O país retrocedeu com o Golpe de 2016, que reduziu as políticas ligadas à população LGBTQIA+. Com Bolsonaro, além do corte de recursos, o obscurantismo e o preconceito passaram a marcar ações públicas, falas e posicionamentos de autoridades e gestores federais, estabelecendo a institucionalização da discriminação e da exclusão social

 

O compromisso com a garantia de direitos e o combate à discriminação e à violência contra a população LGBTQIA+ marcou os governos do PT. Foi o período da instituição do programa Brasil sem Homofobia, da regulamentação do uso do nome social, do reconhecimento dos direitos de casais do mesmo sexo, da criação de canais de interlocução e de representação da população LGBTQIA+ em instâncias de acompanhamento e controle social junto ao Estado brasileiro.

O Brasil pós-golpe de 2016 retrocedeu, e muito, em relação aos direitos e às oportunidades da população LGBTQIA+. No governo de Michel Temer, o principal impacto veio da PEC do Teto dos Gastos, que progressivamente limitou os recursos aplicados em políticas fundamentais à promoção e garantia de direitos.

Com Bolsonaro, no entanto, além da continuidade do corte de recursos, o obscurantismo e o preconceito passaram a marcar ações públicas, falas e posicionamentos de autoridades e gestores federais, estabelecendo a institucionalização da discriminação e da exclusão.

 

Sem interlocução

O acesso de qualquer segmento social ao Estado é fundamental para que as políticas em seu benefício sejam mais efetivas. Dispor de instâncias na estrutura do governo com equipe técnica preparada para o diálogo e a implementação de políticas específicas também é necessário. Durante os governos Lula e Dilma, este acesso foi realizado principalmente com as conferências nacionais e a participação da sociedade civil no Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD.

Nos dois primeiros anos do mandato de Bolsonaro, o fechamento do governo à população LGBTQIA+ foi uma diretriz, com a extinção de instâncias de representação e de execução de políticas.

  • A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), ligada ao Ministério da Educação, foi extinta (Lei 13.844/2019), deixando o governo sem instância responsável pelo programa de formação de profissionais da educação para diversidade em ambiente escolar em relação no que se refere a LGBTQIA+, negros e negras, idosos, etc.
  • Todos os colegiados criados por decretos ou normas inferiores foram extintos (Decreto 9.812/2019), diminuindo o controle e a participação social na gestão pública.
  • O Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT foi substituído pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação (Decreto 9.883/2019), passando a ter como objetivo “proteção dos direitos de indivíduos e grupos sociais afetados por discriminação e intolerância”. A reorientação do conselho excluiu toda a população LGBTQIA+, e sua atuação passou a se pautar por pautas genéricas e amplas, ocultando toda e qualquer possibilidade de fomento a políticas que fortaleçam a identidade de gênero e a orientação sexual. Prova disso é a nova constituição do referido conselho que passou a contar com a participação e representação de apenas três organizações.
  • Os comitês de Gênero e de Diversidade e Inclusão, do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que promoviam medidas contra violência de gênero e diversidade sexual dentro do ministério, foram extintos (Portaria de 19 de agosto de 2019).
  • A Secretaria de Diversidade, responsável pela implementação de políticas de cultura LGBTQIA+, povos ciganos, indígenas e outros, foi extinta (Decreto 10.359/2020), tornando-se um departamento da Secretaria de Economia Criativa, no Ministério do Turismo.
  • A Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes foi alterada, passando de 14 para sete membros, sendo que apenas um pode ser ou não da sociedade civil, através do Conanda.

 

A invisibilidade como estratégia

Assegurar voz e visibilidade a segmentos historicamente excluídos é um mecanismo necessário ao combate à discriminação e à desigualdade. Em direção oposta, o governo Bolsonaro tem protagonizado ações e políticas que aprofundam a discriminação e a censura à população LGBTQIA+, em muitos casos personificadas na figura do presidente da República.

Parte dessas iniciativas discriminatórias são difíceis de serem mapeadas, mas há algumas medidas que explicitam a estratégia de invisibilização, algumas protagonizadas pelo próprio presidente por meio de redes sociais, seus canais prediletos de manifestação.

Em mensagem no Facebook em 7 de março de 2019, Bolsonaro ordenou que a direção do Banco do Brasil cancelasse curso de diversidade e de prevenção e combate ao assédio moral e sexual na instituição. Em 09 de março, o presidente do BB anunciou o cancelamento.

Em 14 de abril de 2019, Bolsonaro mandou tirar do ar campanha do Banco do Brasil com jovens, negros e negras e LGBTQIA+, e mandou demitir o diretor de Marketing do banco. Ademais, foi proibido o uso de vernáculos e expressões da comunidade LGBTQIA+ em qualquer publicidade e propaganda de órgãos da administração publica, empresas públicas e autarquias.

O Plano Nacional de Turismo 2018-2022, adotado por meio do Decreto 9.791/2019, excluiu o incentivo ao turismo LGBT, que constava na versão inicial, mesmo reconhecendo que representa cerca de 10% do turismo no mundo e movimento 15% da economia do setor.

A partir de junho de 2019, torna-se pública a orientação do governo brasileiro ao veto do termo gênero em resoluções da ONU e à abstenção em matérias sobre saúde sexual e reprodutiva.

Em 15 de agosto de 2019, em sua live semanal, Bolsonaro declarou que projetos com certos temas (negros, LGBTQIA+ e prostituição) não seriam mais aprovados pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) para captar recursos por meio da Lei do Audiovisual. Entre os títulos para exclusão, citou Afronte, sobre a realidade de negros homossexuais no Distrito Federal; Sexo Reverso, história de sonhos e realizações de cinco pessoas transgêneros que vivem no Ceará; e Religare queer, sobre uma ex-freira lésbica.

Em 16 de setembro de 2019, a Ancine retira apoio à participação dos filmes Greta e Negrum3, com temática negra e LGBTQIA+, selecionados para participar do Festival Internacional de Cinema Queer, em Lisboa.

A Caixa suspendeu, em setembro e outubro de 2019, exibição das peças “Gritos” e “Lembro todo dia de você” selecionadas por meio de edital para participarem do circuito Caixa Cultural, ambas com temática LGBTQIA+ e sobre sexualidade. Também adotou novos critérios de seleção de projetos, que representam censura prévia em relação a temas LGBTQIA+, ditadura, contra o governo e cenas de nudez.

Em 14 de dezembro de 2019, foi emitida nota técnica da equipe encarrega de inspecionar o banco de itens para a prova do ENEM, vetando 66 itens. Apesar de o conteúdo censurado não ter sido divulgado, pela primeira vez em 10 anos a prova deixou de fora o tema da ditadura militar e não tratou de direitos LGBTQIA+.

 

O retrocesso nas políticas

Além de não executar o pequeno orçamento destinado às políticas LGBTQIA+ disponível em 2019 e 2020, o governo Bolsonaro tem alterado o escopo e a forma de atuação em várias políticas que, em governos anteriores, eram fundamentais para proteger a vida e assegurar direitos da população LGBTQIA+.

Em relação à política de prevenção a HIV/AIDS, por exemplo, as mudanças na estrutura do Ministério da Saúde não só diminuíram o status da política, como agregaram atribuições, colocando em risco a continuidade das estratégias bem sucedidas na área. Ademais, as campanhas de saúde pública no período Bolsonaro têm vetado a presença de casais do mesmo sexo e, para adolescentes e jovens, trocado políticas de prevenção por campanhas de abstinência.

Há retrocessos também na política de drogas. Além da nova legislação que autoriza a internação involuntária (Lei nº 13.840/2019), foi dado ênfase na parceria com comunidades terapêuticas, muitas das quais ainda aceitam internações para terapias “religiosas” que prometem a reversão de orientação sexual e identidade de gênero de pessoas.

Cabe lembrar ainda a disposição do governo Bolsonaro de expurgar, dos livros didáticos distribuídos pelo governo federal, qualquer menção à diversidade, sob o argumento de estarem combatendo a “ideologia de gênero”. Finalmente, as medidas de flexibilização de compra e porte de armas representam um aumento do risco para a população LGBTQIA+, já vítima preferencial de crimes de ódio no Brasil.

Mesmo no parlamento, a bancada de extrema-direita de sustentação ao Governo Bolsonaro cotidianamente ataca aos direitos e a existência da população LGBTQIA+. Inúmeros projetos desta bancada visam retirar direitos da população, criminalizar existências e impedir o acesso à cidadania plena, baseados em uma concepção excludente e de ódio à população LGBTQIA+.

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