Julho de 2021

Grupo de Puebla dois anos de progressismo e regionalismo plural

O Grupo de Puebla comemora dois anos de sua criação. Durante esse curto, mas substancial período, o Grupo demonstrou sua relevância hemisférica. Em 2019, alguns ex-presidentes, ex-chanceleres, acadêmicos e políticos latino-americanos e espanhóis identificados com a necessidade de se abrir novos espaços progressistas na América Latina, se reuniram em Puebla, uma emblemática cidade mexicana, para dar início a um processo de debate acerca de iniciativas públicas progressistas, cuja vigência não dependesse da permanência dos governos de turno ou do vai e vem das mudanças ideológicas.

 

A região vivia então uma conjuntura crítica. Os governos de direita recém-eleitos anunciavam a mudança de rumos anteriormente percorridos em prol da integração regional como o da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Também congelaram por tempo indeterminado as atividades realizadas por meio de outros mecanismos sub-regionais de integração como o MERCOSUL, a Comunidade Andina e a CELAC, considerada o espaço “guarda-chuva” onde, ainda hoje, todos os presidentes latino-americanos podem se reunir.

 

Paradoxalmente, a região, que se caracterizava por uma rica história de espaços de relações regionais e acordos políticos, se desintegrou – justamente quando era necessária uma maior integração -, voltando a depender como antes do polo hegemônico dos Estados Unidos. Com isto, floresceram também os populismos de direita: o punitivo para reprimir, com encarceramento, as condutas sociais; o fiscal para desonerar os grandes interesses econômicos; e o nacionalista para regressar ao bilateralismo. Foram desmontados mecanismos de integração sub-regional que, durante anos, permitiram a busca de espaços comuns nos quais governos de diferentes ideologias atuavam em prol de acordos bilaterais de livre comércio, que reduziram a relação internacional dos países à mobilidade de bens e serviços para e do hemisfério norte.

 

O Grupo de Puebla nasceu para renovar a agenda regional com a inserção de temas tais quais a inclusão social, o modelo econômico de desenvolvimento, o conhecimento, as mudanças climáticas, a paz, os direitos humanos, a continuidade democrática e a construção de uma cidadania que voltasse a lançar as bases de um projeto progressista em sintonia com as demandas do presente e os riscos do futuro da região. Ao longo desse tempo, o Grupo tomou algumas iniciativas relacionadas à liberdade do ex-presidente Lula da Silva, ao fim da perseguição a Rafael Correa e à proteção da vida de Evo Morales em meio ao golpe de Estado militar na Bolívia.  Com a volta da democracia na Bolívia, a denúncia das ações fraudulentas do Secretário-Geral da OEA, Luis Almagro, e a reivindicação pela indicação de um presidente do BID alheio aos interesses regionais. Também com a solicitação à OMS para que as vacinas fossem declaradas bens universais, o apoio a medidas de controle de grandes empresas farmacêuticas de vacinas e a renegociação da dívida externa para financiar o pós-pandemia. O Grupo alçou sua voz em oposição às medidas unilaterais, ilegais e desumanas contra países como Cuba e Venezuela e à exigência de protocolos de proteção aos protestos sociais como os da Colômbia e do Chile. Expressou sua solidariedade à Assembleia Constituinte paritária chilena e apoiou, com igual veemência, a continuidade do processo de paz na Colômbia. Essas manifestações e posições do Grupo de Puebla são o resultado de múltiplas e profundas discussões nos diferentes espaços criados para encontrar afinidades e expressar convergências.

 

O Grupo já realizou seis encontros, dez oficinas de trabalho e várias dezenas de “Diálogos de Cambio”, por meio dos quais abordou os temas antes mencionados. São debates com participação diversa, plural e representativa em termos setoriais, geográficos e de gênero dos membros e convidados do Grupo, aproveitando as vantagens da comunicação virtual e com a ideia de que a nova agenda progressista resulte de uma dinâmica construtiva precisa e atual. Para completar esta visão, foram criados dois grupos autônomos que devem aprofundar e atualizar essas propostas: o Conselho Latino-americano de Justiça e Democracia (CLAJUD), que trata dos casos de “lawfare” ou guerra jurídica, por meio dos quais se pretende fazer da justiça uma arma contra lideranças progressistas. Trata-se igualmente de aprofundar, com o apoio de um seleto grupo de ex-magistrados e juristas, outras questões jurídicas da atualidade, como a citada regulamentação do direito ao protesto social e a validade dos acordos hemisféricos sobre direitos humanos. Além disso, o CLAJUD atuou como parceiro nos processos eleitorais na Bolívia, Chile e Equador. No caso específico do golpe de Estado contra Evo Morales, promovido pelo Secretário-Geral da OEA, Puebla participou ativamente do restabelecimento da ordem constitucional com base no respeito à vontade popular expressa em favor do presidente Luis Arce. Fez o mesmo no caso do reconhecimento da legitimidade de Pedro Castillo como presidente do Peru e do apoio ao processo constitucional do Chile. Também foi criado o Grupo Parlamentar de Puebla que, com a presença de parlamentares de mais de 15 países, começa a promover iniciativas de interesse comum nos parlamentos nacionais e regionais, como renda básica, vacinas universais e direito ao protesto social.

 

Ainda no intuito de socializar suas propostas, o Grupo mantém uma aliança com a Escola de Estudos Latino-Americanos e Globais da Argentina para apoiar a formação de milhares de jovens em minicursos, fóruns, diálogos e metodologias relativas à história latino-americana cujos conteúdos são ministrados por aqueles que foram protagonistas de tais processos. Algumas dessas conferências virtuais atingiram mais de 70.000 visitantes.

 

Com base no definido na primeira reunião do Grupo e na Declaração de Princípios acordada na plenária de Buenos Aires, no início deste ano foi aprovado um MANIFESTO POLÍTICO como um mapa de navegação para o futuro imediato. O Manifesto apresenta uma nova concepção da relação entre Estado, mercado e sociedade civil. Define a inclusão social como o eixo articulador de novas políticas públicas associadas à erradicação da pobreza, à descriminalização das drogas, ao desenvolvimento sustentável, à proteção das minorias e à igualdade de gênero. Da mesma forma, destaca a necessidade de construção de um MODELO ALTERNATIVO DE DESENVOLVIMENTO que substitua o modelo neoliberal fracassado, baseado na geração de valor, na redução das assimetrias sociais, na construção da cidadania e no retorno à integração como processo de construção da região. As bases deste modelo serão aprofundadas pelo GRUPO no segundo semestre deste ano e apresentadas em sessão plenária no mês de novembro.

 

Em meados deste ano, o Grupo de Puebla, convicto da gravidade da pandemia e do profundo impacto que estava causando, e com o apoio de um grupo acadêmico de alto nível, aprovou uma AGENDA PROGRESSISTA PARA O PÓS-PANDEMIA que recolheu propostas relacionadas ao seu financiamento, bem como à necessidade de uma posterior reconstrução do tecido social, a reativação econômica e o fortalecimento da democracia como respostas aos desafios da pós-pandemia. O Grupo denunciou o abuso de alguns governos de suas prerrogativas constitucionais no tratamento dos estados de exceção, afetando garantias relacionadas a direitos como a vida, a integridade física, a liberdade de expressão e protesto social. No plano social, o Grupo denunciou a enorme vulnerabilidade dos trabalhadores do setor informal atingidos pelos confinamentos e as novas falhas na educação e a falta de conectividade em tempos de pandemia. Para superá-los, propõe a aprovação de uma renda básica solidária capaz de permitir amortecer o duro golpe provocado por quase dois anos de pandemia. Mais recentemente, se somou aos apelos para que a vacinação em nível global não acabe refletindo as assimetrias existentes entre o Norte desenvolvido e o Sul Global e para que, em função das necessidades objetivas, os países da imensa periferia possam ter acesso massivo à imunidade de rebanho. Daí a importância de que o Sul em uníssono e sem divisões, apoie a quebra imediata de patentes para a produção global de produtos biológicos.

 

Na mesma linha, o Grupo manifestou a necessidade de convocação de uma sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas para tratar de soluções globais para a pandemia e formas de reativar solidariamente as economias de todo o mundo, levando em conta as assimetrias nos graus de vulnerabilidade e desenvolvimento. Também têm ecoado as propostas de mudanças nos termos da tributação internacional, como o acordado recentemente pelo G20 acerca de um imposto básico para as empresas transnacionais mais ricas, a começar pelas gigantes digitais, que deve ser pago nos países onde são gerados lucros ao invés de transferi-los para paraísos fiscais, sonegando impostos.

 

O Grupo de Puebla tem pela frente enormes desafios e, nestes dois anos, tem demonstrado a força de espaços de “concertación” da sociedade civil, que no curto e médio prazos deverá significar uma América Latina mais progressista, ou seja, mais justa, mais sustentável e integrada. É o único caminho para não regressar ao dramático quadro de região mais desigual do planeta. Neste esforço, não pode deixar de submeter se aos princípios da democracia, dos direitos humanos e da paz que o norteiam.

 

Não poderíamos concluir este balanço sem fazer uma breve, mas clara referência à recente decisão do governo dos Estados Unidos de endurecer ainda mais o bloqueio que mantém contra Cuba, de forma ilegal e desumana    há mais de 60 anos. Esta decisão equivocada trará consequências negativas no caminho de construção de um novo relacionamento na região, depois do governo de Donald Trump. O fundamento de nosso rechaço a esta decisão consta da proposta que será submetida a este Plenário.

 

Felizmente, ventos progressistas sopram na região, à exemplo da eleição dos novos governos da Argentina, Bolívia, México e Peru, a instalação da Assembleia Constituinte social e paritária no Chile, as históricas mobilizações dos jovens na Colômbia e a proposta de um Novo Modelo Solidário de Desenvolvimento a que nos referimos neste balanço. Esses novos espaços não serão reivindicados pelo Grupo de Puebla como vitórias ideológicas e sim como propostas de renovação política que desenvolvem os cinco princípios que nos uniram desde o nosso surgimento republicano: liberdade, igualdade, justiça, democracia e soberania.

 

Comitê Coordenador do GRUPO DE PUEBLA 

 Aloizio Mercadante

Marco Enriquez Ominami                        

Ernesto Samper Pizano

 

27 de julho de 2021

 

Tradução do documento: Mila Frati