Mensagens apreendidas na Operação Spoofing mostram como procuradores da força-tarefa sonhavam com o uso do spyware da empresa israelense NSO para espionar ilegalmente o ex-presidente

 

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou na segunda-feira, 26, como a força-tarefa da República de Curitiba negociou a aquisição de programas de espionagem, incluindo o israelense Pegasus, contra o líder petista até 2018, num esforço de manter o lawfare — o uso da máquina judiciária contra um adversário político. O software foi denunciado, em julho, pelo consórcio liderado pelos jornais The Guardian e Le Monde para invadir celulares de influentes líderes políticos globais — incluindo o presidente da França, Emmanuel Macron —, além de jornalistas e ativistas de direitos humanos ao redor do mundo. O spyware foi desenvolvido pela empresa israelense NSO e está sendo alvo de investigações na Europa.

Os advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Martins encaminharam ao Supremo Tribunal Federal (STF) cópias de mensagens de celular trocadas entre procuradores da Lava Jato, apreendidas pela Polícia Federal, na chamada Operação Spoofing. Documentos obtidos pelo jornalista Jamil Chade, do UOL, revelam outros detalhes das negociações entre os procuradores e representantes da empresa NSO, que vendia o sistema.

Segundo a defesa de Lula, no fim de 2017, os procuradores da Lava Jato em Curitiba planejavam criar um bunker munido de computadores e programas espiões para continuar suas perseguições ilegais a inimigos políticos, especialmente Lula e o PT. Eles estavam dispostos a comprar os equipamentos de forma escamoteada, apropriando-se de valores obtidos por meio de delações premiadas.

Em janeiro de 2018, os integrantes da Lava Jato marcaram reunião com a empresa NSO, fabricante do Pegasus, mesmo sabendo que o programa permitia violações graves à legislação brasileira, como usar o celular das pessoas para filmá-las e gravá-las em tempo real. O polêmico spyware virou notícia no mundo por ter sido utilizado por governos para espionar jornalistas, ativistas e inimigos políticos dos chefes de estado. Segundo um consórcio de 17 jornais de dez países, ao menos 180 jornalistas chegaram a ser monitorados por meio do sistema Pegasus.

“Quanto mais conhecemos as entranhas da Lava Jato, mais claro fica o projeto autoritário de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol”, criticou a presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann. “Queriam destruir Lula e substituir a democracia por um estado policial. A cara do Bolsonaro. Mais um crime revelado pelos advogados de Lula”.

A proposta de criação do bunker aparece nas conversas dos procuradores no fim de novembro de 2017. Mais adiante, na mesma conversa, os procuradores de Curitiba começam a discutir como usariam recursos de delações premiadas para montar o próprio centro de espionagem. Eles estudam repetir uma estratégia utilizada por procuradores do Rio de Janeiro. A falta de escrúpulos é tamanha que um dos procuradores diz: “Pode ter dado certo (a estratégia usada no Rio), mas certo não está hehe”.

Dois meses depois, os procuradores se mostram entusiasmados com a possibilidade de adquirir o Pegasus e marcam uma reunião com representantes da empresa israelense. Segundo Jamil Chade, o procurador Júlio Noronha, que integrou a força-tarefa de Curitiba por cinco anos, manteve contato com representantes no Brasil da empresa NSO Group, dona do software Pegasus, para tentar adquirir a ferramenta.

Em uma das conversas, trocadas no fim de março de 2018, a NSO informa ao procurador Júlio Noronha, em um email intitulado “PEGASUS”, que a empresa havia até incluído algumas “funcionalidades” no sistema após observações feitas por integrantes do Ministério Público em conversas anteriores. Ou seja, a Lava jato não estava apenas negociando o Pegasus, mas adquirindo uma versão personalizada do software espião.

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