Se eles — o povo cubano — sentirem fome, expulsarão Castro”, comentou o presidente Dwight D. Eisenhower numa reunião com alguns dos seus principais conselheiros na Casa Branca, em 25 de janeiro de 1960. A data não é de modo algum insignificante. Nessa altura, as relações diplomáticas com a URSS ainda não existiam, as nacionalizações mais extensas de propriedades norte-americanas na ilha ainda não tinham tido lugar e o caráter socialista do processo cubano também não tinha sido declarado. Contudo, o governo norte-americano já tinha lançado a sua aposta desde os primeiros meses de 1959: usar todo o seu poder para derrubar a nascente Revolução Cubana. As medidas coercivas de natureza econômica teriam, imediatamente, um peso significativo nas propostas para o percurso a seguir em relação a Cuba, nos círculos de poder nos Estados Unidos.

Quando, em 3 de fevereiro de 1962, o presidente John Kennedy assinou a Ordem Executiva Presidencial 3447, que oficializou o bloqueio total do comércio com Cuba, a guerra econômica contra a ilha já estava em curso desde 1959. E, naquele momento, atingia um ponto de ascensão no amadurecimento de todo o sistema de agressão econômica que os Estados Unidos tinham implantado contra a maior das Antilhas.

Sem dúvida, o amplo regime de sanções econômicas, conhecido como o Bloqueio, tem sido a pedra angular da política dos EUA contra Cuba há mais de seis décadas. As perdas econômicas atingiram números exorbitantes, mas o custo humano foi incalculável. O seu impacto nas pessoas — mais de 70% da população cubana nasceu sob o bloqueio —, prejudicou também os laços entre famílias de ambos os lados do Estreito da Florida e afetou os americanos interessados em viajar, comercializar ou cooperar com Cuba em diferentes áreas importantes como a ciência, educação e cultura.

No entanto, apesar dos danos insondáveis causados pelo bloqueio, a ilha derrubou todos os muros da impossibilidade, levando a solidariedade aos lugares mais inesperados do mundo, porque se há uma coisa que o bloqueio não conseguiu parar, são os valores altruísta e internacionalista do povo cubano. Uma das mais recentes realizações científicas da Ilha, no campo da biotecnologia — graças à visão estratégica de Fidel Castro — foi a criação de cinco candidatos a vacinas — duas delas já confirmadas como imunizantes — para enfrentar o vírus Sars-Cov-2. Os médicos cubanos escreveram páginas verdadeiramente épicas na luta contra o vírus Ebola, na África, e agora estão fazendo no confronto à pandemia do coronavírus em mais de 50 nações.

Quando vemos estas conquistas e muitas outras que nos enchem de orgulho, não podemos ao mesmo tempo deixar de nos perguntar até que ponto cubanos, americanos e milhões de outras pessoas no mundo poderiam ter sido beneficiados se não tivesse havido o criminoso bloqueio que o povo cubano sofreu durante mais de 60 anos como o principal obstáculo ao seu desenvolvimento.

Até onde poderia ter ido esta pequena e ao mesmo tempo gigantesca Ilha do Caribe, se apesar dos enormes obstáculos impostos pela principal potência mundial, conseguiu não só resistir, mas também criar em benefício do seu povo e de toda a humanidade?

A verdade é que o bloqueio ainda está lá, como uma adaga na garganta dos cubanos. A administração Trump levou a aplicação do bloqueio a limites insuspeitos e sem precedentes. Tentou de todas as formas possíveis estrangular economicamente a ilha. Mais de 240 medidas unilaterais foram aplicadas durante o seu mandato, que não só continuou durante o início e desenvolvimento da pandemia Covid-19, como também se intensificou ainda mais.

O triunfo de Joe Biden, pelo Partido Democrata, nas eleições presidenciais americanas, embora tenha sido um sopro de ar fresco para o mundo e desencadeado esperanças de uma mudança na política em relação a Cuba, na realidade, até agora a nova administração não moveu nem um milímetro as sanções econômicas que hoje estão sendo sentidas muito fortemente pela população cubana devido aos múltiplos efeitos da crise provocada pela pandemia.

Parece, pelas declarações de alguns funcionários da administração Biden, que o foco da sua política em Cuba será, uma vez mais, a questão dos direitos humanos. Neste sentido, muitos de nós continuam a interrogar-se como é possível que os Estados Unidos finjam defender os direitos humanos negando o direito à subsistência a todo um povo, por meio de um regime de sanções econômicas que tem procurado precisamente provocar a fome e o desespero, de forma flagrante, maciça e sistemática, violando os direitos humanos de milhões de cubanos durante décadas. Mas tudo isso tem sido parte do cinismo e da duplicidade de critérios que têm caracterizado a política externa dos EUA, não só em relação a Cuba, mas também em relação a muitas outras nações do mundo que se rebelaram contra a ordem do domínio imperial existente.

Com base em um conhecimento mínimo da história e das essências que têm caracterizado a projeção internacional do imperialismo americano, pode alguém acreditar que o governo daquele país está realmente interessado nos direitos humanos em Cuba? Ou na forma como o seu sistema político está organizado, quer haja um ou mais partidos e outras questões que fazem parte da retórica do seu discurso oficial?

Sabemos que, para a elite do poder da nação vizinha, a única coisa que sempre os interessou em Cuba foi recuperar a hegemonia que perderam em 1º de janeiro de 1959.

Por outro lado, basta olhar para outras realidades do nosso continente, para países onde hoje em dia se praticam assassinatos e torturas políticas, desaparecimentos forçados, aonde os jovens perdem os olhos devido às balas de borracha utilizadas na repressão de manifestações, aonde os direitos humanos mais elementares são violados todos os dias… E o governo dos Estados Unidos não só não aplica qualquer tipo de sanção econômica contra eles, como nem sequer se pronuncia. Quando se trata de governos que respondem à lógica de dominação de Washington, estas realidades são invisíveis.

Se um dia os Estados Unidos abandonassem a política de instrumentalização e de duplicidade de critérios dos direitos humanos em Cuba, como parte da sua estratégia de mudança de regime, e pensassem seriamente em como ajudar a garantir esses direitos humanos na ilha, no seu próprio país e no mundo, não só levantaria imediatamente o bloqueio econômico, como encontraria o melhor aliado a 90 milhas das suas costas para enfrentar o grande desafio que hoje significa garantir os direitos humanos de milhões de pessoas, especialmente as mais básicas, o direito à vida, hoje mais ameaçado do que nunca.

Em 23 de Junho, a Assembleia Geral da ONU rejeitou por esmagadora maioria o bloqueio contra Cuba pela 29ª vez. Foi lamentável que governos da região, como o Brasil e a Colômbia, que tradicionalmente têm apoiado a resolução cubana contra o bloqueio desde 1992, tenham adotado uma posição submissa e covarde de abstenção, tão distante dos desejos e sentimentos dos seus povos, sempre irmãos queridos do povo cubano e das suas lutas.

Como concluiu o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, em seu discurso perante a Assembleia Geral da ONU, no mês passado, em 23 de junho: “Tal como o vírus, o bloqueio sufoca e mata, e tem de acabar!”

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