A pandemia da Covid-19 ceifou, ao longo de quase 15 meses, cerca de 4 milhões de pessoas, das quais mais de 500 mil brasileiras e brasileiros. Seus impactos econômicos e sociais ainda são de difícil mensuração, mas é evidente que nada será como antes em todas as dimensões da vida humana.

A educação foi muito afetada por esse cenário, que provocou o fechamento de escolas e mudanças profundas na rotina de milhões de profissionais e de estudantes. Foi fraturado o sentido freireano de uma educação como prática de liberdade, que se realiza como processo intersubjetivo – e, portanto, de encontro – de estudantes e professores.

Desde o primeiro momento os profissionais da Educação fizeram uma escolha difícil — a única possível, porém, num contexto de crise sanitária —: a defesa do direito à vida. Aprendizagem, afinal, se recupera. Vidas, não. Simultaneamente a isso, lutaram pela priorização desse público nas campanhas de vacinação e escancararam a profunda desigualdade existente nas escolas do país.

É bem verdade que a desigualdade educacional é anterior à pandemia. Sua emergência, no entanto, expôs o que todos aqueles que têm contato com o “chão da escola” sabiam desde muito. Esse equipamento, responsável por garantir o acesso ao direito à educação, primeiro direito social consagrado pela Constituição Cidadã de 1988, nunca foi prioridade para os governos alinhados à direita no espectro político.

No estado de São Paulo, governado há décadas pelo PSDB, diagnóstico do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), feito em agosto de 2020 a pedido da APEOESP, concluiu que 82% das escolas não têm mais de dois sanitários para uso dos estudantes e 48% não têm sanitário acessível para pessoas com deficiência; 13% não têm quadra ou ginásio; 11% não têm pátio para atividades ao ar livre.

As escolas paulistas tampouco estão preparadas para ampliar o uso da tecnologia no processo educativo. As dificuldades de acesso às plataformas virtuais comprovam que o governo paulista demorou para enxergar a exclusão tecnológica dos estudantes – mais de 700 mil dos 3,8 milhões de alunos da rede pública estadual de ensino vivem abaixo da linha da pobreza, de acordo com dados do SEADE.

Entre os professores, é histórico o descaso com as ações formativas e de aperfeiçoamento para uso da tecnologia, que se soma à falta de condições adequadas de trabalho e de valorização dos profissionais do magistério. Este tema, aliás, está expressamente previsto na lei que instituiu o Plano Estadual de Educação, aprovado por unanimidade na Alesp em 2016, numa meta própria – a Meta 17 – e segue ignorado pelo Executivo.

Por meio da luta, no entanto, os professores conseguiram obter acesso à vacina. E atuaram decisivamente no convencimento e na mobilização das famílias dos estudantes. Menos de 5% dos alunos da rede pública estadual de ensino voltaram às atividades presenciais, quando o governo Doria decidiu reabrir as escolas, no início de 2021, descumprindo sentença em ação movida pela APEOESP que determinava o seu fechamento durante as fases vermelha e laranja do Plano SP.

Bem por isso, projetar o pós-pandemia na Educação passa por encará-la como política de Estado e alçar os professores ao lugar de protagonistas. A APEOESP tem apontado a necessidade de se realizar um amplo diagnóstico preciso sobre as perdas no período da pandemia, baseado em dados que levem em conta a desigualdade e a exclusão educacionais.

Esse diagnóstico deverá servir de base para um plano emergencial de recuperação de aprendizagem baseado numa metodologia que permita trabalhar os conteúdos perdidos em conjunto com o desenvolvimento regular do currículo. Sua execução passa por contratar professores e capacitá-los para atuar nesse cenário de guerra.

É preciso também levar a gestão democrática da Educação, mandamento de grandeza constitucional, mais a sério, e isso significa ouvir toda a comunidade escolar. A APEOESP encomendou ao Vox Populi uma pesquisa, que será divulgada na segunda quinzena de julho, para colher as várias percepções de professores, pais e estudantes sobre a escola no pós-pandemia.

De antemão, é necessário reconhecer que salas de aula com mais de 40 alunos e jornadas de 64 horas semanais não são mais compatíveis com a ideia de escolas saudáveis e as novas necessidades educacionais. É urgente incorporar, ainda, a premissa que políticas pedagógicas deverão, simultaneamente, concretizar compromissos civilizatórios profundos e estar alicerçadas no que diz a razão, a ciência e as evidências.

A escola precisa ser reinventada. Não como querem os governos fiadores de retrocessos ou os grupos privados preocupados com o lucro. Mas como equipamento cuja refundação marcará a confirmação de seu papel central na redução das desigualdades e a edificação de uma nação justa, próspera e inclusiva para os filhos e filhas da classe trabalhadora.