Para começar: não é verdade que a carga tributária seja elevada para todos, no Brasil. Verdade é que a carga tributária só é elevada para os pobres. E é elevada para os pobres para ser residual para os ricos. E aí reside a secular regressividade do sistema de impostos brasileiro.

Os pobres têm carga tributária abusiva: os impostos sobre o consumo representam quase 50% do total arrecadado — nos EUA, 17%. E impostos sobre o consumo capturam proporção maior da renda dos pobres: impostos de R$ 200 embutidos no preço de venda de um eletrodoméstico representam 20% da renda de quem ganha R$ 1.000 por mês e 0,3% da renda de quem ganha R$ 100 mil por mês.

No Brasil, a verdade é que a carga tributária pesa pouco sobre os ricos. Impostos cobrados sobre renda e riqueza no Brasil são obscenamente baixos, no país. Nos EUA, os dois itens representam 60% da arrecadação total de impostos. Aqui, apenas 23%.

Portanto, qualquer reforma do sistema tributário no Brasil que visasse a aprofundar as qualidades e a superar os vícios teria de cuidar de ampliar a tributação sobre renda e riqueza, e de reduzir a tributação sobre o consumo – que castiga duramente os pobres.

Paradoxalmente, a agenda hoje prioritária do Congresso Nacional só trata dos impostos sobre o consumo, e é omissa em relação a renda e riqueza.

Diante desse quadro, os seis partidos da oposição, com base em estudos elaborados por sindicatos de auditores fiscais apresentaram uma alternativa. Trata-se da Reforma Tributária Solidária, Justa e Sustentável que preconiza que se redistribuam os tributos, reduzindo os que recaem sobre o consumo e ampliando os que incidem sobre altas rendas e a riqueza.

De início, a recente inclusão da reforma do Imposto de Renda na agenda pareceu representar uma vitória do campo popular. Mas a ilusão foi logo descartada. Em síntese, a iniciativa do Ministério da Economia é regressiva e não segue o princípio liberal da equidade. Mais grave é que ela reduz a arrecadação do Imposto de Renda e, por consequência, a participação relativa do IR na carga tributária. Note-se que:

  1. A proposta do governo mantém a alíquota máxima do IRPF em 27,5%. Não há justiça fiscal, onde e quando quem ganha R$ 7 mil e quem ganha R$ 700 mil por mês pagam a mesma alíquota. Em diversos países a alíquota máxima do IRPF é superior a 50% ou situa-se entre 40% e 50%. Mesmo países da América Latina praticam alíquotas maiores — como o Chile, por exemplo, 40%. Assim sendo, a esquerda tem de propor alíquotas maiores — 35%,40% ou 45% —, para quem está no topo da pirâmide da renda.
  2. A isenção de pagamento do tributo sobre renda (IRPF) para quem ganha até R$ 2.500 por mês é medida acertada, mas está abaixo do limite que os partidos da oposição preconizam, entre R$ 2.800 e R$ 3.000. Entretanto, com esse limite na isenção (correta, em ‘espírito’) para a baixa renda, a parcela de “imposto a deduzir” dessas camadas sobe ao topo da pirâmide, fazendo aumentar o que os mais ricos podem deduzir e criando uma situação em que os mais ricos pagarão menos impostos efetivos. A alternativa, como mencionado, é propor outra tabela progressiva do IRPF, que aumente as faixas de renda e as alíquotas.
  3. Passar a cobrar tributos sobre lucros e dividendos recebidos por sócios e acionistas, é medida correta. Por conta desse mecanismo, os super-ricos têm isenção sobre mais de 70% da própria renda. Entretanto, a forma apresentada para essa cobrança — alíquota uniforme de 20% para todas as rendas — não segue o princípio da progressividade. Não há justiça fiscal, quando quem recebe R$ 30 mil e quem recebe R$ 30 milhões pagam imposto equivalente. O mesmo ocorre com a isenção do dever de pagar impostos sobre recebimentos inferiores a R$ 20 mil por mês. A tarefa dos partidos da oposição é caminhar no sentido de que todas as rendas sejam submetidas a uma mesma tabela progressiva do IRPF.
  4. A proposta inicial do governo prevê redução gradual da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), de 15% para 10%, o que parece razoável. Da mesma forma, corretamente, propõe-se um conjunto de medidas para combater a elisão e evasão fiscal. Entretanto, o relator da matéria tem aventado: a) reduzir alíquota do IRPJ de 15% para 2,5% – o que ocasionará perda de receita estimada em R$ 98 bilhões em 2023; e b) reverter boa parte das medidas de combate à elisão e à evasão fiscal. A alternativa prestável é aperfeiçoar a proposta original e rechaçar as peripécias irresponsáveis dos apóstolos do neoliberalismo mais ensandecido.
  5. Também é inadmissível aceitar a proposta que desonera o capital financeiro, reduzindo a tributação das aplicações — de 22,5% para 15% — tanto para as de longo prazo, quanto para as especulativas, bem como a isenção do dever social de pagar impostos justos, dada aos fundos do agronegócio e da construção civil.

Há, ainda uma série de questões polêmicas regressivas que precisam ser avaliadas pela esquerda: 

  • Não é admissível acabar com os incentivos fiscais concedidos ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT);
  • Não é admissível criar restrições ao direito de apresentar declaração simplificada — até R$ 40 mil por ano; e,
  • Não é admissível que a atualização dos valores patrimoniais dos imóveis declarados, pela incidência de apenas 5% de imposto, com arrecadação concentrada em um único ano (2022).

Em suma, a proposta aprofunda a regressividade do sistema tributário, concede tratamento privilegiado às rendas do capital e às pessoas físicas com altas rendas e, paradoxalmente, reduz as receitas e a participação relativa do Imposto de Renda na arrecadação total.

A proposta que está em tramitação, nem “reduz a desigualdade” nem “empobrece” rico algum.