O velhaco e a velha política
Bolsonaro abraça o Centrão, rasga a fantasia de moderado e volta a atacar as instituições e o voto impresso, ameaçando o país e elevando novamente a tensão política. Enquanto entrega o coração do governo ao PP, mantém a corda esticada
Bolsonaro abraça o Centrão, rasga a fantasia de moderado e volta a atacar as instituições e o voto impresso, ameaçando o país e elevando novamente a tensão política. Enquanto entrega o coração do governo ao PP, mantém a corda esticada
A semana começou quente na política, sob a pressão das ruas pela quarta onda de manifestações massivas reunindo mais de 600 mil pessoas nas cidades brasileiras e no exterior em protestos contra o presidente Jair Bolsonaro. Se não bastassem as ameaças do ministro da Defesa, General Braga Netto, à realização das eleições de 2022 — caso não seja adotado o voto impresso —, na quinta-feira, 29, foi a vez do próprio presidente voltar ao seu velho papel de agitador mentiroso.
Em sua live semanal, transmitida pelas redes sociais e pela TV Brasil, Bolsonaro recorreu novamente às mentiras e atacou o sistema das urnas eletrônicas do Tribunal Superior Eleitoral, levantando mais uma vez a suspeita de fraude nas eleições. Pior. Lançou a sombra de seu dedo podre ao presidente do TSE, ministro Luiz Roberto Barroso. “Por que o presidente do TSE quer manter suspeição das eleições? Quem ele é? Por que ele fica interferindo por aí, com que poder?”, questionou Bolsonaro.
Ele repetiu que a contagem das eleições é secreta e de que há necessidade de uma apuração pública. “Será que esse modo de se fazer eleições é seguro, é blindado? Os que me acusam de não apresentar provas, eu devolvo a acusação. Me apresente [sic] provas [de que] não é fraudável”, desafiou.
O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, acusou Bolsonaro de incorrer em crime de improbidade administrativa ao utilizar a estrutura pública para questionar a lisura do processo eleitoral brasileiro, sem apresentar provas. “Que outro presidente da República fez utilização tão descarada do sistema de comunicação público no Brasil?” A OAB vai denunciar o presidente.
Ministros do Supremo Tribunal Federal e do TSE classificaram, nos bastidores, como “patética” a manifestação do presidente. Para integrantes das cortes, Bolsonaro se mostra desesperado diante da perda de popularidade e das denúncias de suspeitas de irregularidades e corrupção na compra de vacinas no Ministério da Saúde. Chamou a atenção dos ministros a participação do ministro da Justiça, Anderson Torres, na transmissão do presidente. Apesar da inquietação e mal estar vazados pelos integrantes do STF à imprensa, não houve qualquer manifestação oficial do ministro Luiz Fux, presidente da Corte.
Coube ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, uma medida prática: ele determinou que a Polícia Federal retome as investigações do inquérito que apura se Bolsonaro tentou interferir na instituição. O caso estava suspenso e, segundo Moraes, a PF não precisa mais aguardar a definição sobre o formato do depoimento de Bolsonaro (se por escrito ou presencial). O julgamento do STF sobre o tema está marcado para setembro. Moraes cobrou diligências pendentes para a PF cumprir que podem ser executadas independentemente do depoimento.
E foi o decano Gilmar Mendes quem rechaçou as ameaças. Ele disse que o discurso de não aceitar o resultado dos pleitos “esconde algum tipo de uma intenção subjacente, de uma intenção que não é boa”. Ele ainda chamou a atenção para os “efeitos deletérios” das fake news no processo eleitoral. “Vamos parar um pouco de conversa fiada. Claro que todos nós somos favoráveis à audibilidade da urna, e ela é auditável”, diz.
Ainda na quinta, Bolsonaro havia afirmado que o STF cometeu crime ao permitir que prefeitos e governadores tivessem autonomia para aplicar medidas restritivas contra a pandemia da Covid-19. “O Supremo, na verdade, cometeu um crime ao dizer que prefeitos e governadores de forma indiscriminada poderiam, simplesmente suprimir toda e qualquer direito previsto no inciso [do artigo] 5º da Constituição, inclusive o ‘ir e vir’”, disse o presidente mentiroso.
As reações mais duras partiram de líderes da oposição. “O Palácio do Alvorada virou palanque eleitoral. Só fraudaram o 1º turno de 2018? Cadê as provas de fraude nas urnas? Ele mesmo disse, não tem provas. Tem de ser interpelado judicialmente”, diz a presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que Bolsonaro voltou a cometer crime de responsabilidade ao fazer acusações infundadas sobre o sistema eleitoral brasileiro. “Infelizmente, de certa forma, ele comete tantos crimes, com tanta frequência, instigando a população contra os poderes constituídos, atingindo a honra, não só de ministros da Suprema Corte, mas também a própria estabilidade institucional entre os poderes que as pessoas começam a achar isso, de alguma forma comum, e começam a banalizar a postura do presidente da República”.
A turma dos panos quentes voltou a agitar a cena brasiliense. Dirigentes do Centrão fizeram um “apelo” e pediram “moderação” a Bolsonaro após a live com mentiras sobre urnas. Segundo o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), ele se comprometeu a “melhorar o discurso”. A aposta é que Ciro conseguirá convencer Bolsonaro a virar a chave e falar para a população de que é seguro votar e deixar de lado a tese das fraudes nas urnas. Não é a primeira vez que dirigentes do Centrão apelam a Bolsonaro para que ele recue em declarações radicais. O presidente costuma variar em suas falas. Ora soa mais moderado, ora volta atacar Congresso, STF e minimizar a pandemia. É o seu comportamento padrão: morte e assopra. A ex-presidenta Dilma Rousseff avalia que a esperança do mundo político é inútil. Bolsonaro não tem o chip da moderação.