Bolsonaro abandona o povo
A Medida Provisória 1061 acabou com o Bolsa Família e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), dois ícones das políticas públicas que se tornaram referência mundial na redução da pobreza e no combate à fome. No lugar dos programas que estavam funcionando, surgem propostas mal elaboradas e com funcionamento e recursos incertos.
A população rural, que já vinha sofrendo com o desmonte das políticas públicas para a agricultura familiar, será excluída do auxílio emergencial e dificilmente será beneficiada efetivamente no Programa Auxílio Brasil ou no Programa Alimenta Brasil.
No caso do Programa Auxílio Brasil, o único benefício novo previsto para a população rural na MP é o Auxílio Inclusão Produtiva Rural, que de inclusão não tem nada e está mais para exploração produtiva rural.
Do que se consegue entender da mal elaborada proposta, está previsto um incentivo à produção, consumo e doação de alimentos saudáveis. O suposto incentivo não tem valor definido e seria repassado para as famílias de agricultores que estejam entre os beneficiários do Auxílio Brasil.
Aí começa a confusão. Isso porque a MP prevê uma contrapartida da família agricultora beneficiária na forma de doação de alimentos, que deve começar já a partir do terceiro mês. Caso contrário, ela pode perder o auxílio mensal. Tal contrapartida pode ser considerada ilegal, posto que exige a doação de um produto a partir do recebimento de um benefício. Ou seja, o governo exige uma contraprestação ao recebimento do benefício, gerando insegurança jurídica já na partida do programa.
Percebe-se que quem elaborou a medida não entende nada de agricultura, dos ciclos agrícolas, do tempo para preparar a terra, plantar, cuidar do cultivo, colher e dispor do alimento para o consumo, venda ou doação.
Em três meses, é impossível receber o benefício, que não se sabe ao certo qual será o valor repassado, e aumentar a capacidade produtiva a ponto de estar em condições de melhorar a segurança alimentar e ainda gerar excedentes para doar ao governo para atender outras famílias vulneráveis. A falta de conhecimento sobre agricultura e a incompetência do governo Bolsonaro são flagrantes porque pouquíssimas culturas tem um ciclo de produção igual ou menor que três meses.
Na vida real, a família agricultora que quiser continuar a receber o incentivo terá que tirar da própria mesa para doar os alimentos, uma vez que o governo federal ameaça a família com a exclusão do programa.
Além disso, o texto da MP coloca nas costas dos beneficiários a obrigação de comprovar as doações, exigindo de agricultores familiares capacidades que eles não têm de guardar documentos por até cinco anos e que serão exigidos pelos burocratas sabe-se lá quando. Um risco grande de criminalização da agricultura familiar, como já visto outras vezes nesse tipo de operação.
A MP traz ainda a proposta do Programa Alimenta Brasil, que viria no lugar do consagrado e famoso PAA, copiado mundo afora pela sua fórmula simples e eficaz.
A grande virtude do PAA é fortalecer a agricultura familiar, comprando alimentos produzidos por ela, e destinar estes alimentos para atender as necessidades da Rede Socioassistencial de Estados e Municípios. Ou seja, o mesmo recurso que compra alimentos da agricultura familiar, gerando renda no campo, ajuda a matar a fome e garantir a segurança alimentar de crianças, idosos e famílias vulneráveis atendidas pelo Sistema Único de Assistência Social, gerando um círculo virtuoso.
O novo Programa Alimenta Brasil é uma cópia malfeita do PAA, com trechos copiados de decretos dos governos Dilma e Lula, somados de trechos das leis anteriores que davam segurança jurídica para o funcionamento do programa.
O atual formato traz incertezas em relação a gestão e funcionamento do programa, além de ampliar brechas para o uso político dos alimentos adquiridos, dado o enfraquecimento da participação da Rede de Assistência e Proteção Social visto em toda a MP.
A MP sequer define o ministério que será responsável pelo programa e nem tão pouco quem integrará o grupo responsável pela sua gestão.
Recomenda-se revogar a criação do Programa Alimenta Brasil e reinstituir o PAA, que tem instrumentos mais que suficientes para ajudar a combater a fome e fortalecer a agricultura familiar. O programa precisa de recursos, que vêm sendo cortados sistematicamente nos últimos anos.
A mesma recomendação é feita quanto ao incentivo para inclusão produtiva rural. O Brasil já dispõe de instrumentos para promover a inclusão produtiva no meio rural e que estão sem recursos para o seu funcionamento.
As medidas do governo Bolsonaro são demagógicas, inconsequentes e sem perspectiva alguma de contribuir para a melhoria das condições de vida e produção da população rural em geral e da agricultura familiar, indígena e quilombola em particular.