O fiasco das manifestações da extrema direita em favor do voto impresso, no último fim de semana, não impediu o presidente Jair Bolsonaro de subir o tom contra a democracia e contra o sistema eleitoral brasileiro. Já na segunda-feira (2), Bolsonaro partiu para o ataque contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e acusou o presidente a corte, Luís Roberto Barroso, de querer uma eleição suja em 2022.

“Quem quer eleição suja e não democrática é o ministro Barroso. Esse cara se intitula como não pode ser criticado”, disparou o mandatário, em conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada. Também voltou a mentir e declarou que a contagem dos votos seria feita em uma sala secreta no TSE, alegação já desmentida pelo órgão.

Dessa vez, a reação aos ataques de Bolsonaro tardou. Na mesma data, o TSE aprovou a abertura de um inquérito e o envio de uma notícia crime ao Supremo Tribunal Federal (TSE) para que Bolsonaro seja investigado no inquérito das fake news de 2019, por ataque ao sistema eleitoral

“Há coisas erradas acontecendo no país e nós todos precisamos estar atentos. Precisamos das instituições e precisamos da sociedade civil, ambas bem alertas. Nós já superamos ciclos do atraso institucional, mas há retardatários que gostariam de voltar ao passado. E parte dessas estratégias incluem o ataque às instituições. Uma das manifestações do autoritarismo no mundo contemporâneo é precisamente o ataque às instituições, inclusive o ataque às instituições eleitorais que garantem um processo legítimo de condução aos mais elevados cargos da República”, defendeu Barroso.  

Diante da decisão do TSE, Bolsonaro resolveu dobrar a aposta golpista e, na terça-feira (3), disse que não iria aceitar “intimidações” e que eleições “duvidosas” não serão realizadas em 2022. “O ministro Barroso presta desserviço à nação brasileira, cooptando agora gente de dentro do Supremo, né, querendo trazer para si, ou de dentro do TSE, como se fosse uma briga minha contra o TSE ou contra o STF. Não é. É contra ministro do Supremo que é também presidente do TSE querendo impor a sua vontade”, falou.

Entretanto, o arroubo autoritário do presidente não surtiu efeito. Na quarta-feira (4), o ministro Alexandre de Moraes do STF acatou o pedido do TSE e incluiu Jair Bolsonaro como investigado no inquérito das fake news. A decisão de Moraes cita que o ex-capitão pode ter incorrido em 11 crimes, tais como calúnia, difamação, injúria, incitação ao crime, associação criminosa e denunciação caluniosa.

Além disso, a tentativa de mudar mediante emprego da violência o regime vigente, fazer propaganda de processos violentos para alteração da ordem política e a incitação a subversão da ordem.  Moraes baseia a decisão no argumento de que Bolsonaro fez afirmações falas e criou narrativas para deslegitimar as instituições e estimular ataques às próprias instituições e às urnas eletrônicas.

Descontrolado, Bolsonaro aumentou a fervura e disse que o antídoto para a inclusão dele como investigado não está “dentro das quatro linhas da Constituição”.  “Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado”, ameaçou.

O presidente também desferiu ataques pessoais contra o ministro Alexandre de Morais. “A hora dele [Moraes] vai chegar”, disse o presidente. “Não dá para continuarmos com ministro arbitrário, ditatorial”, completou em entrevista à Rádio 93 FM, do Rio de Janeiro.

Nas redes sociais, Morais declarou que “ameaças vazias e agressões covardes não afastarão o Supremo Tribunal Federal de exercer, com respeito e serenidade, sua missão constitucional de defesa e manutenção da Democracia e do Estado de Direito”.

A quinta-feira (5) também trouxe más notícias para Bolsonaro. Em reação aos recorrentes ataques do ex-capitão às instituições democráticas do país, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, declarou que Bolsonaro não cumpre a própria palavra e cancelou a reunião entre os três poderes que havia convocado.  “”Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual”, declarou.

O presidente do STF também se solidarizou com os ministros Barroso e Moraes, alvos de ataques de Bolsonaro e disse que “quando se atinge um dos integrantes do tribunal, se atinge a corte por inteiro”.  Criticou ainda o fato de o mandatário do país manter “a divulgação de interpretações equivocadas de decisões” do Supremo e de insistir “em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro”.

O isolamento de Bolsonaro avança ainda entre alguns de seus aliados. Matéria do jornal Folha de São Paulo de sexta-feira (6) revelou que, em conversar reservadas, comandantes do Alto-Comando do Exército tem manifestado concordância com o gesto de Fux. “Generais afirmam que a reação de Fux faz sentido, diante do reiterado comportamento de Bolsonaro, que deixa claro que não quer conversa, na visão desses militares”, aponta a reportagem.

Segundo a matéria, a caserna afirma que não há possibilidade de um golpe de Bolsonaro. “No Alto-Comando, existe um temor real de que se repitam no Brasil as cenas vistas nos Estados Unidos após a derrota do republicano Donald Trump, ídolo de Bolsonaro, para o democrata Joe Biden”, revela.

O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) foi outro que deixou evidente a discordância com as agressões de Bolsonaro. “Nem o presidente da República, nem qualquer cidadão podem agredir a Suprema corte do país” e “todos aqueles que pregarem retrocessos democráticos para 2022 serão apontados pelo povo e pela história como inimigos da nação” declarou o parlamentar à GloboNews.

Em outro recado a Bolsonaro, empresários, banqueiros, acadêmicos, políticos, personalidades e intelectuais aderiram a um manifesto em defesa do sistema eleitoral e da ordem democrática. O documento, que está aberto para apoios na internet, conta com cerca de 6 mil assinaturas, conforme balanço parcial dos próprios organizadores.

Bolsonaro também foi derrotado com a questão do voto impresso na Câmara dos Deputados. A Comissão Especial que analisa a PEC que torna obrigatório o voto impresso rejeitou, na noite daquinta-feira (5) o parecer do relator, deputado Filipe Barros (PSL-PR), favorável à proposta. Foram 23 votos contrários e 11 favoráveis. o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) – coordenador da bancada petista no colegiado – destacou que, diante dos retrocessos contidos na proposição, não havia outro caminho saudável para a democracia a não ser derrotar o voto impresso.

“Na nossa opinião, defendemos o voto transparente, mas entendemos que atualmente existem mecanismos de aferição de que o voto do cidadão é respeitado. É sempre possível aprimorar, nisso nós concordamos. O que não concordamos é com o voto impresso”, explicou.

O atoleiro em que Bolsonaro se meteu parece longe do fim. A degradação da imagem e do apoio popular ao governo são cada vez maiores, como revelam todas as pesquisas de opinião recentes. A CPI da Pandemia no Senado Federal avança sobre fortes indícios de corrupção na compra de vacinas contra a Covid-19 e a equipe econômica se mostra cada vez mais inoperante para apresentar soluções de enfrentamento do desemprego, da fome a da miséria crescentes e de retomada do crescimento. O Brasil tem no governo um presidente atolado, deteriorado e, agora, investigado.