PING PONG | JOSÉ GOMES TEMPORÃO – “Bolsonaro tem responsabilidade central pela tragédia”
Ex-ministro da Saúde durante o segundo mandato do ex-presidente Lula, o médico José Gomes Temporão afirma que o momento do Brasil é delicado porque a parcela da população completamente vacinada ainda é baixa ao mesmo tempo em que o país está vendo a variante Delta da Covid-19 se disseminar pelos estados.
Temporão afirma que as notícias sobre a chegada lenta da variante são muito improváveis e são enormes as chances de que ela já esteja largamente disseminada. O ex-ministro afirma que o governo foi criminoso na condução do enfrentamento à pandemia e que Jair Bolsonaro encarna em si todas as sandices cometidas. Leia a seguir os trechos da entrevista concedida à Focus Brasil.
Focus Brasil —O Brasil tem visto uma diminuição no número de mortes diárias e no número de novos casos. No entanto os números ainda estão em patamares altos e próximos do que foi o pico da primeira onda. Existe um otimismo crescente em função do avanço da vacinação. O momento ainda é delicado ou estamos em uma situação de controle?
José Gomes Temporão — Quando você analisa as principais dimensões no enfrentamento da pandemia, sejam as atribuições do governo federal, política de comunicação, econômica, desigualdade estrutural, tratamento das medidas não farmacológicas, só tem uma dimensão sobre a qual você pode afirmar que houve uma mudança significativa em todo esse cenário que foi, exatamente, a vacinação.
Ou seja, o Brasil continua sem comando, sem coordenação, sem estratégia de comunicação, a economia não está a serviço da defesa da vida e da saúde, o presidente da República continua sendo disseminador de fake news e mentindo sobre a doença. O tal “tratamento precoce” não existe, mas continua sendo apoiado. A vacinação é o único vetor diferencial. É à luz disso que nós temos que analisar a situação. O ritmo em que a vacinação está se dando nos permite ser otimistas? No curto prazo, não. Estamos com 17% da população brasileira com duas doses. Quando você olha para os EUA e para a Europa, a maioria dos países já acima de 50% da população com duas doses.
— Ainda não dá para comemorar…
— A introdução da variante Delta, por exemplo, quando você olha o Brasil que tem 40% da população com uma dose e só 17% com duas doses, se essa variante tiver o mesmo comportamento que apresentou na Europa, devemos ficar preocupados e atentos. Então, eu diria que [a situação] é de relativo otimismo, considerando que, de alguma forma, estamos dando continuidade ao processo de vacinação e, no segundo semestre, o Ministério da Saúde sinaliza com um número mais expressivo de doses disponíveis para a população. Entretanto, [é de] cautela por conta de que vamos demorar para obter uma cobertura vacinal de 70%, 80% com duas doses. E a introdução da variante Delta é um alerta importante. Estamos com uma média móvel de óbitos que é acima do mais alto nível que atingimos no ano passado. É como se a sociedade brasileira tivesse se acostumado com uma situação dramática, 1.200 pessoas morrendo por dia de Covid-19. É absurdo.
— A variante Delta está levando caos à Indonésia e à Índia. O senhor acha que o Brasil está preparado? A mídia tem sido pouco clara sobre o assunto. E informa sobre a detecção de alguns casos no Rio e em São Paulo. Mas o nosso nível de testagem é muito baixo…
— Exatamente. Essas notícias de que “aumentou de 4 para 63 em poucos dias”… Isso é ridículo. Na verdade, o Brasil continua testando pouco, nossa capacidade de vigilância genômica é muito limitada, muito lenta, pouco expressiva embora tenha melhorado. É uma das poucas áreas em que nós melhoramos efetivamente. Então, como o Brasil está testando pouco, não temos a menor ideia de qual é a real dimensão de circulação dessa variante, percebe? A nossa suspeita é de que ela já está largamente disseminada nos principais estados. A dúvida é se ela vai deslocar a P1, que é a variante hegemônica nesse momento, e substituí-la. Se isso acontecer, sabemos o que aconteceu nos outros países. Embora a gravidade do quadro clínico causado pela variante Delta não seja maior, sua transmissibilidade é. Isso significa que, como temos ainda um percentual muito pequeno de pessoas protegidas com duas doses, vamos ter um número maior de casos. E, possivelmente, de internações. Talvez não de óbitos. Mas isso pode pressionar de novo o sistema de saúde em termos de internações.
— Fala-se muito agora em reabrir escolas, fazer eventos testes com número reduzido de pessoas. O senhor acredita que este seja o momento ideal para essa reabertura?
— Vários municípios já deram início à reabertura das escolas. Uma reabertura gradual, planejada, baseada na ciência, no primeiro momento, mista com ensino à distância e presencial, mantendo distanciamento, mantendo uso de máscaras, medidas de higiene e limpeza sendo redobradas. Mas nós sabemos que a realidade da rede pública de educação é muito complicada. Infelizmente, o que vi é que reabrimos shoppings, restaurantes, bares e mantivemos as escolas fechadas, o que é uma contradição em si. Eu acho que está avançando a cobertura vacinal de professores e trabalhadores da área da educação, isso é altamente positivo. Estamos sinalizando a inclusão da população acima de 12 anos dentro dos grupos prioritários para vacinação, estão sendo testadas vacinas para crianças abaixo de 12 anos. Então, acho que essa questão tem que ser levada com seriedade como uma política da sociedade brasileira. Nós temos que reabrir as escolas, mas com seriedade, com competência e preservando a vida.
— Qual é a responsabilidade do governo Bolsonaro na tragédia que o Brasil vive?
— Ela é central, é decisiva, definitiva. E ela é intransferível. O presidente da República encarna em si todos os erros e equívocos, sandices e crimes cometidos pelo governo federal durante esse período. A CPI está desvendando isso de maneira bastante didática para toda a sociedade brasileira e a nossa expectativa é que esses criminosos sejam punidos na forma da lei.