A pandemia está acabando?
Não, nada mais longe da verdade. Assim, de maneira inequívoca, os médicos Maria Maeno, especialista em Saúde do Trabalhador, e Cláudio Maeirovitch, sanitarista, responderam à questão lançada pelo programa Pauta BR, que a Fundação Perseu Abramo levou ao ar na última sexta, 30 de julho. Por isso, é temerário o clima de relaxamento que se aprofunda nas últimas semanas, embalado por notícias como a queda na ocupação dos leitos hospitalares ou até mesmo a incrível decisão do prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), de celebrar feriado como se a doença não representasse mais ameaças.
“A média diária de mortes é assustadora. Sem dúvida esta é a maior catástrofe humanitária de nossa história. São 200 milhões de casos de infecção, e é possível que seja três vezes maior. Temos 550 brasileiros mortos”, diz Cláudio Maeirovitch, ex-presidente da Anvisa e servidor da Fiocruz. “A gente vai se acostumando com números tão superlativos que não causam mais horror. Mas a média de mil mortes por dia repete os primeiros momentos do ano passado”, argumenta.
Maria Maeno destaca que o vírus da Covid-19 é um vírus do trabalho, embora não seja assim tratado pelas autoridades públicas. Ela lembra que até agosto do ano passado, as guias médicas que registravam casos de contaminação não especificavam a ocupação dos doentes. Por pressão do movimento sindical e do Ministério Público do Trabalho, isso mudou. Mas o preenchimento é facultativo.
Desse modo, não há o reconhecimento formal de que a pessoa possa ter se contaminado no ambiente de trabalho ou no trajeto, a bordo de ônibus e trens sempre lotados. Sem isso, o trabalhador e a trabalhadora não podem acessar o auxílio do INSS durante o afastamento. Situação pior têm aqueles sem vínculo formal de trabalho. “Os ambientes de trabalho não são territórios que receberam atenção da vigilância sanitária”, diz Maria. Como parte desse descaso, empresas estão chamando precipitadamente seus funcionários para o trabalho presencial. E, lembra a médica, sem mudanças estruturais nos locais de trabalho que garantam qualidade do ar, por exemplo.
Outra denúncia, avalizada por internautas que assistiram ao programa, é que empresas pressionam seus funcionários com metas abusivas e a oferta de supostas vantagens para impedir as faltas ao trabalho. “Muitas pessoas escondem os sintomas com medo de perder o emprego”, diz.
Para Maierovitch, a volta às aulas é outra decisão errada. “Estamos no meio de um bombardeio atômico e a gente discutindo se as crianças têm de ficar na escola”, comparou. Ela ainda lembra a necessidade de testagem frequente, e nega que isso seja excessivo ou desnecessário: “Olha as Olimpíadas, um ambiente absolutamente controlado, foram detectadas mais de 100 pessoas contaminadas”.
Para ela, ter a taxa de ocupação de leitos como referência principal é enganoso, porque a média daqueles que são internados e morrem no hospital gira em torno de 50%. “Nosso desafio é conter a contaminação”, completa.
Maierovitch culpa o governo Bolsonaro por ter adotado intencionalmente uma estratégia de morte. “Tenho a sensação de que os que menos importam para a economia são os descartados primeiro, os idosos, aqueles que têm comorbidade. Assim o governo se livra de gastos com o INSS”, lamenta.
Para o especialista, a quantidade de vacinados tem de aumentar consideravelmente antes que qualquer relaxamento seja esboçado. Ele ressalta que, no Reino Unido, foi adotada a chamada “segunda-feira da liberdade”, medida revista 24 horas depois. Os Estados Unidos, por outro lado, também julgavam o problema superado e descartaram o uso de máscaras, medida já abandonada. “Não vamos nos contagiar com esse clima de que acabou”, adverte.