O enfrentamento à violência contra as mulheres, a promoção de direitos e o estímulo à autonomia das brasileiras foram diretrizes centrais dos governos Lula e Dilma. A criação da Secretaria de Políticas das Mulheres, a alocação de recursos orçamentários crescentes, a transversalidade das políticas, as parcerias com Estados e municípios e com os movimentos sociais, as conferências e os Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres expressam o compromisso do Partido dos Trabalhadores com a busca da igualdade de gênero no Brasil.

Mas o Golpe de 2016, que levou à queda de Dilma Rousseff por um impeachment sem crime de responsabilidade, interrompeu este processo. Progressivamente, as políticas públicas e os instrumentos para promover a igualdade das mulheres foram sendo fragilizados. A participação social, excluída. E os recursos orçamentários vêm sendo paulatinamente — ano após ano — sendo reduzidos de maneira dramática. O compromisso com a garantia e promoção dos direitos das mulheres deixou de existir.

Vale ressaltar que a menor importância das políticas para as mulheres nos governos pós-golpe se expressa em medidas institucionais:

  1. O rebaixamento da instância de gestão dessas políticas, que perdeu status de ministério e transformou-se, no governo Bolsonaro, em secretaria ministerial.
  2. A extinção, no Plano Plurianual 2020-2023, instrumento de planejamento e organização das ações do governo federal, do programa voltado à garantia e promoção dos direitos das mulheres.
  3. A inexistência, no PPA 2020-2023, de qualquer menção a gênero e violência contra a mulher.

 

Tais medidas explicitam uma mudança substantiva na atuação do Estado em relação às mulheres. Nos PPAs anteriores, com variadas formulações, prevalecia a lógica de promoção e defesa direitos e a atuação do Estado buscava a ampliação do acesso aos bens públicos e a superação das desigualdades e discriminações. No PPA atual, prevalece a visão de promoção da dignidade, e a formulação de proteção da maternidade e da família, um retrocesso em relação à saúde integral da mulher, direitos sexuais e reprodutivos. A ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres Eleonora Menicucci resume: “Houve um retrocesso histórico na relação entre o Estado e as mulheres”.

Estrangulamento orçamentário

A redução dos recursos disponíveis para os programas para as mulheres é uma marca do período pós-golpe. A partir de 2017, primeiro ano em que o orçamento foi elaborado pelo governo Temer, o total executado caiu vertiginosamente. Em 2019, a execução correspondeu a R$ 49 milhões, apenas 36% do total executado no último ano do governo Dilma.

A partir de 2020, não há mais recursos orçamentários neste programa. Nem mesmo existe um programa orçamentário específico para as políticas para as mulheres. As políticas de igualdade para as mulheres, igualdade racial, promoção dos Direitos Humanos e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais foram agrupadas em um único programa, cuja dotação orçamentária é distribuída entre todas essas áreas.

Houve ainda outros retrocessos. Lançada em 2013 pela então presidenta Dilma Rousseff, a Casa da Mulher Brasileira pretendia chegar às 27 capitais do país. Quando ocorreu o golpe, três casas haviam sido construídas — Campo Grande, Distrito Federal e Paraná. Mas apenas as duas primeiras haviam iniciado o atendimento. Outras cinco ainda estavam em construção.

Desde então, apenas três casas foram concluídas e transferidas para os governos estaduais. Desde 2017, praticamente não houve execução orçamentária para esta ação.

Com a criação do programa Mulher Segura e Protegida em 2019 (Decreto 10.112), em substituição ao outro programa Mulher: Viver sem Violência, a manutenção das atuais e futuras Casas da Mulher foi transferida para Estados e municípios. Na prática, frente às restrições orçamentárias vivenciadas pelos entres da Federação, isto significará a estagnação e progressivo término da ação.

Outro programa abandonado, criado em 2005 e aprimorado em 2013, foi o Ligue 180, que vinha sendo um instrumento fundamental na política de enfrentamento à violência contra a mulher. A partir de 2018, não houve aporte de novos recursos para seu funcionamento, com a execução orçamentária restrita ao suprimento de restos a pagar. Em 2019, não houve nem mesmo restos a pagar.

No primeiro ano de governo, Bolsonaro decidiu integrar este canal ao Ligue 100, serviço de denúncias de violações de direitos humanos. Em um momento em que os dados de violência contra a mulher cresciam, demandando mais agilidade dos mecanismos de acesso a atendimento e denúncias, o governo federal decidiu simplesmente pela extinção do Ligue 180.

Considerando a crescente demanda, tal medida de aparente racionalidade do sistema se justificaria se o montante investido permanecesse, ao menos, igual à soma do aplicado anteriormente nos dois serviços. Não foi isto que ocorreu, contudo.

Em 2020, as duas centrais de atendimento passaram a compartilhar o mesmo recurso orçamentário, com pagamento de R$ 27,5 milhões para o total dos serviços. No orçamento de 2021, constam de R$ 31,5 milhões, menos que o executado somente para o Ligue 180 em 2016.

Retrocessos nas políticas de atenção à saúde da mulher

A redução de recursos e as mudanças de foco na política de atenção integral à saúde da mulher comprometeram ações fundamentais para o enfrentamento à violência e a garantia de direitos sexuais e reprodutivos.

Além da redução de recursos, a partir do golpe, inúmeras medidas têm solapado os avanços nesta área. Em maio de 2019, o Ministério da Saúde tornou público um despacho proibindo o uso do termo violência obstétrica em suas normas e políticas. No mesmo mês, por meio do Decreto 9.795, extinguiu o departamento que, no Ministério da Saúde, cuidava da política de enfrentamento à epidemia de AIDS, transformado em coordenações (na lógica institucional do ministério, de menor importância), o que tende a dificultar ainda mais as mulheres a se protegerem do HIV e acessarem serviços e cuidados.

A humanização do atendimento às vítimas de violência sexual deixou de ser uma diretriz, como é exemplar a Portaria 2.282, substituída pela Portaria 2.561, ambas de 2020. Essa última, mesmo excluindo os excessos da primeira, mantém a recomendação de que médicos e profissionais da saúde notifiquem a polícia ao acolherem mulheres vítimas de estupro que procurem uma unidade de saúde pública para realizar seu direito. Determina que, no termo de consentimento que as pacientes assinam para fazer a interrupção da gestação, haja uma lista dos riscos e dos desconfortos decorrentes do procedimento.

O Brasil tem se posicionado consistentemente contrário aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em conferências internacionais das Nações Unidas. A partir de 2019, com base em instruções emitidas pelo Ministério das Relações Exteriores, representantes do Itamaraty nas várias instâncias das Nações Unidas passaram a manifestar veto ao uso do termo “gênero” em documentos multilaterais.

Em outubro de 2020, o Brasil se somou aos Estados Unidos, Uganda, Egito, Hungria e Indonésia na formulação de um documento, denominado Declaração de Genebra, cujo texto se opõe a políticas que preveem o acesso ao aborto e a favor do papel da família como fundamental para a sociedade.

Por fim, em março de 2021, durante a 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, o Brasil se recusou a assinar declaração em favor da proteção dos direitos das mulheres e por avanços em ações de igualdade de gênero. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a recusa decorre de o governo brasileiro não apoiar “referências a termos e expressões ambíguas, tais como direitos sexuais e reprodutivos”.

 

Derrocada no mundo de trabalho femininos

Reduzir as desigualdades entre mulheres e homens no mercado de trabalho foram objeto de várias medidas no período do PT. Desde o pós-golpe, e em especial no governo Bolsonaro, esta questão perdeu relevância e as medidas foram abandonadas.

O Programa Pró Equidade de Gênero, criado para estimular a adoção de ações em empresas de médio e grande porte para enfrentar todas as formas de discriminação, foi extinto após sua 6ª edição, que ocorreu entre 2016 e 2018, e na qual havia 122 empresas participantes.

O importante impacto pró-formalização da PEC das Domésticas (Emenda Constitucional 72/2103 e Lei Complementar 150/2015) foi interrompido pela combinação de baixo dinamismo do mercado de trabalho com as reformas trabalhistas.

Em 2016, a parcela de domésticas com carteira assinada alcançou seu maior patamar (33%), passando a decrescer continuamente, até chegar a 28% em 2020. Em números absolutos, a perda foi de 636 mil empregos formais.

 

Declínio em outras ações governamentais para mulheres

A implementação de políticas para assegurar direitos e autonomia das trabalhadoras rurais foi uma marca dos governos do PT. Resultado das mobilizações das Marchas das Margaridas, as mulheres conquistaram o acesso à terra, com a titulação conjunta nos assentamentos da reforma agrária e crédito fundiário.

Também houve avanços com o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, que beneficiou cerca de 550 mil mulheres trabalhadoras rurais. Assim como o Programa de Organização Produtiva para as Mulheres do Campo da Floresta e das Águas.

Para combater a violência, foi institucionalizado o Fórum Nacional de Enfrentamento à Violência contra as mulheres do campo da Floresta e das águas e das Marés. Também foram criadas as Unidades Móveis de atendimento às Mulheres Rurais Vítimas de Violência e disponibilizados barcos, em parceria com a Caixa Econômica, para atendimento às mulheres ribeirinhas.

A partir do golpe, todas essas políticas e programas foram fragilizados, abandonados ou extintos. Para citar um exemplo, o programa de Apoio à Organização Econômica e Promoção da Cidadania de Mulheres Rurais foi extinto a partir do PPA 2020-2023, com o orçamento zerado a partir de então.

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