Marcos Coimbra, sociólogo, presidente do Instituto Vox Populi, diz à Focus Brasil que o momento político é de transição de um período de maior participação de segmentos sociais no processo eleitoral brasileiro. “O que estamos vendo agora e a tendência, me parece, é isso se acelerar, é uma consequência de mais pessoas estarem se sentindo de um lado mais motivadas a expressar sua insatisfação com o governo e, do outro lado, menos preocupadas porque muitos se vacinaram e aprenderam a se proteger. E é inevitável que isso aumente”, opina.

Focus Brasil – Especificamente sobre os atos, qual a análise que você faz sobre o significado e o tamanho dos protestos em 19 de junho. O que isso representa?

Marcos Coimbra – Do ponto de vista político, estamos vivendo um período muito especial, causado pela pandemia. Isso deu um conjunto de mudanças. Algumas benéficas para o Bolsonaro, na medida em que desviaram o assunto do péssimo governo que ele faz desde o primeiro dia. A pandemia deu uma sobrevida ao governo no início de 2020, houve o efeito positivo do auxílio emergencial. Por outro lado, a pandemia ajudou a revelar tudo o que ele [Bolsonaro] e sua turma têm de pior.

Do ponto de vista da sociedade, da opinião pública, a pandemia também teve efeitos que nós começamos a ver, por exemplo, na eleição de 2020: a falta de movimentos de rua. Foi uma campanha sem participação da opinião pública. Uma das consequências foi uma grande despolitização daquela eleição, o que beneficiou candidatos conservadores e tradicionais porque foi uma campanha completamente fria.

Agora, nós estamos vivendo uma transição desse período para um novo que imaginamos vai permitir uma maior atuação pública de quem é contra o governo. O que estamos vendo agora e a tendência, me parece, é isso se acelerar, é uma consequência de mais pessoas estarem se sentindo de um lado mais motivadas a expressar sua insatisfação com o governo e, do outro lado, menos preocupadas porque muitos se vacinaram e aprenderam a se proteger. E é inevitável que isso aumente. De uma forma geral, na política contemporânea, os eventos de expressão direta, de manifestações estão se tornando comuns. Acho que estamos nos preparando para manifestações de enorme significado popular, o que vai ser importante para o processo eleitoral do ano que vem.

 

Os protestos têm sido tratados pela imprensa como se fossem da esquerda só de esquerda. É um tratamento diferente daquele dado aos protestos em a partir de 2014. Qual a sua opinião?

— O que é mais relevante, é a verdade ou a versão que vai ser criada em torno de um fato qualquer? As manifestações de 2013 contra a Dilma, foram extremamente encorajadas pelo establishment político brasileiro que tinha o objetivo de evitar a reeleição da Dilma em 2014, que era vista como uma espécie de eternização do PT no governo. O sucessor dela seria o Lula que ficaria oito anos e aí sabe-se lá que dia conseguiriam implementar essa agenda que está aí. A construção da narrativa de que os movimentos de 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões… a mesma falta de preocupação com a contabilidade das manifestações hoje, havia no sentido inverso.

Esses veículos a que você se refere estavam calculando com as estatísticas de quantas pessoas por metro quadrado e filmavam com drone. Os números foram argumentos importantíssimos em 2013 e depois em 2015. Agora ninguém sabe quais são os números. Por que ninguém fez as contas do que foram as manifestações no sábado [19 de junho]? Porque não interessa fazer essa comparação de tamanhos. É claro que nessa disputa de versões a qualidade da participação é relevante. Socialmente falando, quem estava lá eram trabalhadores, sindicalistas, estudantes, jovens. Muito provavelmente, a participação nessas últimas manifestações foi mais representativa do universo da população brasileira do que aquelas de 2013, isso do ponto de vista sociológico. Do ponto de vista político, nunca serão.

Nas grandes democracias de massa do mundo moderno a participação política é alguma coisa que afeta, no máximo, 15% da população. Os outros 85% se dividem entre quem não tem interesse nenhum que certamente não saem à rua para se manifestar. E tem uma outra parte que participa do processo político, procura se informar e tem uma certa participação. Mas ir para a rua, seja na direita, seja na esquerda, é uma pequena minoria.

E o fato de já estarmos tendo, apesar de tudo o que falamos antes, o que nós estamos vendo nesse momento é muito mais significativo do que vimos em 2013 e 2015. No entanto, a imprensa tratou aquelas como “grandes manifestações de massa”. Essas de agora não, são manifestações vermelhas dos esquerdistas. Isso é só a versão, mas a versão raramente produz consequências políticas. O que produz consequência política são os fatos e os fatos são esses. Estamos crescentemente tendo muita gente querendo expressar sua rejeição, sua repulsa a esse “cara” que está na Presidência da República.

 

Este é um momento delicado para o governo?

— É altamente negativo para Bolsonaro, para o bolsonarismo e para o que resta de apoio na elite e na sociedade. Ele está ficando cada vez mais limitado. Quem o apoia são os poucos que estão ganhando dinheiro. O país está mal, temos um dos piores enfrentamentos à pandemia e temos um governo completamente ensandecido. Ausência completa de atuação em praticamente todas as áreas. Estamos vivendo um período de completo caos administrativo. Um governo chefiado por um imbecil que não tem formação e conhecimento técnico de nada.

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