Ameaça rechaçada
General Braga Netto manda aviso ao presidente da Câmara: sem voto impresso, não haverá eleições. Deputados do PT entram com notícia-crime contra o ministro da Defesa. Ele precisa se explicar
Numa afronta às instituições brasileiras, o ministro da Defesa, General Braga Netto, fez ameaça direta ao presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), sobre a possibilidade de o país não ter eleições em 2022, caso o Congresso não aprove a proposta do voto impresso — como se o sistema das urnas eletrônicas fosse sujeito às fraudes. O ataque do general — engrossando os arroubos autoritários do presidente Jair Bolsonaro — foi imediatamente rechaçado. Mas o PT foi além das críticas e apresentou ao Supremo Tribunal Federal uma notícia-crime contra o general por ameaça à segurança nacional.
A iniciativa partiu dos deputados federais Paulo Teixeira (SP) — secretário-geral do PT — e do líder Bohn Gass (RS). A conduta de Braga Netto, apontam os parlamentares, investe contra as instituições democráticas. “Trata-se de ameaça grave à independência dos poderes Legislativo e Judiciário, especialmente do Tribunal Superior Eleitoral, instituição a quem a Constituição atribui responsabilidade pela condução dos pleitos eleitorais, bem co-mo um ataque às instituições republicanas e à ordem democrática nacional”, apontam.
A denúncia da ameaça feita por Braga Netto foi revelada na quinta-feira, 22, pelo jornal O Estado de S.Paulo. O general usou um interlocutor político para um duro recado: sem ‘voto auditável’, disposição das Forças Armas é que pleito não seja realizado. Segundo o jornal, ao dar o aviso, o ministro estava acompanhado de chefes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. A presidenta do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), reagiu imediatamente. “É grave essa militância política do comando das FFAA. Em fez de defender o país, o ameaçam? A Câmara tem de aprovar a convocação do general pretendente a ditador”, criticou.
Procurado pela imprensa, o ministro da Defesa saiu pela tangente e negou que tenha feito a ameaça. O presidente da Câmara não disse nem que sim, nem que não. Não bastaram tais manifestações. O general acusou o Estadão de mentir, mas o jornal não apenas reiterou o conteúdo, como disse que não recuaria nem um milímetro no que foi publicado. “Ao tentar desmentir a reportagem, Braga Neto confirma o abuso: não cabe a ele nem a nenhum comandante das Forças Armadas tutelar o processo eleitoral e muito menos a democracia. Seu papel está definido na Constituição”.
Não é a primeira vez que representantes do governo flertam com o autoritarismo e fazem ameaças à democracia brasileira. Braga Netto mesmo, ao lado dos comandantes das Forças Armadas, divulgou, recentemente, carta na qual tentava intimidar a CPI da Covid. Além disso, o próprio Bolsonaro participou de evento, ainda no ano passado, no qual manifestantes pregavam a volta do AI-5, e apoiadores do Planalto, inclusive parlamentares, foram investigados por apoiar tais manifestações fascistas.
Bohn Gass e Teixeira dizem que a manifestação do general é “ultrajante, desrespeitosa, ofensiva e criminosa”. E ressaltam que “não é a primeira vez que o alto comando militar investe contra as instituições democráticas”. A indicação faz referência ao episódio em que o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, publicou em 2018 uma mensagem tentando constranger o STF para que não fosse concedido habeas corpus ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Condutas como estas, reforçadas por publicações nas redes sociais que pregam ao fim e ao cabo, a ameaça de uma intervenção militar para constranger parlamentares do Congresso Nacional e os ministros das cortes superiores do poder Judiciário, atentando contra a própria independência destes, caracterizam crime contra as instituições democráticas e contra a Constituição, não tendo qualquer amparo na liberdade de expressão albergada pela Carta da República”, apontam Teixeira e Bohn Gass na ação encaminhada ao Supremo.
Ao ameaçar a realização das eleições de 2022, o general pode ter cometido crime de responsabilidade, passível de punição até mesmo com impeachment. A opinião é do jurista Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (2016 a 2018) e integrante do Grupo Prerrogativas. Houve outras reações. O senador Humberto Costa (PT-PE) pediu que o caso seja apurado pelo Ministério Público Federal e outras instituições competentes.
Mesmo ao negar o conteúdo da denúncia do Estadão, Braga Netto insistiu em ultrapassar suas funções. Em nota, defendeu o voto impresso, invencionice que Bolsonaro sacou da cartola para desestabilizar a democracia e ter uma desculpa para não aceitar a derrota nas urnas que certamente sofrerá em 2022, caso não sofra um impeachment antes.
O Painel da Folha noticiou na sexta, 23, que, na avaliação de integrantes do Centrão, do STF e mesmo de auxiliares de Bolsonaro, a nota o expôs ainda mais. E foi um tiro no pé. Partidos garantem que o apoio que tinham para derrotar o voto impresso ganhou solidez e suporte popular. “A atuação de Braga Netto na Defesa tem sido classificada como péssima por esses três grupos”, diz o jornal. “O general tem agido de forma muito subserviente ao presidente, e alguns usam o termo ‘capacho’ para se referir a ele”.
Segundo Mauro Menezes, a posição do ministro da Defesa extrapola sua competência. “A nota comete um desvio de finalidade exorbitante”, disse. “O ministro da Defesa não tem nenhuma competência para interferir em assuntos que digam respeito ao cumprimento do calendário eleitoral”. Ele lembrou que, assim como o presidente, os ministros também estão sujeitos à Lei 1.079, de 1950, e podem ser alvo de impeachment.
Menezes diz ainda que a Comissão de Ética Pública da Presidência deveria atuar na apuração de responsabilidades. “De acordo com o código de conduta da alta administração federal, todos os ministros, inclusive o da Defesa, estão subordinados à competência da Comissão de Ética Pública. Um dos pressupostos fundamentais da ética deriva da expectativa de que as autoridades não atuem com desvio de finalidade”, lembra.
O esforço de Braga Netto de reforçar a bandeira de Bolsonaro sobre o voto impresso parece ter revertido qualquer chance da proposta vir a ser aprovada. O projeto do voto impresso quase foi derrotado em reunião na sexta, 16, na comissão especial da Câmara que avalia a medida, mas uma manobra de governistas adiou a votação para 5 de agosto, depois do recesso parlamentar.
A nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI), um dos próceres do centrão, ao comando da Casa Civil da Presidência da República, conforme anunciado como início de nova reforma ministerial de Bolsonaro, também é vista como estratégica nesse plano de restringir a influência dos fardados no governo.