Vinte anos após o maior racionamento de energia elétrica da nossa história, o país passa novamente por uma situação de vulnerabilidade energética. Apesar da hidrologia ser pior que em 2001, o sistema elétrico atual é muito mais robusto o que permitiria o país passar por este momento de forma menos estressante.

Nas últimas duas décadas, houve uma forte expansão da capacidade instalada que cresceu 133%. Esta taxa corresponde a cerca de três vezes o crescimento da economia brasileira e consequentemente do consumo de energia no mesmo período. Ocorreu também diversificação da matriz elétrica com a redução da participação da hidrelétrica por meio do aumento das usinas termelétricas, eólicas e a biomassa. A fonte solar, apesar de ainda não ter uma participação tão significativa como as outras fontes renováveis, vem crescendo a um ritmo exponencial graças ao sistema de compensação de energia elétrica adotado em 2012 e dos leilões realizados a partir de 2014.

Além disto, aumentou-se enormemente a capacidade de intercâmbio entre as regiões do Brasil.  Em 2001, o Sul tinha água sobrando e faltavam linhas de transmissão para enviar energia do Sul para o Sudeste/Centro-Oeste. Entre 2001 e 2020, a capacidade do Sul de enviar energia para o Sudeste/Centro-Oeste aumentou 61%. Neste mesmo período, a capacidade do Norte e Nordeste de enviar energia para o Sudeste/Centro-Oeste aumentou 14 vezes.

Nos últimos meses, as regiões Norte e Nordeste contribuíram para reduzir a atual crise de abastecimento de energia do subsistema Sudeste/Centro Oeste.  A partir das usinas do rio Madeira (Jirau e Santo Antônio) e de Belo Monte, a região Norte enviou grandes quantidades de energia para este subsistema. O mesmo foi feito pelo Nordeste que vem aproveitando a “safra dos ventos” para enviar o excedente de geração de energia da fonte eólica.

Neste contexto, se o sistema elétrico está mais robusto, vale a pena perguntar: Por que os níveis dos reservatórios estão tão baixos e estamos tão vulneráveis a um racionamento ou apagões em determinados momentos do dia? A resposta a esta questão se encontra em falhas no processo de monitoramento e de gestão do sistema elétrico.

De um lado, até maio deste ano utilizou-se apenas uma parte das termelétricas disponíveis para serem despachadas. De outro, em uma espécie de negacionismo energético, hesitou-se em reconhecer o grau de gravidade da crise e adotar ações mais assertivas de incentivo à redução da demanda de energia.

Só recentemente, com seis meses de atraso, o governo anunciou medidas de estímulo a diminuição do consumo de energia. Contudo, tanto os incentivos para que os grandes consumidores de energia economizem, como as medidas relativas aos consumidores ligados as distribuidoras, serão cobertos com o aumento das tarifas do conjunto de consumidores.

Tenta-se argumentar que a conta como um todo cairá, pois com a queda no consumo se reduzirá o despacho das termelétricas mais caras. Contudo, este argumento só é verdadeiro se a situação melhorar bastante. Caso contrário, dado o nível dos reservatórios, mesmo que haja uma economia de energia, as térmicas mais caras terão de ser mantidas ligadas.

A gravidade da situação ficou ainda mais evidente com o relatório recente o Operador Nacional do Sistema (ONS) que indica a necessidade de aumentar a oferta em 5,5 GW médios, o equivalente a 7,5% da carga do Sistema Interligado Nacional. Para isto será necessário postergar as manutenções programadas das termelétricas, equacionar questões judiciais relacionadas às disponibilidades de algumas termelétricas, importar energia da Argentina e Uruguai, dentre outras medidas.

Mesmo com estas ações, o ONS estima que na hipótese otimista os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro Oeste atingirão o nível de 11,3%.  A título de comparação, em novembro de 2001 os reservatórios destas regiões chegaram a 23%.

O mais grave é que em outubro e novembro deste ano será necessário utilizar parte importante da “reserva operativa” para garantir o atendimento da demanda. Procedimento bastante arriscado já que a “reserva operativa” é destinada para fazer face a erros de previsão de carga, erros de previsão de geração de fontes intermitentes ou a situações de contingência pela perda de unidades geradoras. Ou seja, vamos estar rodando com o estepe do carro e torcendo para que não haja nenhum acidente ou imprevisto.

Mesmo que a crise energética não resulte em racionamento ou apagão, o prejuízo para o consumidor e para a economia será enorme. Os aumentos das bandeiras para pagar as térmicas e a importação de energia, acrescidos dos encargos necessários para cobrir os benefícios aos consumidores que economizarem energia, serão somadas as revisões tarifárias periódicas. 

A consequência será um forte aumento nos preços da energia. Estes aumentos serão penosos para a população que já vem enfrentando os efeitos econômicos da pandemia. Eles também afetarão a economia de maneira geral, causando impacto inflacionário com reflexos negativos na taxa de juros e no ritmo da atividade econômica.