de brasileiros à morte”, pondera. “Para além disso, a eleição do Bolsonaro é fruto dessa estratégia que contamina e destrói a nossa democracia. Não há democracia com mentiras”.
O segundo aceno de Bolsonaro aos propagadores de mentiras na internet foi a edição de uma medida provisória que alterou o Marco Civil da Internet e que impede as redes sociais de removerem conteúdos ou contas que violam as normas de uso das plataformas. A medida, que blinda a rede bolsonarista de fake news, também libera a publicação de notícias falsas e de discursos de ódio.
O próprio Bolsonaro já teve postagens removidas das redes sociais por violação das regras das plataformas. Em março do ano passado, por exemplo, Facebook, Instagram e Twitter excluíram postagens do presidente relacionadas à pandemia da Covid-19. Nas publicações, o ex-capitão aparecia promovendo aglomerações e se posicionando contra o isolamento social. As plataformas consideraram os conteúdos como desinformação que podia causar danos reais às pessoas.
A reação da oposição à medida provisória do governo foi imediata. Líderes encaminharam ofício ao presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), solicitando a devolução da MP ao Planalto. “Já na Lei de Segurança Nacional ele tentou manter a imunidade e de seus apoiadores nesses casos de fake news, inclusive garantindo o direito de fazer isso em processo eleitoral”, critica Humberto Costa (PT-PE). “Bolsonaro quer ter o direito de publicar notícias falsas, promover ataques de ódios, sem estar sujeito a qualquer tipo de ação”.
Nos bastidores, a MP vem sendo chamada de Lei Trump de blindagem aos bolsonaristas, uma alusão ao ex-presidente norte-americano, que utilizou as redes sociais para insuflar a invasão ao Capitólio, em razão de alegada fraude nas eleições presidenciais dos EUA em 2020. Trump foi banido do Twitter e suspenso do Facebook e do Twitter em razão das convocações golpistas.
São evidentes as ligações entre Bolsonaro e a rede de disseminação global de mentiras da extrema direita, liderada por Steve Bannon, ex-estrategista e consultor para assuntos ideológicos de Trump. Bannon, preso nos EUA por fraudes em campanhas, é líder de um movimento internacional de extrema direita, do qual Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é embaixador na América do Sul.
Na última semana, a Polícia Federal deteve uma aeronave particular em que Jason Miller, ex-assessor de Donald Trump, pretendia deixar o Brasil. Por ordem do ministro do STF, Alexandre de Moraes, Millter prestou depoimento sobre milícias digitais e organização de atos antidemocráticos no país. O norte-americano foi ouvido e, em seguida, liberado.
Na aeronave, também viajava Matthew Tyrmand, um dos diretores do Veritas, projeto que se propõe a filmar jornalistas com câmeras escondidas. Os dois estavam no Brasil para participar de um congresso da extrema-direita organizado por Eduardo Bolsonaro.
A questão da difusão de fake news e campanhas de desinformação é um problema que desperta atenção de diversas democracias no mundo. Já em 2017, relatores especiais da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre liberdade de expressão divulgaram declaração conjunta apontando que as fakes news, a desinformação e a propaganda são preocupação global.
O comunicado também foi assinado pela Organização dos Estados Americanos (OEA), pela Organização para Cooperação e Segurança na Europa e pela Comissão Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos. No final de 2020, a ONU voltou a demonstrar preocupação com o tema e lançou a campanha “Pause, pense antes de compartilhar”, para assegurar a confiança da informação.
Para a democracia brasileira, o enfrentamento das milícias digitais e de disseminação de fake news ganha ainda mais relevância em razão do presidente, que deu 1.682 declarações falsas apenas em 2020. Trata-se do mesmo chefe de Estado que vem tentando criar uma narrativa golpista e questionando sem provas a integridade das urnas eletrônicas. Bolsonaro pode acionar seus 6,9 milhões de seguidores no Twitter, 18,7 milhões no Instagram e 14,3 milhões no Facebook para tentar deflagar aqui no Brasil um “Projeto Capitólio”, frente a uma cada vez mais iminente derrota eleitoral.