Na maioria da vezes, a imprensa não costuma distinguir duas situações bem diferentes, que podem ter efeitos diversos e juízo de censura moral distintos.

É preciso distinguir a situação de um parlamentar que divide os vencimentos com um efetivo assessor daquele parlamentar que se utiliza do nome de uma pessoa para se apropriar daquilo que seriam os vencimentos se esta pessoa efetivamente fosse seu assessor (“funcionário fantasma”).

Evidentemente que, na primeira hipótese, existe um certo constrangimento do assessor do parlamentar, sendo para ele difícil negar a imoral partilha de seus vencimentos… Ademais, na maioria das vezes, a própria indicação desta pessoa como assessor fica condicionada ao acordo de divisão dos seus vencimentos. Trata-se de um criminoso expediente para se apropriar do direito público — rachadinha.

Entretanto, não há como se negar que a segunda situação apontada acima é muito mais grave. Nesta hipótese, há uma falsidade documental ideológica, pois a indicação do suposto assessor é apenas uma forma criminosa para se apropriar do dinheiro público, na medida em que o “funcionário fantasma” não trabalha na referida função pública.

Em outras palavras, na verdade, ele apenas cede o seu nome para possibilitar que o parlamentar fique com os seus vencimentos. Vale dizer, o parlamentar indevidamente se apropria do dinheiro público.

A toda evidência, o “funcionário fantasma” combina receber alguma compensação financeira para “ceder” o seu nome para a prática deste peculato e dele é partícipe. Se não aceitar a partilha, o “funcionário fantasma” não teria seu nome indicado à Casa Legislativa e não receberia a sua parca “remuneração”…

Vejam como o nosso Código Penal tipifica estas condutas delituosas:

Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

  • – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

 

Consoante se verifica pelo parágrafo primeiro desta norma penal, o parlamentar, com o “rachadão”, pratica o crime de peculato, pois subtrai (se apropria) do dinheiro público, em proveito próprio, valendo-se da sua condição de parlamentar, funcionário público.

Notem que não se admite analogia em face das normas penais incriminadoras, mas é sempre possível e necessária a sua interpretação, ainda que extensiva.

De qualquer forma, a conduta supra comentada estaria tipificada no artigo 313 do Código Penal, na medida em que o artifício do parlamentar coloca a administração pública em erro.

Ela acaba depositando em conta bancária indevidos vencimentos, pois o “funcionário fantasma” é apenas um nome fraudulentamente fornecido para o parlamentar se apropriar do dinheiro público.

Vejam a redação desta outra norma penal:

Art. 313 – Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Cabe ressaltar que a este delito quase sempre se sucede o crime de lavagem de dinheiro, sendo comum que seja praticado por uma associação criminosa.

Não podemos esquecer da falsidade documental ideológica, pois o “funcionário fantasma” funcionário não é.