Lula, nas redes e nas ruas
Na semana que passou, o ex-presidente Lula concedeu entrevista de pouco mais de duas horas ao Jornal Brasil Atual, da TVT, apresentado pelo jornalista Glauco Faria. Lula defendeu a retomada dos direitos trabalhistas e previdenciários. Disse também que, para reconstruir políticas sociais para a parcela mais pobre da população, será necessário tributar os mais ricos.
Outra notícia importante é que Lula está de volta às ruas. Ele inicia caravana ao Nordeste, com chegada primeiro a Pernambuco no próximo dia 15, passando depois por Piauí, Maranhão e Ceará.
Acompanhe os principais momentos da entrevista:
Inquérito do TSE contra Bolsonaro
“Mais grave do que desrespeitar as instituições, como o Bolsonaro está fazendo, é o desrespeito à sociedade brasileira, com seu comportamento totalmente avesso a qualquer seriedade. O Bolsonaro não leva em consideração o desemprego, ele não leva em consideração a fome, o aumento do custo de vida, ele não leva em consideração a situação em que o povo está vivendo. O desmantelamento que ele fez na ciência e tecnologia, nas universidades. E ele fica discutindo coisas que não têm nexo. Colocar em xeque as urnas eletrônicas neste período histórico, depois de tantas eleições, é efetivamente ficar procurando pelo em ovo. Ele agride as pessoas, ele desrespeita as pessoas. E não governa o país. Você não vê um gesto dele ligado à governança do país. Quem governa o país hoje é o Guedes, do lado do desmonte das empresas públicas, e o presidente da Câmara. O Bolsonaro prefere ficar passeando de motocicleta. Ao tomar essa decisão de abrir inquérito, o Tribunal Superior Eleitoral começa a fazer um processo de investigação para colocar as coisas no seu devido lugar. O seu Bolsonaro, quando foi eleito com fake news, ele disse que queria governar o Brasil. Então ele tem obrigação de governar o Brasil e parar de falar bobagens, porque ninguém aguenta mais ouvir as cretinices que o Bolsonaro diz todo santo dia”.
Volta da fome, inflação e corrupção
No discurso do Bolsonaro não existe a questão da fome. Ele sabe que a fome está ligada ao desemprego, à queda de salários, ao aumento dos preços dos gêneros de primeira necessidade. O arroz subiu quase 50%, o feijão quase 25%, a carne quase 40%. As coisas têm subido muito, de forma descontrolada. Ele não cuida dessas coisas. Além de ele não cuidar dessas coisas, ele não cuida da corrupção, porque até hoje o Queiroz não foi investigado, processos sobre seus filhos são decretados sigilosos por cem anos. É até uma piada. Não tem nenhuma base legal, é um decreto dele: ‘eu quero proteger’”.
“Velha política”
“Ele dizia que ‘ah, a velha política é a desgraça deste país. Eu não vou conversar com o Congresso Nacional…’ Ele agredia o Fernando Henrique, o Sarney, ele agredia o Lula, ele agredia todo mundo que conversava com o Congresso Nacional. E agora ele está tendo uma relação promíscua com a velha política, porque o relator do Orçamento tem 20 bilhões de reais para gastar nessas eleições agora, o presidente da Câmara tem mais 3 bilhões e agora falta fazer um orçamento para as eleições. Então, as instituições (TSE, STF) estão certas e o Bolsonaro tem de aprender uma lição: a gente faz política com quem foi eleito, com os partidos políticos que existem. E a gente não fala bobagem, a gente governa.”
Fake news
“Nós temos que ter claro que a única eleição que foi roubada foi a eleição do Bolsonaro. Só tem um presidente que pode dizer que ganhou uma eleição roubada, com base na mentira, com base no medo: foi o Bolsonaro. Ele é especialista em contar mentira. Eu vi outro dia o relatório de um observatório internacional que disse que o Bolsonaro conta no mínimo quatro mentiras por dia. Você imagina isso em três anos. Acho que nós temos de ir preparando uma forma para que nas eleições não predominem as mentiras. A sociedade não pode se movimentar, nem socialmente nem eleitoralmente, a partir das mentiras. É obrigação de todos nós diminuir o impacto das fake news nas eleições e no funcionamento da sociedade.”
CPI da Covid
“Eu acho que a CPI tem agido com muita seriedade. O presidente, o relator, os membros da CPI estão agindo com muita seriedade. E tem a parte das pessoas que defendem o governo que não sabem mais como defender, não tem mais argumentos. Já está provado a quantidade de crimes que foram cometidos nessa questão da vacina. As pessoas precisam ser responsabilizadas pelas muitas mortes que ocorreram no Brasil. Acho que o Supremo deve garantir para que não haja um suporte para as pessoas que vão mentir na CPI. Eu estou convencido que a CPI vai ter um final muito eficaz para mostrar à sociedade brasileira como foi a bandalheira que permitiu que o Brasil tivesse tantas mortes por conta da Covid.”
Reencantar a política
“Eu sempre afirmei que quando você nega a política, o que vem depois dela é muito pior. Eu costumo dizer em encontros com jovens: o dia em que um jovem não acreditar mais em ninguém, em vez de você desanimar, entre na política. Porque talvez o político correto que você quer, o político combativo que você quer, está dentro de você. Quando você diz que ninguém presta, quando você começa a negar tudo isso, o resultado é o fascismo, o nazismo, a ditadura. A política é bonita quando exercida democraticamente, porque permite alternância de poder, de classes sociais no poder. Não existe saída para os problemas da sociedade mundial fora da política. Agora, é preciso saber escolher.”
Não vote em patrão
“Você quer uma reforma tributária em que o rico pague imposto de renda? Então você não pode votar em rico para ser maioria no Congresso Nacional. Você quer uma reforma agrária pacífica para que a terra seja distribuída de forma justa no Brasil? Você não pode votar em 300 deputados ruralistas. Você não pode votar em patrão achando que ele vai fazer aquilo que o trabalhador deseja. Daqui para a frente, nós vamos ter de nos dirigir à urna e pensar, contar até dez, saber o que a gente quer, saber quem tem compromisso com você e saber quem já fez aquilo que você deseja.”
Meios de comunicação
“As pessoas às vezes acham que eu sou bravo quando eu falo dos meios de comunicação. Mas o que eu falo é só constatação. Hoje eu acho que eu sou o político que mais teve convivência com a imprensa, desde 1975, quando eu assumi a presidência do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Vivi vários momentos bons, momentos difíceis, convivendo com a imprensa. Eu sei que a imprensa foi em sua grande parte cooptado pelo projeto do Consenso de Washington, para o processo do neoliberalismo, pela globalização criada pelo Ronald Reagan e pela Margaret Thatcher, o desmonte do Estado. Vou dar um exemplo: houve a reforma da Previdência e você não viu um trabalhador ser chamado num jornal para defender a Previdência. Teve a reforma trabalhista, e nenhum trabalhador foi chamado para falar contra a reforma. Agora tem a reforma tributária e você não vê um trabalhador ser chamado para falar sobre o que eles querem (…) eu acho que a imprensa tem um papel extraordinário na construção da democracia na hora que informar corretamente. Mas eu acho que isso faz parte do jogo democrático, ao invés de reclamar, temos de continuar remando, porque temos que mudar muitas coisas e fazer uma regulação nos meios de comunicação. É uma necessidade.”
Reforma tributária
“Se a gente quiser fazer uma política tributária correta para o Brasil dar certo, nós temos que fazer duas coisas: uma, é colocar o povo no Orçamento, e a outra, é colocar o rico no imposto de renda. Porque a verdade é que quem paga imposto de renda neste país é quem trabalha e ganha salário e é descontado na fonte.”
União nacional
“Eu vivo pensando em como juntar gente para resolver os problemas do Brasil. Hoje você terá que ter muita habilidade para juntar os empresários, os trabalhadores, as universidades, para juntar as pessoas que pensam no Brasil, para encontrar uma solução. Não tem mágica. Não tem um homem que possa fazer isso, não tem um partido que possa fazer isso. Na verdade, um conjunto de pessoas que querem bem ao Brasil. Você tem que juntar esse pessoal e pensar o que queremos para a próxima década. Porque o Brasil que nós começamos a construir em 2002 foi destruído com o golpe de 2016. Prometeram muitas coisas para o povo dizendo que o problema era a Dilma e o PT. E as pessoas estão percebendo que o problema é que tem uma parte da elite que não se conformou com as políticas de inclusão social que nós colocamos em prática”.
Emprego e direitos trabalhistas
“O trabalhador precisa de uma certa segurança. Ele tem direito a um processo de seguridade social e não pode ficar com um trabalho que não dê nenhuma garantia em momento de infortúnio. Aquelas promessas que eles fizeram, aquelas bobagens de carteira verde e amarela, de que todo mundo vai ser pequeno empreendedor, na verdade eles queriam que o trabalhador perdesse a garantia de ter um emprego, perdesse o compromisso de ser tratado de forma civilizada pelos empresários, de ter férias, 13º. Eu participei de muitos debates em que pessoas colocavam os direitos do trabalhador como custo Brasil. E isso é indescritível: na Alemanha, um trabalhador ganha quatro vezes mais que seu similar no Brasil e nem por isso a Alemanha diz que isso é custo Alemanha. No Brasil, tudo é jogado nas costas das poucas conquistas que os trabalhadores tiveram. Quando eu vejo o ministro da Economia falar dos empregos do Caged, eu penso que a imprensa deveria cobrar: ‘mas que emprego é esse?’ No meu tempo, o Caged fazia a diferença entre as contratações e as demissões e ali se colocava quantos empregos haviam sido gerados. Hoje não é mais assim. Eu queria saber: que tipo de emprego é esse? O que nós sabemos é que o desemprego está campeando. As pessoas estão fazendo bico.
Eu quero dizer que nós vamos sentar com o movimento sindical, com a sociedade brasileira, com os especialistas em trabalho digital, e vamos pensar que mundo do trabalho a gente quer. Uma coisa eu sei: queremos que o trabalhador tenha sustentabilidade no seu emprego, que ele tenha garantia de que não será trocado como se troca papel higiênico. O trabalhador precisa de paz. Quanto mais paz tiver, mais vai produzir para seu país.
Indústria e trabalho digital
“Nós precisamos juntar as empresas bem-sucedidas no Brasil, de alta tecnologia, os empresários que efetivamente pensam em contribuir com o crescimento, temos que juntar tudo que existe na universidade de inteligência viva e ativa, junto com os trabalhadores e com o governo, para encontrar soluções de como gerar mais empregos. O que é esse mundo digital, da inteligência artificial, e desenvolver esse novo mercado de trabalho. Esta semana eu tive um encontro com jovens e fiquei assustado. Porque eram todos jovens bem formados, e não têm perspectiva do que fazer na vida. É preciso encontrar soluções para esse jovem trabalhar naquilo que estudou. E volte a sonhar”.
Porque governar
“(Quando presidente) Eu tinha na cabeça que eu não era dono do Brasil. Eu só tinha que governar o Brasil porque eu tinha recebido um mandato da sociedade brasileira e que, portanto, eu tinha que governar para todo mundo. Significa governar para o grande e para o pequeno. É por isso que você vai perceber que no nosso governo foi a primeira vez que os 10% mais pobres tiveram um ganho maior do que os mais ricos, ou seja, 15% a mais na chamada distribuição da riqueza. É claro que é pouco, mas o dado concreto é que nós começamos a fazer com que a sociedade pudesse sonhar. E é possível fazer isso. Vamos discutir com a sociedade. É pensar em reconstruir este país sem ódio, sem mágoa. E sem bravata.