Bolsonaro falsificou documento
Dados falsos sobre número de mortes por Covid-19 em 2020 foram usados por Bolsonaro como se fossem do TCU. Fraude para dar aparência de oficial a informe negacionista forjado por funcionário filiado ao DEM
A CPI da Covid encontrou novos indícios de novo crime cometido por Jair Bolsonaro durante a pandemia. Na terça-feira, 17, a comissão tomou o depoimento do servidor Alexandre Marques, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), responsável pela elaboração de um documento usado por Bolsonaro para demonstrar, com dados falsos, que as mortes oficiais por Covid-19 no país em 2020 foram supernotificadas em pelo menos metade dos números.
Marques confirmou que um rascunho de relatório foi enviado pelo seu pai, o coronel reformado do Exército Ricardo Marques — amigo pessoal de Bolsonaro —, ao Palácio do Planalto. À CPI. o auditor não conseguiu convencer os senadores de que desconhecia que o informe, divulgado por Bolsonaro como um relatório oficial do TCU, seria enviado ao Planalto.
Bolsonaro apresentou à imprensa o documento adulterado como se fosse um relatório oficial do TCU. Segundo o servidor, o documento enviado ao pai não continha menção que levasse à interpretação de que tratava-se de um documento do tribunal. Marques responde a um procedimento administrativo disciplinar. “Fui pego de surpresa”, disse.
Ele enviou o relatório ao pai mesmo depois de os auditores do tribunal chegarem à conclusão de que seria impossível um conluio nacional para manipular o número de óbitos por Covid-19. A ideia de Marques para a confecção do informe foi, portanto, descartada antes mesmo de chegar à fase de execução. Daí a dificuldade de os senadores acreditarem que o envio do arquivo ocorreu sem uma conversa sobre o conteúdo e o contexto de sua elaboração.
Marques seguiu a narrativa negacionista de Bolsonaro de que os números de mortes por Covid foram inflados para que estados e municípios pudessem receber mais recursos da União. A conclusão, entretanto, não é confirmada por nenhum indício de manipulação ou alteração dos dados sobre o número de óbitos no país. Especialistas alertam que o Brasil está entre as nações suspeitas de subnotificações de casos de Covid, já que há baixa testagem e muitos dos óbitos registrados no início da pandemia foram feitos como se as vítimas tivesses sucumbido por síndrome respiratória aguda grave. Além disso, o governo nunca foi obrigado a promover repasses maiores.
O senador Humberto Costa (PT-PE) reforçou as suspeitas de que as alterações no documento original de Alexandre Marques foram feitas dentro do Palácio do Planalto, como a inclusão do selo do TCU. Para o parlamentar, houve uma tentativa de colocar em dúvida o número de mortos por Covid-19 para alterar repasses de recursos da União a estados e municípios a partir de uma eventual redução das vítimas. “O objetivo era reforçar o discurso negacionista do presidente, que dizia “não está morrendo tanta gente assim”, criticou.
Humberto lembrou que é obrigação dos servidores do TCU manter neutralidade no exercício profissional, sem apegos ideológicos ou partidários, assim como a manutenção de sigilo de relatórios, o que não foi o caso de Marques. Ele admitiu ser filiado ao DEM. “Essa decisão impensada poderia ter gerado um conflito interfederativo grave, colocando prefeitos e governadores em conflito com o governo federal”, advertiu o senador.
“Além do conflito, essa informação [do relatório] poderia contribuir negativamente para o enfrentamento à pandemia. É um dos crimes do Código Penal: disseminação de pandemia, não adoção de medidas sanitárias em pandemia”, elencou.