O governo do Estado de São Paulo tornou público o resultado do programa que colocou câmeras nos uniformes de policiais militares de 18 batalhões de área da Polícia Militar. É uma boa notícia saber que o programa contribuiu para diminuir a letalidade policial em São Paulo. Desde 2018 o governo estadual já tratava da implantação deste programa em todos os batalhões. Mesmo sendo uma boa iniciativa, ainda está longe de atingir todos os cem batalhões da PM.

As câmeras nos uniformes são essenciais para diminuir as chamadas ocorrências “quadradas” — termo usado internamente nas instituições policiais, que significam “ocorrências de excesso”. E servem também para preservar os bons policiais porque terão um elemento importante como prova de suas ações.

Mas não bastam apenas as câmeras nos uniformes para diminuir a letalidade policial. A principal iniciativa que o governo de São Paulo ainda não tomou é centralizar na Corregedoria da PM todos os inquéritos policiais militares (IPMs), relativos a mortes de civis. É inaceitável que o órgão corregedor de expertise de polícia judiciária militar só instaure e investigue cerca de 3% desses IPMs. Os outros 97% são instaurados e investigados pelos batalhões dos quais os policiais militares envolvidos nessas ocorrências estão lotados.

A Ouvidoria da Polícia de São Paulo já fez esta sugestão em 2018 e 2019 aos governadores Márcio França e João Doria, mas nenhum teve a decisão politica de implementar. Basta um decreto para que os IPMs sobre mortes de civis fiquem a cargo da Corregedoria Geral da PM.

Enquanto isso não acontece, em mais de 95% dos IPMs “tocados” pelos batalhões há solicitação ao Ministério Público de arquivamento. Ou seja, em 95% dos casos os policiais militares  sequer são indiciados. Infelizmente, o MP concorda com os pedidos de arquivamento na maioria das vezes. Policiais investigados convivem nos mesmos quartéis com os responsáveis pelas investigações. A mudança administrativa de centralizar na Corregedoria os IPMs de mortes de civis terá um efeito muito maior na diminuição das ocorrências “quadradas”, que tratam da letalidade policial.

Outra medida importante, que passa por vontade e decisão política administrativa, é tirar dos Boletins de Ocorrências (BOs) a natureza “excludente de ilicitude” das ocorrências de mortes por intervenção policial. Para aferir se houve ou não excludente de ilicitude, é necessário esperar pelo final do processo investigativo e não a priori no registro do caso.

É preciso também enfrentar o preconceito histórico das policias contra pobres e negros. A letalidade policial não é aleatória. Atinge sistematicamente 99% dos pobres e, desses, mais de 65% são jovens negros das periferias.

Criar uma disciplina nas escolas e na Academia da Polícia Militar sobre “Estereótipo de Suspeito e Discriminação Racial e Social” é imperativo para enfrentar a cultura do “capitão do mato” que ainda permeia as instituições policiais, em especial, as polícias militares.

Como também é fundamental um Protocolo Operacional Padrão (POP), que indique objetivamente que ninguém poderá ser morto em ocorrências de intervenção policial por “fundada suspeita” que, muitas vezes, é medida não pelo o que preconiza o artigo 244 do Código de Processo Penal, mas pela cor da pele e pela condição social da vitima.

Somadas tais iniciativas, é urgente uma nova política de segurança pública, que priorize o policiamento preventivo para evitar o crime e não caçar suspeitos com a cultura de preconceito já citada.

A política de confronto materializada pela busca constante do flagrante delito, pela guerra as drogas, que não atua para enfrentar o crime organizado, mas reprimir sistematicamente a juventude pobre e negra das periferias contribui com a letalidade policial.

Em ultima análise, é preciso, gradativamente, criar uma polícia democrática, cidadã e antirracista, com nova formação, com piso salarial equivalente a importância da atividade policial, programa de saúde mental para todo o efetivo da polícia, para que tenhamos a diminuição da letalidade policial em São Paulo e no Brasil. E é possível construí-la. Basta vontade e decisão política.