Sob Bolsonaro, a maior floresta tropical do planeta, que já foi o pulmão do mundo — um sumidouro de carbono —, agora tem uma boa parte de sua mata bombeando mais CO2 do que é capaz de absorver. O desmatamento segue em alta e vai a ponto máximo

 

No início de agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ligado à Organização das Nações Unidas, anunciou um novo informe desmontando a tese negacionista do governo Bolsonaro e de outros ativistas, como Donald Trump, sobre o aquecimento global. O documento dá pressão extra ao Brasil, que precisará apresentar garantias para frear o desmatamento, sob pena de sofrer sanções econômicas e perder negócios em mercados importantes, como Europa e Estados Unidos, destinos de boa parte de alimentos produzidos em território nacional.

O IPCC coloca ênfase que as mudanças climáticas experimentadas pelo mundo nos últimos 40 anos tem origem nas atividades humanas como responsáveis pelo aumento da emissão de CO2. Eles consideram que é “extremamente provável” que a ação humana seja a causa da destruição da camada de ozônio. Há mais de uma década, o IPCC constatou que as mudanças climáticas eram realidade. Agora, apontam que o cenário está intimamente relacionado com a atividade humana e que não se trata de um ciclo do planeta.

As inundações na Alemanha e na Bélgica, em julho, as enchentes na China, o calor no noroeste dos Estados Unidos, e o degelo no Ártico são apenas uma mostra do que está por vir. As mudanças estão acontecendo com um aquecimento médio de apenas 1,1°C em relação aos níveis pré-industriais. O sexto relatório do Grupo de Trabalho I do IPCC mostra que o mundo atingirá ou excederá 1,5°C de aquecimento nas próximas duas décadas. Limitar o aquecimento a este nível e evitar os impactos climáticos mais severos depende de ações nesta década.

Apenas cortes ambiciosos nas emissões permitirão manter o aumento da temperatura global em 1,5°C, o limite que os cientistas dizem ser necessário para prevenir os piores impactos climáticos. Em um cenário de altas emissões, o IPCC constata que o mundo pode aquecer até 5,7°C até 2100 – com resultados catastróficos. E o que isso tem a ver com o Brasil? Tudo. O IPCC prevê aumento de temperaturas na América do Sul em taxas maiores que a média global, mais chuvas no sul e sudeste do Brasil, mais seca no Nordeste e aumento de seca agrícola e ecológica.

O desmatamento, mudanças climáticas e incêndios ameaçam colocar a Amazônia num caminho de uma “transformação ecológica em larga escala”, com um impacto para todo o planeta. O alerta está em um dos relatórios do IPCC. “A floresta amazônica como um repositório de biodiversidade, está ameaçada pela relação entre as mudanças no uso da terra e as mudanças climáticas, que poderia levar a uma transformação ecológica em larga escala e a mudanças biológicas a partir de um floresta úmida em floresta seca e pastagens, reduzindo a produtividade e o armazenamento de carbono”, adverte.

Desde 2019, o governo Jair Bolsonaro deu sinal verde para a destruição das matas na Floresta Amazônica, liberando o desmatamento, incentivando a mineração em áreas de preservação e tornando a vida de índios e comunidades ribeirinhas um suplício. Agora, a Amazônia, a maior floresta tropical da Terra, responsável por quase um terço da floresta primária do globo, deixou de ser um dos maiores sumidouros de carbono. Parte da floresta amazônica bombeia carbono na atmosfera.

Em estudo recente publicado pela revista Nature, a comunidade internacional tomou conhecimento que a destruição desenfreada das florestas tropicais brasileiras está num ponto de não retorno. As árvores emitem mais carbono do que conseguem absorver. No final de 2020, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) relatou que o desmatamento na Amazônia atingiu seu ponto máximo nos últimos 12 anos.

O desmatamento é impulsionado pela produção de carne bovina, de longe o maior agressor na batalha contra as mudanças climáticas, com a crescente demanda da população mundial por proteína — de hambúrgueres a suculentos bifes. É isso que está transformando a dinâmica do desmatamento. Parte das autoridades da União Europeia querem mudar essa trajetória. A perspectiva de um acordo de livre comércio UE-Mercosul poderia trazer benefícios globais.

As promessas vazias de Bolsonaro de salvar as florestas tropicais remanescentes são um engana trouxa. Há uma pressão crescente de ONGs para reverter a ameaça que o Brasil se tornou para o mundo. Mais de 450 organizações da sociedade civil na Europa lançaram recentemente a coligação “Stop UE-Mercosul”, apelando aos líderes de ambos os lados do Atlântico para impedir que o acordo seja ratificado. Embora seja impossível reverter a demanda do consumidor por carne bovina (e outras commodities), é viável produzir bens de maneiras que não contribuam para o desmatamento.

Estudo da organização sem fins lucrativos CDP descobriu que o óleo de palma, de todas as commodities de risco florestal, está tendo sucesso no combate ao desmatamento, especialmente em comparação com a carne bovina e a soja. Esse é especialmente o caso da Malásia, o segundo maior produtor mundial de óleo de palma. Lá, a indústria introduziu um esquema de certificação obrigatório, com penalidades para o não cumprimento, conhecido como Óleo de Palma Sustentável da Malásia (MSPO), que MSPO reduziu drasticamente a taxa de desmatamento do país.

Tal certificação exige que os produtores atendam aos padrões que proíbem a conversão de florestas tropicais em plantações de óleo de palma, ao lado de leis que consagram direitos e proteções trabalhistas, bem como proteções para a vida selvagem tropical. Agora, 90% dos produtores de óleo de palma da Malásia são certificados pelo MSPO.

Ativistas ambientais apontam que, como a floresta amazônica não está mais desacelerando os efeitos do aquecimento global, mas contribuindo para aumentar, a janela para reverter o quadro agora é menor e mais estreita. Faltando apenas dois meses para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), o mundo não tem tempo a perder se quiser evitar a catástrofe climática mais severa da história da humanidade. O futuro depende disto. A COP 26 acontece em Glasgow, onde líderes globais avaliarão os resultados do Acordo de Paris de 2015, um marco nas negociações internacionais sobre o clima.