Entre bárbaros e líderes
Vencen los bárbaros, los gauchos vencen…”. Como no “Poema Conjectural”, de Jorge Luis Borges, no Chile, os bárbaros venceram. Ficaram com a convenção constituinte. Sentaram-se em cima de pactos e elites e ocuparam, pelas urnas, a primeira fileira do teatro. Foi lindo, não cabe dúvidas. No entanto, em mais alguns meses, novas eleições — parlamentares e presidenciais —, se aproximam, só que já surgem nuvens preocupantes.
Porque nas eleições vindouras se julgará ou o estertor do velho ou sua ressuscitação, mas em formato de zumbi. Serão eleitos, com o formato excludente anterior, deputados e senadores que tentarão garantir seus interesses na convenção. Isto é, os mesmos contra os quais a grande maioria dos chilenos votou farão, de todos os modos, o contrapeso das decisões dos constituintes.
Mas também será eleito um presidente ou uma presidenta. Vale dizer, será eleito o personagem que, em boa parte das experiências constituintes latino-americanas das últimas décadas, oficiou de mediador e, ao mesmo tempo, de motor de mudanças.
Mas no Chile, a revolta que mobilizou este processo constituinte, foi alavancada à revelia de elites e partidos, sem lideranças nem quadros anteriores. Por conseguinte, é muito provável que o próximo presidente atue hoje mais como “árbitro contrário” ao processo do que como mobilizador. Desesperança que se agrava frente à divisão da esquerda com uma dezena de candidatos e candidatas, e diante de uma direita que joga unida — unida a banqueiros, que são donos de meios de comunicação, alguns juízes e a muitos promotores.
Os resultados da eleição para governadores foram claros sinalizando para isso. Depois de mais de 200 anos de um centralismo radical, no Chile, pela primeira vez, os cidadãos tiveram a oportunidade de votar em líderes regionais. Mas a grande maioria se absteve, deixando no poder os velhos partidos que foram defenestrados por esses mesmos cidadãos na eleição constituinte. Para governar o presente, ganham. Para imaginar o futuro, perdem. O problema é que hoje, no Chile, se trata de imaginar o futuro coletivamente. Sobretudo em uma Assembleia Constituinte que deve enfrentar um presente tão incerto e cheio de pontos cegos e contradições.
Ao passo que alguns ambientalistas buscam garantir constitucionalmente o desenvolvimento sustentável, outros, também ambientalistas, afirmam que a natureza já não é capaz de suportar novas cargas. Enquanto alguns querem nacionalizar os recursos da mineração para reverter seus lucros em garantia de direitos, outros querem fazê-lo para dar cabo ao extrativismo. Enquanto alguns querem expropriar, outros buscam garantir os direitos de liberdade econômica como eixo central. O problema é que todos têm razão.
A crise de legitimidade no Chile é, assim, uma crise de lideranças. Os líderes na América Latina, ao se assumirem agentes de mudança, sabem que devem encarnar não apenas a razão técnica da gestão do público, mas, acima de tudo, devem ser capazes de encarnar a representação política. A cultura. Em nossas democracias barrocas, o/a líder não é quem decide os dilemas, e sim quem sinaliza um horizonte onde essas contradições se tornam compatíveis. Esta foi, provavelmente, a grande lição do ciclo progressivo latino-americano.
Tradução: Mila Frati